Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1316

Textos profundos, sem peso acadêmico






Num mundo em que se lê cada vez menos, chega a provocar incredulidade a
notícia de que uma equipe de jornalistas do primeiro time se debruça há cinco
meses sobre o projeto de criação e lançamento de uma revista dedicada a textos
de caráter ensaístico. Mas é isso mesmo.


Chegou na segunda-feira (30/3) às livrarias e algumas bancas de jornais o
resultado deste esforço, o primeiro número de Serrote, que se apresenta
como ‘uma revista de ensaios, idéias e literatura’.


Projeto de Flavio Pinheiro, desenvolvido por Matinas Suzuki Jr., ao lado de
Rodrigo Lacerda, Samuel Titan Jr. e Daniel Trench (diretor de arte),
Serrote apresenta-se como uma alternativa às revistas de ensaios de caráter

acadêmico, que proliferam,
com os mais variados padrões de qualidade, nos principais centros universitários
do país.


‘No Brasil, (o ensaio) tomou forma acadêmica, o que é uma pena, pois fica sem
o que tem de bom, a espontaneidade’, escrevem os editores, na apresentação de
Serrote. ‘O ensaio ideal poupa citações e supõe que as notas de rodapé
são um terreno minado’, acrescentam, explicitando o modelo de revista que
perseguem.


Cardápio variado


‘Vamos abrir espaço para o chamado ensaio pessoal’, diz Matinas Suzuki. ‘O
autor pode discorrer sobre um tema de interesse dele, com liberdade de estilo e
tom, sem nenhuma obrigação.’


A título, talvez, de modelo do que deseja alcançar, Serrote publica em
seu primeiro número ensaios antigos de três autores americanos que, de alguma
forma, ajudaram a moldar esse gênero: E.B. White (‘Adeus ao Ford Bigode’),
Edmund Wilson (‘Motores de Detroit’) e H.I. Mencken (‘O Circo de Tennessee’ e
‘Expondo um Tolo’).


Outro diferencial da revista é o padrão gráfico. Serrote apresenta-se
com impressionante apuro visual e diagramação refinada, recheada de fotos e
ilustrações – um conjunto que a deixa mais ‘leve’, atraente. A fonte de
inspiração, no caso, é a The Virginia Quarterly Review, uma
revista trimestral, publicada pela Universidade de Virginia (EUA), desde 1925.


Por coincidência, a revista estréia com a publicação de 20 desenhos inéditos
do artista Saul Steinberg (1914-1999), retirados de uma agenda (de 1954) e nunca
publicados. Serrote também revela que a primeira revista a publicar um
desenho de Steinberg na capa não foi a New Yorker, onde ele se tornou
célebre, mas a brasileira Sombra, em 1940.


No variado, e atraente, cardápio da revista, um texto do historiador Robert
Darnton sobre ‘O Google e o futuro dos livros’, a tradução de aforismos de Kafka
por Modesto Carone, uma reflexão do artista plástico Nuno Ramos sobre Nelson
Cavaquinho, fotos inéditas de José Panceti feitas por Marcel Gautherot, uma
palestra do historiador Carlo Ginzburg sobre a tela ‘O Último Suspiro de Marat’,
de Jacques-Louis David e uma carta, nunca divulgada, de Mario de Andrade para
Otto Lara Resende.


Publicada pelo Instituto Moreira Salles, com recursos próprios, a revista
circulará três vezes por ano, em março, julho e novembro. A tiragem inicial de
Serrote é de 3 mil exemplares e o preço de capa é de R$ 29,90.


***


Serrote tem nome inspirado na obra do poeta Murilo Mendes, autor de um
livro de memórias intitulado A Idade do Serrote e de um divertido poema
chamado ‘Serrote’ (incluído em Poliedro), no qual a ferramenta é descrita
de forma terrível – só menos ameaçadora que a bomba atômica.


A escolha de Serrote foi meio aleatória, orientada mais pelo
estranhamento que causa o título do que por algum sentido que possa sugerir.
Antes de se decidir por Serrote, conta Matinas Suzuki Jr., os editores da
revista se divertiam dizendo que ela se chamaria Maranhão. Uma
brincadeira do jornalista Marcos Augusto Gonçalves com o título (tão aleatório
quanto) da revista piauí, cujo editor, João Moreira Salles, é um dos
diretores do Instituto Moreira Salles, onde Serrote nasceu.


Abaixo, reproduzo o poema ‘Serrote’, de Murilo Mendes (1901-1975).




Tremo quando examino o serrote.


Acho angustiante a música dentada do serrote, rangendo, pai de Antonin
Artaud, cuja mãe é uma das Górgones.


Para libertar-me do serrote compus um drama mínimo sobre.


DRAMATIS PERSONAE:


O SERROTE;


EU PRÓPRIO, DE BINÓCULO E LUVAS PRETAS.


CENÁRIO: UM QUALQUER.


TEMPO DE AÇÃO: 1910 – 1965


ESPAÇO DA AÇÃO: JUIZ DE FORA – RIO – ROMA.


Aproximo-me bastante do serrote, calço as luvas, entrego-lhe o texto menor do
mundo:


AI!


Fora o serrote. Ainda assim prefiro-o à bomba atômica. Se bem que terrível
não ameaça nem troveja. Além disto não há serrotes ‘limpos’ ou ‘sujos’,
americanos, russos ou chineses. Todos são internacionais. (Acabarei elogiando o
serrote.)


Serrote, caixinha de música dos nazistas.

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Repórter especial do Último Segundo