Este é um daqueles raros livros que agarra o leitor já nos dois primeiros parágrafos do prefácio.
Timothy Garton Ash, um dos intelectuais mais na moda na mídia europeia, começa repetindo o título do livro (Os fatos são subversivos). Logo depois emenda:
“Se tivéssemos conhecido os fatos sobre as supostas armas de destruição em massa de Saddam Hussein, ou simplesmente como eram frágeis as informações sobre elas, o Parlamento britânico talvez não tivesse aprovado a ida à guerra no Iraque. Talvez até os Estados Unidos tivessem hesitado. A história desta década poderia ter sido diferente”.
É fascinante imaginar a hipótese de se reescrever a história de uma década que teve de tudo, dos atentados de 11 de Setembro, no seu início, até a morte de Osama bin Laden, no fim.
Por isso mesmo, o leitor acaba compelido a percorrer as 434 páginas do livro para acompanhar outros “fatos subversivos” mundo afora. Quando digo mundo afora, não é figura de linguagem. Garton Ash é daqueles intelectuais que não fica preso à torre de marfim da academia. Vai à rua, pisa poeira (por exemplo, nas ruelas do Real Parque, favela paulistana, ou da Cidade de Deus, no Rio de Janeiro), aplica na prática a sua teoria de que “não há nada comparável a estar no próprio lugar” [dos fatos].
Sua profissão, mais do que a de professor de estudos europeus na mitológica Universidade Harvard, é o de “historiador do presente”, aparentemente uma contradição em termos. Historiador trata do passado. Jornalista é que trata do presente.
“Historiador do presente”, expressão que o livro atribui a George Kennan, combina erudição e jornalismo, escreve o autor. No caso dele, combina bem.
Liberal
Sua “história do presente” visita um bom punhado de acontecimentos e países que marcaram a década.
Para torná-la ainda mais do presente, o primeiro capítulo é dedicado à “estranha derrubada de Slobodan Milosevic”, o facínora sérvio. Parece passado, mas um passado reencenado ainda neste ano, com a prisão de dois outros criminosos sérvios de guerra, o general Ratko Mladic e Goran Radzic.
Além de historiador do presente, Garton Ash foi suficientemente prudente para descartar textos que contivessem predições e/ou prescrições, “ambas receitas para a lixeira”, como diz. Ficou em descrição e análise, que “talvez durem um pouco mais”. No geral, duraram, sim, com as exceções inevitáveis em qualquer recopilação.
O autor não é neutro ideologicamente. Diz-se “liberal”, mas não no sentido ultra que ganhou a palavra, quando acoplada ao prefixo “neo”. Garton Ash gasta, aliás, três páginas para explicar o seu liberalismo. Nem precisava.
As três primeiras linhas do capítulo que leva esse nome bastam para que o leitor entenda sob que ângulo o autor escreve: “Governos e mercados têm ambos seu lugar numa sociedade, sugeriu o presidente Barack Obama em seu discurso de posse, mas podem se transformar numa força do mal se não tiverem restrições”.
De novo, a definição é atualíssima, à luz do imbróglio armado nos Estados Unidos a propósito da elevação do teto da dívida e do ajuste fiscal que deveria acompanhá-la.
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[Clóvis Rossi é jornalista]