Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Todo dia é dia de livro

A capa: um jovem encarapitado na árvore, lendo, absorto, como se ele mesmo fosse um fruto gestado entre as folhas (do livro, da árvore). O livro aberto, e o céu aberto como pano de fundo. O livro leva o leitor a outras alturas. Árvore isolada, leitor solitário, mas não se trata de torre de marfim.

É a capa de mais uma publicação do leitor apaixonado Alberto Manguel – Os livros e os dias –, desenrolar inventivo de reflexões, impressões de viagem, lembranças, comentários, e o eixo são doze livros ao longo de um ano, junho de 2002 a maio de 2003.

Cada mês é dedicado a um livro. No primeiro mês, A invenção de Morel, de Adolfo Bioy Casares, argentino como o autor; em julho de 2002, A ilha do dr. Moreau, de H. G. Wells; em agosto, Kim, de Kipling, e depois: Memórias de além-túmulo, de Chateaubriand; O signo dos quatro, de Conan Doyle; As afinidades eletivas, de Goethe; outro clássico, O vento nos salgueiros, de Kenneth Grahame; o clássico dos clássicos Dom Quixote; O deserto dos tártaros, de Buzzati; O livro de cabeceira, de Sei Shonagon, ainda não traduzido para o português; O livro sagrado, de Margaret Atwood… e o nosso Memórias póstumas de Brás Cubas.

Dia de chuva

Uma das magias da leitura, de qualquer leitura – o que se lê no livro se entrelaça com a realidade extralivro. São insights desse tipo que vão pontuando o livro de Manguel. Uma frase colhida sem causa aparente parece iluminar um fato vivido naquele mês. Por acaso nada existe casualmente.

Outra magia inevitável: livro puxa livro, leitura lembra leitura, autor remete a outro autor, num sem-fim de referências. Conan Doyle, por exemplo, lembra Agatha Christie, que lembra Marco Denevi, que lembra Ellery Queen, que lembra Simenon, que lembra Raymond Postgate…

Não há como relegar a releitura do que um dia nos marcou. Mas aqui surge um problema, e a sua solução. O releitor, ao reencontrar o livro, perdeu camadas de ingenuidade. Sua releitura será mais complexa, mais bela, mais difícil, como se alguém pudesse ressuscitar outro alguém que, no passado, não soube amar com a necessária intensidade.

Para Manguel todo dia é dia de livro. Mas há dias em que certos livros são recomendados: ‘Memórias póstumas de Brás Cubas é um livro perfeito para ler quando está chovendo.’

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Doutor em Educação pela USP e escritor; website (www.perisse.com.br)