‘Os jornalistas me decepcionaram.’ Esta frase dá bem a medida da seriedade deste Janelas para o destino – imprensa e poder, de Virgílio Horácio de Castro Veado, líder que sempre se preocupou em valorizar e dar dignidade à profissão. A confissão do autor não revela apenas coragem na afirmação, mas demonstra convicção consciente, pensada e alicerçada ao longo de 50 anos de irretocável exercício profissional.
A par de revelações contundentes – ‘sinto-me traído por aqueles a quem melhor procurei servir’ – o autor vai pondo o dedo na ferida da classe, sem dó nem piedade, alertando os jornalistas para seus erros, ao confundirem interesses e vaidades, deixando-se dominar pelo que ele classifica de individualismo egoísta e primitivo.
Coerente com seu pensamento de se harmonizar com a verdade, a história e a consciência, revelado em outro livro lançado recentemente, autobiografia repleta de fatos históricos nacionais, testemunhados por ele, porque seu partícipe, Virgílio Veado conserva nesta obra o tema Janelas para o destino, mola propulsora de seu ideal em servir à sociedade. Guardando rigorosa fidelidade aos fatos, o autor atualiza títulos, revê conceitos, aprofunda a pesquisa histórica e traz a público novos dados sobre momentos decisivos da vida política do País.
Ele fala do respeito que a Imprensa de ontem tinha junto às autoridades, cônscia do seu papel formador de cidadãos, denuncia a decadência técnica e intelectual das gerações de hoje, vítimas de cursos de jornalismo mal estruturados, ataca a desordem ética e profissional que invadiu os canais de televisão, e alerta para a entrada do capital estrangeiro na mídia.
Episódio desprimoroso
Imprensa e poder rende também tributo a um estadista, de biografia que honra o Brasil, Francisco Clementino de San Tiago Dantas, a quem, no conceito do autor, o País ficou a dever sacrifícios ingentes, idéias primorosas e serviços que, se aplicados, teriam mudado seus rumos econômicos e sociais. Considerado pelo presidente americano John F. Kennedy como um dos maiores talentos do século 20, San Tiago tinha propostas, com foco nas reformas de base pelas quais tanto se empenhou, que, no dizer de Virgílio Veado, continuam pairando como sombras sobre os que ainda pensam no Brasil.
Estadista por vocação, e depois de dedicar-se por mais de 20 anos ao magistério e à advocacia, aprofundando-se nos estudos de filosofia, sociologia política e economia, San Tiago ingressou na política, pelo Partido Trabalhista Brasileiro, Seção de Minas Gerais, em 1956. Poucos anos depois submeteu-se a uma derrota prevista, ao se candidatar à vice-governança de Minas Gerais. Foi deputado federal, destacou-se no episódio da renúncia do presidente Jânio Quadros, teve atuação decisiva na adoção do parlamentarismo e, a convite do novo chefe do governo, Tancredo Neves, assumiu o Ministério das Relações Exteriores.
Passou pelo governo sem chegar ao Poder, foi combatido e retaliado dentro de sua própria agremiação partidária, cometeu erros e revelou ingenuidade política. Nunca teve seus imensos valores reconhecidos e lutou bravamente, mesmo quando acometido por insidiosa doença, em defesa da legalidade democrática. O autor do livro mostra que San Tiago Dantas não era um político profissional, e por isso sofreu com os políticos. Era um idealista que antevia o futuro com realidade e adverte que o seu nome precisa entrar no convívio dinâmico da História.
Em sua terceira parte, Imprensa e poder abre a consciência nacional, mostra a derrocada moral do País, que o autor chama de falência institucional dos Poderes da República, e pede ação urgente contra o processo em marcha de destruição da cabeça do brasileiro. Virgílio Veado descobre aqui o véu empoeirado da verdade sobre acontecimentos e circunstâncias desconhecidos da opinião pública ou recolhidos deliberadamente ao vazio sociológico, como diz. E ele o faz com a autoridade de testemunha ocular da História, porque foi seu privilegiado partícipe, e consciente de que nem sempre a historiografia convencional exprime neutralidade na descrição de fatos.
Aqui, o passado enfrenta o crivo do jornalista, que tem a respaldar-lhe não apenas larga experiência profissional, mas peculiar condição, ora de protagonista, ora de testemunha de episódios marcantes da segunda metade do século 20, em Minas Gerais e no Brasil. Suas informações, algumas inéditas, outras mais bem detalhadas, outras ainda de sentido contestatório e clarificador, se sobrepõem ao triunfalismo característico dos vencedores. Retira-lhes as máscaras para identificar e denunciar suas reais intenções de conquista de poder, para dele usufruírem, não raro, sem maiores escrúpulos.
Exemplos da contrafação não faltam nestas páginas, a começar pelo golpe de Estado perpetrado pelos militares, em 1964. Impondo ao País sofrimentos e frustrações, que ainda não puderam ser de todo resgatados, o movimento armado é visto à luz de suas verdadeiras dimensões, uma aquartelada que resultou em inominável traição a Minas Gerais e aos inarredáveis compromissos de seu povo com a Liberdade.
A queda do parlamentarismo em 1962, que o autor classifica como o mais desprimoroso episódio da vida parlamentar no Brasil, é do mesmo modo descrita com precisão e clareza, trazendo à tona as causas de fundo do absurdo retrocesso político-institucional.
Tomada de consciência
Momento de singular afirmação da soberania nacional – a implementação, como doutrina, da Política Externa Independente – é também retratado no livro, desvendando-se atitudes e posições precursoras, até aqui condenadas a premeditado esquecimento. Mostra, por exemplo, de que forma se processou a inserção do Brasil no concerto das Nações livres, como país autônomo e de decisões próprias, desatrelando-se, assim, de um humilhante e sistemático alinhamento com os Estados Unidos.
Ampliando seus mercados, através do reatamento de relações com todos os povos, independentemente de ideologias – o que é digno de especial registro, em hora crítica da Guerra Fria – antecipou-se o país à globalização econômica, que muitos anos depois tornar-se-ia, como é hoje, realidade inafastável.
A retrospectiva histórica mostra-se segura também em relação ao incremento do comércio no Continente, ao tratar dos entendimentos mantidos com outras Nações do Hemisfério, visando à implantação o Mercado Comum Latino-Americano, gérmen do Mercosul, que só muito posteriormente veio a se corporificar. A obra detém-se, ainda no enfoque das reformas estruturais, que o país já àquela época exigia. Se efetivadas, ter-se-iam alcançadas condições propícias a um crescimento econômico auto-sustentado, capaz de, a um só tempo, reduzir os gritantes desníveis sociais e regionais e promover mais justa distribuição da renda nacional. Outro tema em realce é a inter-relação entre democracia representativa e reforma social, como pressuposto essencial de legitimidade do regime.
O jornalista é generoso na contribuição pessoal. Transmite as experiências que viveu, em meio a entrechoques, não só de idéias, mas, sobretudo, de métodos de ação e interesses que, em determinadas situações, expuseram vilanias e falsidades, que considera inqualificáveis subprodutos do fanatismo ideológico e da ambição política.
Em última análise, com este brilhante Janelas para o destino – imprensa e poder, o jornalista Virgílio Horácio de Castro Veado propõe aos homens de pensamento, a quantos ainda acreditam no Brasil, às Universidades, às verdadeiras lideranças políticas e aos autênticos profissionais da Comunicação Social, profundas reflexões e uma clara tomada de consciência, imprescindíveis ao soerguimento de valores e princípios conformadores da Cidadania, livres de mistificações, de versões construídas de afogadilho ou à custa da perversão da verdade e do dever de lealdade à História.