Ahn?! Piauí?! Não faltaram exclamações assim, sempre que eu mencionava com entusiasmo a chegada de uma nova revista mensal às bancas. Também pudera, com um nome desses… Além de atípico para uma revista, são desconhecidas as razões da escolha. Nem mesmo seus idealizadores esticaram muito o assunto. Tanto João Moreira Salles quanto Mario Sergio Conti, em declarações públicas, escaparam pela tangente. O máximo que disseram é que a palavra era rica em vogais. Foi o argumento mais repetido.
Seja lá como for, nome por nome, a revista fez uma boa estréia. Nada a dever ao frontispício de alguns congêneres de destaque na América Latina. No Equador existe a Etiqueta Negra. Pode haver título mais esquisito? Na Colômbia, a Câmbio, que para os desavisados soa mais como revista de assuntos aeronáuticos. E, na mesma Colômbia, há a originalíssima Gatopardo. Gato o quê… ?! Detalhe: todas essas publicações de países hermanos são o que há de melhor no continente em termos de jornalismo literário e investigativo.
Entonces, se for pelos nomes alternativos, criativos e tais, decolamos bem. Mas deixemos os títulos e as comparações de lado, pois o que interessa é o caso Brasilis.
Que New Yorker…
Em termos de conteúdo, a Piauí já chega dividindo. Nada de editorial, nem de colunismo social, nem de opinionismo. Nada. Vale o preto no branco, o texto caudaloso, para quem gosta de se enfurnar numa boa história. Ah, e o formato, tem o formato… É impossível ignorá-la na banca, pois a Piauí não é nem um pouco parcimoniosa. Já chega ganhando na altura e na largura, sem ser rechonchuda.
Voltando ao miolo. Se o leitor de imediato bater os olhos no nome de Ivan Lessa, será tomado por uma sensação de déjà vu. Caramba, de onde conhecemos esse cara? Claro, do Pasquim. E aí todo um novelo de reminiscências proustianas será desfiado. Sem as necessárias madeleines.
Mas a pretensão da Piauí não é ressuscitar experiências pregressas. Nem copiar sucessos duradouros. Em suas declarações sobre a revista, João Moreira Salles foi contundente: não há intenção em copiar a afamada, prestigiada, chique e literária New Yorker, conforme ventilado por aí com muuuuita antecedência. O negócio da Piauí é mais Brasil. Digamos que a bússola aponte mais na direção da extinta Realidade, uma brastemp da reportagem jornalística nos anos 1960/1970. O nosso mais bem-sucedido caso de imersão no tal do jornalismo literário, veleidade de nove entre 10 jornalistas dos tristes trópicos.
A invenção de Fidel
Se a revista veio ao mundo para ser traçada com calma ao longo do mês, acertou em cheio. São textos extensos distribuídos em quatro colunas, e com escassas ilustrações. Mas, como ninguém é de ferro, a revista traz nesta edição um tremendo ensaio fotográfico do premiado Orlando Brito. O título não poderia ser mais adequado: ‘Vultos da República’.
Do presente a quente, o leitor vai encontrar a reportagem ‘Bom dia, meu nome é Sheila’, sobre os atendentes de telemarketing, e a história da morte do engenheiro João José Vasconcellos Jr., no Iraque. Na última página, na seção ‘Despedida’, há um relato da morte de um pedreiro em plena labuta no cotidiano paulista.
Dorrit Harazim, no texto ‘Um jornalista que foi notícia’, e Anthony DePalma, em ‘O homem que inventou Fidel’, escrevem sobre Herbert L. Matheus, a quem é atribuída a façanha de ter criado o mito Fidel Castro durante a cobertura que fez da revolução cubana. A Piauí antecipa com exclusividade um capítulo do livro de DePalma sobre o furo de reportagem que Herbert L. Matheus deu ao entrevistar Fidel na Cuba pré-revolucionária. O livro será lançado futuramente no Brasil.
Não perguntem
Há também espaço para ensaios, caso de ‘Papagaio!’, assinado pelo craque Roberto Pompeu de Toledo, sobre o símbolo ornitológico da identidade do brasileiro, e literatura, no conto inédito ‘Miriam’, de Rubem Fonseca. A sensação de déjà vu volta a assolar o leitor quando este se depara com um texto de Danuza Leão. Será o Samuel Wainer?! Não, nem será o Benedito. Trata-se de um perfil do estilista Guilherme Guimarães, que a este escrevinhador pareceu uma espécie de colunismo social bem disfarçado.
E tem muito mais distribuído ao longo de 66 páginas de muitas surpresas. Quer um exemplo? A matéria de viagem sobre a Molvânia, com direito a um pequeno léxico de expressões em molvanês. Molv.. o quê? De resto, o leitor não poderá se queixar: em seu favor conta um mês inteirinho para degustar essa primeira edição da Piauí.
PS.: A bem da verdade, o título correto da revista é piauí, assim mesmo, em minúsculas. E não me perguntem o porquê.
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Jornalista, editor do Balaio de Notícias