Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Trinta anos de entrevistas de Oswald de Andrade

[do release da editora]

Os dentes do dragão, coletânea abrangente das entrevistas de Oswald de Andrade, compreende um vasto período que vai de 1924 a 1954, ou seja, da época subseqüente à Semana de 1922 até a morte do autor. Com organização a cargo de Maria Eugênia Boaventura, esta 2ª edição, além de revista, foi ampliada por pesquisas em várias instituições de grande relevância (como Biblioteca Nacional, Fundação Casa de Rui Barbosa, Arquivo Público de Minas Gerais, Arquivo Público do Estado de São Paulo, Biblioteca Municipal de São Paulo, arquivo de O Estado de S. Paulo, biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp e Centro de Documentação Alexandre Eulálio, também da Unicamp, onde se encontra o Fundo Oswald de Andrade). A edição conta ainda com extensa introdução da organizadora, além de índice onomástico, bibliografia e cronologia.

Naturalmente, como observa a introdução, ‘a divulgação das entrevistas de Oswald enriquece a bibliografia brasileira do movimento modernista’. Mas por um viés particular: pois além de desfazer (ou corroborar) muitas lendas sobre uma vida tão pródiga delas, aqui ‘o próprio escritor é porta-voz de seu envolvimento no cenário cultural brasileiro, e de suas inusitadas idéias sobre assuntos palpitantes da primeira metade do século 20’.

‘Intelectual corajoso’

A lista de eventos, personagens, idéias e acontecimentos, sejam pessoais ou históricos, nacionais ou internacionais (como as vanguardas européias), é extensa. Por exemplo, ‘o surgimento do movimento antropofágico (1928-1929), considerado por Oswald, de modo taxativo, numa declaração de época, como efeito imediato do seu embate com o grupo Verde Amarelo e da Anta, e não sugerido, como se propala, pelo famoso quadro Abaporu, de Tarsila do Amaral. […] Da parte dos jornalistas, as entrevistas revelam o interesse pela personalidade do autor de Miramar, e a disposição de empreender balanços do modernismo, sobretudo em datas comemorativas. […] Esta seleção principia em 1924 e incorpora a última entrevista realizada poucos dias antes do falecimento do poeta. Cobre trinta anos da sua trajetória intelectual, desde o período de apogeu […] até a fase de solidão, época em que os jornais mais importantes recusavam os seus artigos; ou melhor, o final das décadas de 1940 e início de 1950, no momento em que não tinha fãs e distribuía autógrafos somente `aos pregos e aos bancos´, como ele mesmo lembrava’.

Vale lembrar que, com a ‘modernização conservadora’ do período Vargas, e com a emergência da literatura regionalista, além da Geração de 45 (também temas das entrevistas), as conquistas de 22 saíram do mainstream da cultura brasileira para só retornar a partir da metade dos anos 1950, ou seja, tragicamente, nos anos imediatos à morte de Oswald, principalmente através da revisão empreendida pelo concretismo.

Em suma, nestas entrevistas ‘desvendam-se facetas desconhecidas desta personalidade e consolida-se a imagem do intelectual corajoso, que não gostava de posições `mornas´, pronto a manifestar sua opinião’. Além, naturalmente, de seu famoso (e corrosivo) humor.

Trecho

Falou que o título do seu livro é Poesia Pau Brasil… Sim. Chamei Pau Brasil à tendência mais vigorosamente esboçada nos últimos anos de aproveitar os elementos desprezados da poesia nacional. Há dois anos publiquei, sobre essa tendência, um manifesto. Persisto nas mesmas idéias. É a expressão que traduz, com toda propriedade, a poesia brasileira, inspirada nos motivos existentes em nosso país. O mesmo disse, faz poucos dias, em uma entrevista a O Jornal, do Rio. […] E essa poesia já está sendo brilhantemente cultivada por Mário de Andrade, Guilherme de Almeida e Menotti Del Picchia, para não citar outros nomes existentes fora da capital do meu Estado. Todo o meu esforço tem sido para a construção da poesia Pau Brasil, como todo o esforço da grande artista Tarsila do Amaral tem sido para a formação da pintura brasileira. Não devemos perder tempo, que à nossa geração pertence o preparar o alicerce dessa obra, que outra, sem dúvida, terminará. O nosso cérebro necessita de tudo quanto possa constituir a nossa realidade mental.

O autor

Oswald de Andrade (SP, 1890-1954), como tantos outros literatos da época, formou-se em Direito pela Faculdade do Largo de São Francisco. E, como tantos outros integrantes da elite nacional, fez diversas viagens à Europa. Mas, à diferença de seus pares, interessou-se ali não pela complementação de sua carreira acadêmica, mas pelas vanguardas artísticas, até se tornar um dos principais nomes da Semana de Arte Moderna de 1922, ao lado de Mário de Andrade.

Sua contribuição mais reconhecida para a literatura brasileira deu-se na poesia (além, naturalmente, do campo das idéias), em que levou ao limite certos procedimentos modernistas, como o coloquialismo, a brevidade e a ironia, em obras como Poesia Pau-Brasil e Primeiro caderno de poesia do aluno Oswald de Andrade. Mas se sua obra poética foi redescoberta nos anos 50, igual não se deu, na mesma intensidade, com sua prosa e seu teatro (ou com seu jornalismo cultural), de que se pode dizer, porém, o mesmo que de sua poesia, em obras como (respectivamente) Memórias sentimentais de João Miramar e Serafim Ponte Grande, O rei da vela e A morta.

Publicou ainda vários volumes de crítica, como Ponta de lança, e o livro de memórias Sob as ordens de mamãe, entre outros. Figura atuante, apesar do voluntarismo tipicamente vanguardista, também na política, editou com Patrícia Galvão, a famosa Pagu, o jornal O homem do povo, em que defendiam a luta operária. Foi filiado ao Partido Comunista Brasileiro. Oswald de Andrade morreu em São Paulo, em 1954. A Editora Globo publica a íntegra de sua obra.