A jornalista Joëlle Rouchou lança um novo olhar sobre o polêmico jornalista Samuel Wainer com o livro produzido a partir de sua dissertação de mestrado ‘Samuel. Duas vozes de Wainer’, defendida oito anos atrás na Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (ECO-UFRJ).
Professora da Escola de Jornalismo da UniverCidade desde 1987, Joëlle trabalhou no Jornal do Brasil (1978-1985) e na Veja (1985-1987). Foi assessora de imprensa da Casa de Rui Barbosa (1988-2000), passou a dedicar-se à pesquisa e obteve seu doutorado em Comunicação e Cultura com a tese ‘Noites de verão com cheiro de jasmim: memórias de judeus do Egito no Rio de Janeiro (1956-1957)’, na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA-USP). Atualmente é diretora editorial da Intercom e editora da Revista Brasileira das Ciências da Comunicação. Nesta entrevista ao OI, Joëlle fala de seu livro sobre Wainer.
***
O que a fez publicar o livro? O que seu trabalho traz de novo sobre Samuel Wainer?
Joëlle Rouchou – O livro é minha dissertação de mestrado, defendida na ECO/UFRJ, em 1996. Trata-se de uma análise das memórias de Samuel, em cima do material bruto que são as fitas que ele deixou gravadas para, um dia, escrever a autobiografia. Não deu tempo, ele morreu antes. A família transcreveu as 53 fitas que resultaram em 1.300 laudas. Foi com esse material que trabalhei. Foram dessas laudas que Augusto Nunes, editando o material, publicou Minha razão de viver (Editora Record, 282 pp).
O livro é uma análise de como Samuel Wainer se via como jornalista e como judeu. Eu tinha uma intuição de que a identidade judaica – e não propriamente a religião judaica – poderia ser uma chave para entender Samuel. Esse olhar pode ser uma contribuição para entender questões judaicas, de imigração e até mesmo a escolha da profissão de jornalista desse imigrante..
As transcrições originais têm algo de muito importante que não consta de Minha razão de viver?
J.R. – A transcrição foi a matéria-prima do trabalho. Recortei várias categorias: o repórter, político, brasileiro, judeu, editor, redator, até concentrar em dois eixos principais: o jornalista e o judeu. Toda a questão judaica não foi analisada no livro do Augusto Nunes, porque não era essa a proposta. O meu livro tem entrevistas com Alberto Dines, com Moacir Werneck de Castro; entrevistei uma irmã e um irmão do Samuel, a filha Pinky, e esses depoimentos trazem novas luzes sobre Samuel. Um das coisas que me chamaram atenção foi a cobertura de Wainer para o Tribunal de Nuremberg: ele declara ser o único jornalista brasileiro cobrindo o Tribunal. E percebi que ele também era um judeu assistindo a essa condenação dos carrascos. Nesse momento, o silêncio, a falta de comentário, a ausência do ódio, me indicaram que a identidade judaica aparecia dessa vez não verbalizada pelo não-dito, pelo silenciado. Qualquer jornalista ao cobrir o evento, ou qualquer pessoa não necessariamente judia ao contar o julgamento, deixaria escapar um adjetivo denotando o absurdo do genocídio, você não acha? Pois ele silencia, fica numa isenção sem propósito. Além de estar sempre lembrando que ele é o judeuzinho do [bairro paulistano do] Bom Retiro….
Quem foi mais completo? O Wainer repórter ou o publisher?
J.R. – Ele era um grande repórter sempre mirando a edição de suas matérias da forma mais atraente e sedutora. Ele tanto conhecia as estratégias para conseguir as melhores informações como colocá-las lindamente nas páginas. Tanto ganhava espaço para as matérias dele quanto para os textos dos outros repórteres, além de abrir as fotografias que ilustraram suas publicações.
Qual a melhor lição que um jovem jornalista deve tirar de Samuel Wainer?
J.R. – Pelo material, Samuel Wainer parece um exemplo da força, disciplina e da vontade de vencer. Os estudantes de jornalismo podem ter certeza, entrando em contato com a história de SW, que é possível ter um bom texto trabalhando nele com afinco. O próprio Samuel não se considerava um bom redator. E foi à luta, brigando com as ‘pretinhas’ para que elas se transformassem em parceiras e que, assim, pudesse escrever melhor. Essa vontade de fazer sempre melhor, escrever melhor, é uma grande lição. Sabemos que escrever bem é uma questão de prática, de leitura árdua e atenta, de reescrita, de humildade na análise de um texto.
E a pior?
J.R. – Acho que ele se atrapalhou em diversos momentos da vida. Talvez tenha sido inábil como empresário e suas tentativas como político tenham sido um pouco gauche.