Wednesday, 27 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um mestre e companheiro de classe

Nenhum veículo de comunicação, em toda a história da humanidade, teve a força que tem a televisão.

De fundamental importância para o povo, no Brasil, ela alcança o nosso imenso território e é vista por mais de 170 milhões de brasileiros. Representa, portanto, um imenso espaço dentro de nosso imaginário e de nossa vida.

Uma criança brasileira, por exemplo, assiste a mais de seis ou sete horas de televisão por dia, tempo superior ao que ela passa na escola, junto com amigos ou com a família. Como será o futuro dessa criança num Brasil do terceiro mundo?

Na verdade, para a maioria do povo brasileiro, a televisão representa diversão. Um eletrodoméstico que se tem dentro de casa apenas como forma de passatempo. Pouca gente a utiliza para se informar. É de graça. Ou não é?

Para se ter uma idéia do significado da televisão para a vida brasileira, basta dizer que ela chegou a modificar a arquitetura das casas do nosso interior, em que, tradicionalmente, o lugar mais usado era a cozinha. Ali, à beira do fogão à lenha, a família se reunia e conversava. A sala da frente dessas casas, pequena e sempre bem-arrumada, era reservada para receber visitas importantes: o padre, o prefeito, o juiz ou o candidato nas épocas da campanha eleitoral, a quem se servia um licor, usando as melhores roupas e tirando de circulação crianças e cachorros.

O advento da televisão mudou tudo isso. Como assistir na cozinha à palavra do papa, à Missa do Galo, ver a rainha da Inglaterra ou o presidente do Brasil?

A TV precisava ir para a sala, sempre adornada com um paninho rendado. A sala, contudo, era pequena – onde acomodar os televizinhos? Toda a família? Visitas que poderiam chegar a qualquer hora?

A arquitetura foi-se adaptando aos poucos. O tamanho das cozinhas diminuiu e o da sala da frente foi aumentando. A TV permanecia ligada mais de oito horas por dia, entrando madrugada adentro. Os pequenos cinemas começaram a fechar. Os namorados já não freqüentavam mais as pracinhas românticas, cujos coretos ficaram vazios.

Campanha bem-feita

A televisão mudou a vida da maior parte do povo brasileiro; na verdade, passou a dominar o imaginário da população.

Para pessoas mais pobres e menos instruídas, gente do interior ou das capitais que não sabe ler nem escrever, mas sabe ligar um aparelho de TV, essa poderosa máquina representa o personagem mais importante da casa e da família.

Neste momento, minha televisão está ligada, e vejo ao vivo Ronaldinho Gaúcho, na Espanha, driblando quase todo o time adversário e fazendo um gol de placa. Sem dúvida, um momento inesquecível. Amanhã, todos os jornais falarão sobre esse golaço; só não mostrarão como foi a incrível jogada. Lembro-me de quando o homem foi à Lua pela primeira vez, com transmissão ao vivo. Uma cena absolutamente emocionante. Qual seria a reação à leitura dessa notícia, mesmo que na primeira página, num jornal impresso? O jornalista Alberto Dines, que era, nessa época, o editor do Jornal do Brasil e meu vizinho, telefonou-me para comentar o fato e me perguntou:

– Como eu faço amanhã no jornal? A televisão acaba de mostrar tudo, ao vivo.

Essa é a força da televisão. Para os segmentos sociais mais pobres, com alto índice de analfabetos ou semi-analfabetos e que representam mais de 80% da audiência, a TV sabe e pode tudo. Mostra, ao vivo, o nosso presidente operário numa carruagem ao lado da rainha da Inglaterra, está nos campos de futebol e nas pistas automobilísticas, registra momento a momento a guerra nas favelas e nas ruas do Oriente Médio; suas câmeras instalam-se nas naves espaciais e mergulham no corpo humano. A televisão vai além: trabalhando com a emoção, faz o espectador rir e chorar num mesmo capítulo de novela; sua força lhe permite criar e derrubar um político em pouco tempo, inventar um Big Brother, tornar famosa uma pessoa, da noite para o dia.

Na verdade, essa máquina é a voz da verdade. Um semideus. Poderia, no entanto, no Brasil, ser muito mais; poderia elevar o nível cultural do país. Esse deveria ser seu verdadeiro e grande destino. Não existe força, progresso, sem conhecimento.

Nunca podemos esquecer que um canal de televisão é uma concessão pública renovável. Em outras palavras: esse canal pertence ao povo.

Daí a importância das famílias – Marinho, Santos, Saad, Rodrigues – que são ‘donas’ das redes de televisão saberem colocar o interesse público acima do comercial.

Esse veículo tão poderoso não se pode limitar a ser apenas um supermercado colorido vendendo mercadorias.

Os anunciantes conhecem a força da televisão; nosso governo só respeita a força política da televisão – para o governo e os políticos, porém, a TV resume-se ao Jornal Nacional.

Entretanto, ela pode muito mais. Acabou, por exemplo, com a paralisia infantil no Brasil em pouco tempo, bastando veicular a imagem da gotinha numa campanha bem-feita. Hoje não vemos nenhuma criança com paralisia. Essa é a força da TV.

Progresso e civilização

Uma vez eu vi, nos Estados Unidos, uma rede nacional transmitindo, em horário nobre, um desenho que contava em capítulos de cinco minutos a história norte-americana para crianças. Pareceu-me uma forma inteligente de buscar maior identificação do povo com seu país. Estrategicamente, encaixados entre dois programas de grande público, os capítulos alcançavam audiência elevada. Essa programação, que eu chamava de equilibrada – ou seja, um programa que soma e acrescenta, entre dois programas de audiência –, é um caminho para todas as televisões. Imagine dois meros minutos sobre medicina preventiva antes do Jornal Nacional. Acredito que em pouco tempo acabariam as imensas e deprimentes filas nos hospitais.

Esses programas são perfeitamente possíveis se lembrarmos que o governo federal tem dez minutos, por dia, em cada emissora, o que basta para fazer da TV um forte instrumento de educação. E todos nós sabemos que uma nação só se constrói por meio da educação, do conhecimento. Basta pensar no Primeiro Mundo. Todos sabem que a educação caminha lado a lado com a economia de uma nação. É importante compreender e aceitar o papel histórico que a televisão poderá ter no Brasil.

Pode existir vida inteligente na televisão – basta o dono da emissora de TV colocar acima do interesse comercial o interesse público. Que a televisão não seja apenas progresso, seja também civilização.

Costumo ilustrar a idéia que marca a diferença entre progresso e civilização com a concorrência ao Oscar dos filmes ET, de Spielberg, e Gandhi, ambos na condição de favoritos. Ganhou o que conta a história de Gandhi e a independência pacífica da Índia. ET é progresso, tecnologia. Gandhi é civilização.

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Texto da orelha

Roberto D’Ávila (*)

Certa vez perguntei ao Marcelo Matroianni qual era a diferença entre ser dirigido por Federico Fellini e por Luchino Visconti. Sagazmente, Matroianni me disse: ‘O Fellini é o companheiro de classe e o Visconti é o professor.’

Fernando Barbosa Lima, além de ter sido o meu grande mestre, sempre foi também o meu companheiro de classe.

Entre as diversas qualidades da sua multiforme personalidade, a que mais me agrada é que ele, como toda pessoa inteligente, não se leva a sério.

Os quinze anos em que trabalhamos juntos não foram apenas os melhores que vivi como profissional; foram também os mais divertidos.

Fernando – como Marc Chagall, quando lhe perguntaram como ele se definia – é ‘uma criança de uma certa idade’. Adora cachorros, carros e mulheres – nem sempre nesta ordem – e num papo de botequim é imbatível, capaz de inventar as histórias mais inusitadas só para agradar um amigo ou para falar mal do outro. Mas, com o mesmo espírito carioca de levar a vida, sempre teve coragem moral, certamente herdada do pai, Barbosa Lima Sobrinho, para dizer um não rotundo à ditadura e aos poderosos de plantão.

Preparado, extremamente rápido, criativo e muito educado, Fernando conheceu o sucesso e a notabilidade como diretor de televisão ainda muito jovem. Trabalhou com os maiores nomes da nossa cultura e é o jornalista mais criativo da história da televisão brasileira.

À procura da beleza

Nestes meus trinta anos entrevistando personagens no Brasil e pelo mundo afora, aprendi que existem personalidades que criaram belas obras, mas que como pessoas são medíocres.

Fernando, ao contrário, é a síntese do grande criativo, construiu uma excelente obra e é um ser humano de primeira. Amigo de seus amigos, vive e trabalha com o fascinante desprendimento de quem ama o que faz.

Lendo este livro você não vai conhecer apenas história s sobre a nossa televisão, vai descobrir um ser humano apaixonado pela vida, um poeta do cotidiano. Ele e o seu querido amigo e grande companheiro que foi Carlos A Lofller.

Uma dupla que, além de conhecer grandes programas de televisão, sempre olhou para o céu à procura da beleza e da felicidade.

(*) Jornalista

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Jornalista