Estudioso atento da história do jornalismo baiano, o jornalista, editor e professor Luis Guilherme Pontes Tavares, coordenador do Núcleo de Estudos da História dos Impressos na Bahia (Nehib), resolveu aceitar a tarefa de contribuir para suprir a lacuna apontada pelo colega Antonio Loureiro de Sousa, que chamara a atenção, no começo dos anos 70 do século passado, para a absoluta falta de trabalhos sobre os pioneiros da imprensa baiana. Fundada em 1811, com o lançamento do jornal Idade d’Ouro do Brazil, dirigido pelo português Manuel Antonio da Silva Serva, uma das mais antigas do país, a imprensa baiana está próxima de completar 200 anos.
A coletânea Apontamentos para a história da imprensa na Bahia, lançada numa parceria da Academia de Letras da Bahia com a Assembléia Legislativa do Estado da Bahia, organizada por Luis Guilherme, tem como principal mérito reunir artigos, escritos entre 1911 e 1986, de oito dos mais destacados jornalistas baianos, Aloysio de Carvalho, Aloysio de Carvalho Filho, Antonio Loureiro de Sousa, Antonio Vianna, Honestilio Coutinho, Jorge Calmon, Luiz Viana Filho e Octavio Mangabeira, dois deles ex-governadores, Octavio Mangabeira e Luiz Vianna Filho.
Centro de referência para o jornalismo brasileiro por ter sido a primeira capital do país e uma das cidades com imprensa mais influente ao longo dos tempos, ao contrário do que seria de se esperar, com a exceção de alguns trabalhos esparsos, raras são as obras sobre a história da imprensa baiana. O conjunto de artigos reunidos, antes publicados em revistas acadêmicas de circulação restrita ou em jornais de difícil acesso, permite que seja conhecida, pelos relatos pessoais de antigos jornalistas, detalhes preciosos sobre as características do jornalismo praticado na Bahia no século passado.
Linhas de pesquisa
Os textos reunidos por Luiz Guilherme, além de escritos em períodos muito distintos, alguns com uma diferença de mais de 60 anos, têm ao menos três tipos de formatos diferentes: 1) relatos de memórias, 2) resenha histórica e 3) discurso de saudação. A diversidade de formatos em nada prejudica a qualidade do livro, que apresenta um conjunto de testemunhos muito ricos, que devem agora ser submetidos ao crivo dos pesquisadores, para comprovar em futuros estudos detalhes que, nestes artigos, por enquanto, são pistas para pesquisas que ainda estão para ser feitas sobre as especificidades do desenvolvimento da imprensa brasileira e da baiana, em particular.
No caso baiano, em parte como decorrência de esforços do próprio Luis Guilherme, tivemos a publicação regular de obras como A comunicação social na Revolução dos Alfaiates, de Florisvaldo Mattos, em 1998, Cipriano Barata na Sentinela da Liberdade, de Marco Morel, em 2001, e A Bahia de Outr’ora, agora, de Angeluccia Habert, em 2002, todas publicadas pela Academia de Letras da Bahia/Assembléia Legislativa da Bahia. Além destes, outros trabalhos pioneiros são os Anais da Imprensa baiana, de Alfredo de Carvalho e João Nepomuceno Torres, de 1911, A primeira imprensa da Bahia e suas publicações (1811-1816), de Renato Berbert de Castro, de 1969, e O Diário da Bahia século XIX, da professora Kátia de Carvalho, 1979.
A escassa lista de obras, em que, salvo os casos do Diário da Bahia e da revista Artes e artistas, a maioria trata de publicações do século 19, contribui para melhor avaliar o significado da variedade de pistas existentes nos artigos desta coletânea para compreender o jornalismo praticado em periódicos de referência como Jornal de Notícias, Diário de Notícias, Jornal da Bahia e A Tarde, para citar somente os mais expressivos. Relatos testemunhais da natureza destes são essenciais para um tipo de pesquisa muito pouco praticada pelos historiadores do jornalismo brasileiro: a das mutações na estrutura das redações, no discurso jornalístico e no aparecimento de novos gêneros de narrativa.
A formação sistemática
No relato de Aloysio de Carvalho, por exemplo, de 1923, fica evidente que, nos anos 20, a figura do repórter estava perfeitamente incorporada às redações, tendo se transformado ‘na alma do jornal’ (p. 46). Aqui caberia uma pesquisa mais detalhada sobre um dos precursores da reportagem e na crônica social no jornalismo baiano, Alfredo Requião, do Jornal de Notícias. Um outro dado pitoresco revelado pelo texto de Aloysio de Carvalho: as dificuldades enfrentadas pelo Diário de Notícias para encontrar quem estivesse disposto a vender o jornal nas ruas em 1875, naquele tempo uma atividade mal vista entre a população de Salvador. Uma terceira pista que valeria a pena pesquisar melhor deste artigo de Carvalho: até os anos 30 do século 19 a entrevista era um gênero desconhecido nos jornais baianos: ‘Não se publicavam entrevistas. Entrevistas poderiam ser dadas e, com certeza, o eram; mas se viessem a público seria um Deus nos acuda.’ (p. 48).
Do conjunto dos artigos o último que faz uma resenha das publicações data de 1972, o de Antonio Loureiro de Sousa, então professor de História da Imprensa no curso de Jornalismo da Universidade Federal da Bahia, um dos mais antigos do país, criado em 1949. Uma leitura atenta destes textos demonstra que a imprensa baiana sempre manteve uma vinculação estreita com as correntes políticas, servindo de plataforma para conservadores ou liberais. Realidade que passados mais de 30 anos mantém muito de atualidade, com os jornais muito dependentes de um grupo político, como o Correio da Bahia, do senador Antonio Carlos Magalhães ou adotando posições em consonância com a conjuntura política como A Tarde, que mesmo mais estruturado como empresa, recentemente manteve postura sectária com o governo do estado, quando era comandado pelo jornalista Cruz Rios.
Para o leitor menos avisado, um dos artigos do livro – o discurso proferido pelo jornalista Jorge Calmon como paraninfo da turma de formandos em Jornalismo da Universidade Federal da Bahia em 1986 – talvez possa parecer fora de lugar na coletânea. Lego engano. Nele Calmon, ao enumerar as oito razões para a existência dos cursos de Jornalismo, do alto de uma experiência de 60 anos como redator-chefe de A Tarde, apresenta um rico testemunho sobre a evolução do jornalismo baiano desde a década de 30 até os anos 80 do século passado. Professor emérito da Universidade Federal da Bahia e um dos fundadores do curso de Jornalismo nos anos 40, Calmon, um jornalista formado nas redações, mesmo reconhecendo as deficiências dos cursos então existentes, sabia mais do que ninguém as vantagens de uma formação sistemática na universidade. Uma formação que será melhor quando conhecermos o passado da nossa imprensa. Neste sentido, a coletânea organizada por Luis Guilherme no Núcleo de Pesquisa do Centro Universitário FIB, sem dúvida, representa uma contribuição singular.
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Jornalista, escritor e professor da Universidade Federal da Bahia