WikiMediaLeaks. O livro de Martín Becerra e Sebastián Lacunza preenche um espaço que a mídia – e o próprio jornalismo investigativo –, pelos vínculos e limites das empresas com anunciantes, fontes, acionistas, governos e poderes políticos e econômicos, limita em relação à autonomia profissional. Ou, então, não permite liberdade de aprofundamento.
Um WikiLeaks para a mídia, é assim que se pode resumir a transparência proposta pela obra dos dois autores argentinos, publicada agora em 2012 em Buenos Aires pela editora Ediciones B, com 295 páginas. O livro, com o subtítulo de “La relación entre medios e gobiernos de América Latina bajo el prisma de los cables de WikiLeaks”, expõe o interesse público obscurecido por parte da grande mídia, que teria fartas pautas a partir dos 250 mil informações trocadas entre o Departamento de Estado norte-americano e suas embaixadas em todo o planeta. Dentre elas, estão 32 mil informes diplomáticos originados em cidades latino-americanas, especialmente no período de 2004 a 2009.
As relações entre embaixadas e jornalistas; entre embaixadas e governos; entre governos e jornalistas ficam mais transparentes e ajudam a entender que a liberdade de imprensa, uma “cláusula pétrea” defendida pelos empresários da área, pode se desmanchar rapidamente como um gelo, que não resiste ao caloroso assédio das influências particulares. Mas o livro também mostra que, apesar de empresas reagirem contra governos que não se rendem a suas ameaças ou negócios privados, também as embaixadas, em várias ocasiões, como no caso argentino, implicitamente deram razão aos governos… e não à mídia.
Interesses em jogo
Um fator chama especialmente a atenção. Na era dos conglomerados midiáticos, da convergência tecnológica, do jornalismo virtual, das redes sociais e do jornalismo “colaborativo”, a organização capitaneada por Julian Assange preferiu, no primeiro momento, liberar as informações para cinco grandes referências do jornalismo impresso, apesar das edições online: os jornais The Guardian, do Reino Unido; El País, da Espanha; The New York Times, dos Estados Unidos; Le Monde, da França; e a revista Der Spiegel, da Alemanha. São periódicos alinhados com uma perspectiva liberal ou centro-esquerda moderada, conforme reafirmam os autores.
Mas também tal perspectiva, que de um lado parece atestar que o vazamento de informações por si só não é jornalismo, disposto por uma entidade ou indivíduo, por outro continua dando relevância aos critérios jornalísticos de reconhecimento da relevância de acontecimentos e de sua apuração e verificação e posterior narração. Por isso, cinco emblemas do jornalismo tradicional, com seu poder de credibilidade, de convencimento e de repercussão foram escolhidos. Ou seja, parece que ainda o velho jornalismo – quando bom jornalismo –, como referência comum que suscita comentários e os reparte em escala ampliada, baseado na legitimidade social que adquiriu, continua valendo para o exercício da profissão e como esperança de que grandes temas de interesse público continuem na agenda social cotidiana.
O livro de Becerra, professor e pesquisador na Universidade Nacional de Quilmes e na Universidade de Buenos Aires; e de Lacunza, jornalista no Ámbito Financiero da capital portenha, ajuda sobremaneira a acender a luz que veículos jornalísticos brasileiros reclamam. E também a entender por que as luzes se apagam muitas vezes quando diversos interesses midiáticos estão em jogo, trazendo um painel sobre dez países latino-americanos, entre eles o México, a Argentina, a Venezuela e o Brasil.
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[Francisco José Castilhos Karam é pesquisador do objETHOS e professor na Universidade Federal de Santa Catarina]