Quando Collor assumiu a presidência, ele bombardeou a população com um só tiro, um plano de estabilização que bloqueou saldos bancários. Rogério Magri, seu ministro do Trabalho, disse que o plano era imexível. A sacada neológica de Magri até que ofuscou um pouco a iniciativa governamental, e muita gente dedicou tempo a comentar a palavra criada pelo ministro, havendo até quem atribuísse o ‘equívoco’ à falta de formação acadêmica do autor da palavra, um trabalhador!…
Na verdade, o ex-ministro poderia ter usado um termo existente no idioma, algo como ‘intocável’ ou ‘irreparável’, mas, ao inventar, infringiu uma espécie de restrição lingüística, segundo a qual uma forma preexistente bloqueia outras, seguramente um dos critérios para o teste da aceitabilidade de uma palavra. Assim, por exemplo, de trabalhar fazemos trabalhador, mas de praticar não formamos praticador; de provocar tiramos provocação, mas de jurar não formamos juração. Vale dizer que as formas praticante e juramento – preexistentes – bloqueiam as formações neológicas, que, quando usadas, geram aquela estranheza…
Na quebra desse bloqueio estava uma das chaves do sucesso do impagável Odorico Paraguaçu, vivido na tevê pelo genial Paulo Gracindo. O autor Dias Gomes explorava exatamente essa ruptura com o lingüisticamente institucionalizado e criava o efeito cômico. Quanto nos deliciava ouvir Odorico dizer valentosa, excomunguenta, comprovamento e tantas outras expressões!
Como imexível
Mário de Andrade, em poema que reflete o clima da Semana de Arte Moderna de 1922, dizia-se um ‘ (…) escritor difícil / Que a muita gente enquizila,/ Porém essa culpa é fácil / De se acabar de uma vez: / É só tirar a cortina / Que entra luz nessa escurez.’ Escurez? Sim, a escuridão do poeta ou do poético… Em Carlos Drummond, no poema ‘Caso pluvioso’, colhemos ‘chuvadeira maria, chuvadonha,/ chuvinhenta, chuvil, pluvimedonha!’.
O dicionário de Antônio Houaiss registra a data em que o vocábulo aparece na língua. Nele não se encontram as citadas inovações de Odorico, nem escurez (há escureza), nem a inventiva de Carlos Drummond, mas há o registro imexível, datado de 1990, o ano em que o ministro cunhou a palavra, e os jornais certamente reproduziram o neologismo à exaustão. A língua tem seus filtros, seus caprichos. Há palavras que pegam e ganham cidadania, como dizia Machado de Assis; outras, ainda que inegáveis achados literários, ficam restritas à genialidade de seus criadores.
Mais recentemente, o nosso Dunga deu uma inovada (ou inovação?) na indumentária, por influência, segundo ele, de um sugerimento da filha… O assunto rendeu matéria na tevê, com especialista mostrando o dicionário… Como imexível, a inovação léxica do técnico poderá estar dicionarizada daqui a alguns anos. Depende muito do curso que a mídia dará à formação. O código lingüístico está aberto a inventamentos. Como? Inventamentos?!
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professor de Língua Portuguesa no Colégio Técnico Universitário da Universidade Federal de Juiz de Fora; autor de Português; teoria e prática (Editora Ática)