Sunday, 15 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1318

Tecnologia utópica pauta o imaginário






Na Feira Mundial de Nova York de 1964, um garoto de sete anos se extasiava
com a inteligência artificial e os foguetes espaciais que os Estados Unidos lhe
prometiam para um futuro próximo. Hoje, 45 anos depois, parte daquele cenário se
concretizou, mas a tecnologia continua ditando as cartas das nossas visões de
futuro. Nas projeções para as próximas décadas, continuamos a enxergar a
conquista interplanetária e uma presença cada vez maior de robôs – e, agora,
atribuímos um papel central à internet, considerada uma ferramenta para a
revolução da sociedade. Não é estranho pensar que o futuro de 45 anos atrás é
tão semelhante ao de hoje?


Essa reflexão levou o garoto do parágrafo acima –

chamado Richard Barbrook – a escrever o livro
Futuros imaginários: das máquinas pensantes à aldeia global,que acaba de
ser lançado no Brasil e está
disponível para download
. Instigado pelos motivos que levaram à permanência
de elementos da utopia tecnológica por mais de 40 anos no imaginário ocidental,
Barbrook – hoje professor da Universidade de Westminster (Inglaterra) – foi às
origens da ferramenta que deu aos Estados Unidos o controle sobre o futuro: a
internet.


Nos 15 capítulos que compõem o livro, o cientista social britânico resgata de
maneira fluida e instigante eventos históricos, tendências sociais e avanços
tecnológicos que culminaram com o advento da internet. A partir da análise
desses fatores, o autor busca explicar os interesses por trás da permanência do
futuro tecnológico utópico que há décadas pauta nosso imaginário.


Embora de cunho majoritariamente histórico, Futuros imaginários não se
prende ao didatismo de livros de história convencionais, pois sua linha de
pensamento mais livre torna a análise de Barbrook rica em profundidade e
perspectivas. Um conhecimento básico da história mundial recente –
principalmente da Guerra Fria – é importante para que o leitor aproveite toda a
riqueza de informações que o livro pode oferecer.


Controlar o presente


De acordo com Barbrook, a internet não nasceu de um acaso histórico do
desenvolvimento tecnológico, nem foi idealizada originalmente pelos
norte-americanos. Surpresos? ‘Sob o governo de Nikita Khrushchev [entre 1953 e
1964], um grupo de reformistas subiu ao poder na União Soviética e, liderado
pelo acadêmico Axel Berg, teve a ideia de usar a cibernética como forma de
reavivar os ideais originais da Revolução Russa’, conta o autor à CH
On-line,
de passagem pelo Rio de Janeiro para lançar seu livro. ‘Além disso,
também viram na rede de computadores uma forma de discutir assuntos que eram
tabus no governo de Stálin, como economia, genética, psicologia e
sociologia.’


No entanto, embora a União Soviética tenha idealizado a internet antes dos
americanos, foram estes que a criaram de fato. Como os russos já haviam lançado
o primeiro satélite espacial, os Estados Unidos teriam que tornar a internet
realidade para estar à frente da corrida e atingir a hegemonia intelectual. ‘A
ideia de um comunismo cibernético soviético foi tomada e transformada em
ideologia norte-americana’, sintetiza Barbrook.


Portanto, assim como os outros artefatos tecnológicos apresentados como
futurísticos durante a Guerra Fria, a internet foi criada para fins militares.
‘Tanto americanos quanto soviéticos queriam criar um sistema de comunicação que
sobrevivesse a uma guerra nuclear’, conta o autor. A partir daí, argumenta ele,
os Estados Unidos passaram a controlar o futuro – e o presente –, exportando-o
para onde sua influência pudesse alcançar.


Um futuro mais humano


Para Barbrook, é importante perceber que, mesmo criada para fins militares, a
internet é hoje utilizada de inúmeras formas contrárias ao seu objetivo inicial.
São essas múltiplas facetas que impedem que seja conferido à internet um caráter
prioritariamente neoliberal – como prenunciava o grande crescimento das empresas
‘ponto-com’ na década de 1990 – ou cibercomunista, com o compartilhamento
irrestrito e produção de informações, arquivos e ideias.


Assim, o argumento final de Barbrook em seu livro é que os futuros
imaginários nos quais acreditamos há 45 anos precisam ser reformulados, pois se
baseiam numa utopia tecnológica. ‘A internet é uma ferramenta útil, não uma
tecnologia redentora’, defende ele. ‘Damos poder demais à tecnologia, e assim
ignoramos que nós mesmos somos seus criadores e podemos intervir no futuro como
quisermos.’ Para o autor, esse fetichismo tecnológico deve ser combatido.


O futuro para Barbrook, portanto, deve se pautar não pela tecnologia, mas
pelos seres humanos. ‘Só poderemos fazer algo concreto a respeito do futuro
quando tomarmos consciência de que ele pode ser diferente daquilo que nos é
oferecido.’

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Da equipe do Ciência Hoje On-line