A universidade brasileira produz uma literatura rarefeita sobre jornalismo. Costuma perder-se em minúcias, em teses absolutamente descartáveis sobre aspectos pueris do fazer comunicação.
A boa notícia é que existem profissionais dispostos a correr por fora e produzir conhecimento sobre o jornalismo.
É o caso de Oscar Pilagallo, que dedicou anos à pesquisa resultante nesta história do jornalismo paulista, cosida completamente à margem da academia.
Ele produziu uma obra de fôlego, bem escrita, concisa. Vem composta por incontáveis leituras, entrevistas e documentação. É a História da Imprensa Paulista, publicada por Três Estrelas, novo selo editorial do Grupo Folha.
Nasce clássica e preenche lacunas que a “História da Imprensa no Brasil”, de Nelson Werneck Sodré, não conseguia suprir em relação ao papel da imprensa paulista no cenário nacional.
No fundo, é a história de uma imprensa que começou atrasada no tempo e na tecnologia, ganhou espaço e protagonismo, mas ainda não se encontrou integralmente do ponto de vista da convergência tecnológica. Não é demérito só dela, mas da maioria dos jornais mundo afora, que ainda busca se situar em relação aos desafios da comunicação em rede.
Divisão esclarecedora
O primeiro jornal da então província, O Paulista, estreou em 1823. Ou seja, 15 anos depois do primeiro jornal impresso no Brasil, no Rio e, pior, em vez de usar os tipos móveis inventados havia quase 400 anos por Gutenberg, surgiu caligrafado por amanuenses – mesmo com tipografias em quase todas as províncias do império.
Pilagallo mostra como a grande imprensa paulistana, ou a dita imprensa burguesa, ganha relevância e então centraliza a produção jornalística de reconhecida qualidade editorial, em grande medida e por muito tempo lastreada no Rio, em especial nos anos dourados do Jornal do Brasil (anos 1950 e 1960).
A maioria das atitudes e movimentações políticas relatadas sobre a imprensa paulista provém da leitura dos editoriais, revisitados com acuidade pelo autor ao traçar uma linha do tempo que reflete um processo mais conservador do que liberal.
Há exceções, conhecidas, como O Estado de S. Paulo contra a censura (anos 1970) ou a Folha a partir dos anos 1980 (Diretas Já).
É esclarecedora a divisão dos capítulos, que se amalgamam à ordem cronológica. Se de 1823 a 1889 há “Pioneiros, Panfletários e Cabriões” – os importunadores, atividade que o jornalismo paulista sempre cultivou no varejo –, de 1889 a 1930 perfila “A República Empastelada”.
De 1930 a 1945, a “Resistência e Cooptação sob Vargas”. De 1945 a 1964, a “Conspiração Contra o Perigo Escarlate” – o perigo comunista, cuja bandeira é de cor vermelha muito viva. De 1964 a 1984 se exibem os anos do “Jornalismo Possível na Ditadura”.
De 1984 a 1992, o autor vê “O Protagonismo das Redações”. Finalmente, de 1992 até 2010, a imprensa paulista está “Entre a Convergência e a Polarização”.
Cadernos culturais
O uso do cachimbo costuma entortar a boca. Talvez por ter trabalhado tanto tempo na Folha, jornal no qual se formou, foi um dos editores e do qual foi correspondente na Inglaterra, há Folha demais e O Estado de S. Paulo de menos, como há Diários Associados de menos.
Justiça seja feita, Pilagallo não foge do delicado assunto que liga a Folha da Tarde à ditadura militar. Também não quero bancar o cri-cri ao apontar errinhos menores, mas Pilagallo peca ao considerar que o “Suplemento Literário” de O Estado de S. Paulo “serviria de modelo aos congêneres surgidos na grande imprensa brasileira”.
Apesar da extraordinária qualidade crítico-literária do caderno cultural paulistano, o modelo foi o “Suplemento Dominical” do Jornal do Brasil, do Rio, criado por Reynaldo Jardim no mesmo ano do paulista projetado por Antonio Candido: 1956.
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[Caio Túlio Costa é jornalista, professor na ESPM e sócio da MVL Comunicação]