Um museu vivo da literatura é o que se pode encontrar no Acervo de Escritores Mineiros, do Centro de Estudos Literários da Faculdade de Letras da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte. Ouro em pó para pesquisadores e leitores, que podem, inclusive, conhecer a face reconstituída do local de trabalho dos escritores, além de suas preciosas bibliotecas, correspondências, quadros, fotos, e toda a sua obra. A visita tanto pode ser real como virtual.
Esse trabalho singular começou a ser montado em 1989, quando foi doado à Faculdade de Letras da UFMG o acervo da escritora e poeta Henriqueta Lisboa. Para recebê-lo, a Faculdade criou um órgão interdepartamental, o Centro de Estudos Literários, tendo como um de seus objetivos acolher arquivos literários, promover a sua classificação, conservação, e disponibilizá-los para pesquisas.
Em agosto de 1989, ao ser realizada a Semana Henriqueta Lisboa, a família fez a doação formal dos fundos documentais da poetisa mineira à Universidade. A partir daí, foram chegando novos acervos de escritores: Murilo Rubião, Oswaldo França Júnior, Abgar Renault e Cyro dos Anjos. E também algumas coleções doadas por intelectuais e órgãos públicos: do crítico e historiador Alexandre Eulálio; do poeta e professor Valmiki Vilela Guimarães; cartas da escritora portuguesa Ana Hatherly a intelectuais mineiros; da fotógrafa norte-americana Genevieve Naylor; do poeta, jornalista e professor José Oswaldo Araújo; do escritor modernista Aníbal Machado.
Pesquisa com fontes primárias
As ‘Coleções Especiais’ são formadas por conjuntos de documentos parciais dos titulares, como cartas, fotografias, manuscritos, autógrafos e livros.
O Projeto Integrado de Pesquisa Acervo de Escritores Mineiros é coordenado por Wander Melo Miranda, professor titular de Teoria da Literatura, também diretor da editora da UFMG. O sub-coordenador é Reinaldo Marques, professor adjunto de Teoria da Literatura, Literatura Brasileira e Literatura Comparada nos cursos de Graduação e Pós-Graduação da Faculdade de Letras da Universidade.
Ele conta que, na época, como a Faculdade de Letras não dispunha de espaço para acolher os acervos, estes foram alocados na Biblioteca Universitária, que se tornou uma parceira importante para o desenvolvimento das atividades do Acervo de Escritores Mineiros: ‘Depois de ficarem por uns tempos em algumas salas, em 2003 foi construído, no terceiro andar da Biblioteca Universitária, um espaço apropriado para acolher os acervos dos escritores, com verba concedida pelo Fundo Finep-Infra. Nesse novo espaço, os acervos receberam um tratamento museográfico e cenográfico. Tratamento mais adequado, visto que um arquivo literário é uma mescla de arquivo, biblioteca e museu.’
Todos os arquivos foram doados pelas famílias. Portanto, não se trata de compra ou de cessão por comodato. No caso da doação do acervo de Henriqueta Lisboa, conta o professor Marques, sua sobrinha e responsável pelo espólio da escritora, Abigail de Oliveira Carvalho, era professora da UFMG e conhecia colegas e pesquisadores da Faculdade de Letras. Ele explica: ‘Certa vez, Silviano Santiago sugeriu a ela a doação do acervo de Henriqueta à UFMG, como forma de estimular, na universidade, a pesquisa com fontes primárias da literatura.’
Teses oswaldianas
A partir do trabalho dos pesquisadores envolvidos com o projeto, com o apoio das agências de fomento à pesquisa e com a publicação de estudos sobre os autores, o espaço foi ganhando visibilidade tanto na Universidade quanto na mídia e na sociedade em geral, o que despertou o interesse das famílias dos escritores em doar seus acervos à UFMG. Existe também uma política de captação desses acervos, o que leva ao estreitamento do diálogo e das relações com os escritores e suas famílias, com parcerias de publicações e pesquisas.
Após a inauguração do novo espaço, em fins de 2003, chegaram mais alguns acervos de escritores. Os de Wander Piroli (1931-2006), contista consagrado, jornalista, foi editor do Suplemento Literário de Minas Gerais, e de Octavio Dias Leite (poeta e jornalista, correspondeu-se com Mario de Andrade entre 1935 e 1944) foram doados em dezembro de 2006.
Nos últimos meses, começaram a chegar os acervos de José Maria Cançado (1954-2006), autor de diversos livros, dentre os quais Os sapatos de Orfeu (única biografia publicada de Carlos Drummond de Andrade), e do escritor e jornalista Fernando Sabino (1923-2004). Deste último, já chegou parte de sua biblioteca.
Também foi doada a coleção Achilles Vivacqua (1900-1942), escritor capixaba que se radicou em Belo Horizonte, onde sua casa ficou conhecida como Salão Vivacqua, freqüentado por Carlos Drummond de Andrade, Pedro Nava, Abgar Renault e outros. Adepto da Antropofagia, Vivacqua difundiu as teses oswaldianas em revistas e jornais brasileiros.
Realismo fantástico
O Arquivo também deu origem à coleção Encontros com Escritores Mineiros, em associação com a Faculdade de Letras da UFMG, sistematizando o perfil de certa parcela da produção literária brasileira. Cada volume contém o relato da vida e da experiência intelectual dos autores, o comentário crítico – com matérias de jornais, revistas e suplementos literários de diferentes épocas – das obras publicadas, além de rico material iconográfico. Pela ordem, a coleção já lançou: Affonso Ávila, Autran Dourado, Abgar Renault, Darcy Ribeiro, Laís Corrêa de Araújo e Rui Mourão.
O Acervo de Escritores Mineiros organizou mini-sites de todos os escritores. Cada um deles disponibiliza, além das listagens dos inventários, biografia enriquecida com imagens, fotografias e trechos da obra dos escritores, bibliografia com referências de teses, monografias, livros e artigos sobre os titulares. A bibliografia conta também com a lista das principais publicações de cada autor, e muitas delas com as primeiras edições.
Entre os destaques do acervo da poeta Henriqueta Lisboa (1901-1985), está a série Correspondência Pessoal, que inclui diversas cartas de Mário de Andrade, da escritora chilena Gabriela Mistral e de João Guimarães Rosa. Já a série Quadros inclui dois trabalhos de Cândido Portinari: O Galo, de 1945, e O menino, do mesmo ano. Na série Coleção Bibliográfica podem ser encontrados vários títulos importantes da literatura brasileira e estrangeira e muitos são primeiras edições autografadas pelos seus autores. Entre eles, Remate de Males, de Mário de Andrade, na edição de 1930, um dos mais antigos da coleção; A Rosa do Povo, de Drummond, edição de 1945, e Tempo espanhol, de Murilo Mendes, edição de 1959.
Murilo Rubião (1916-1991) foi um dos precursores do realismo fantástico na literatura nacional e criou e coordenou, durante três anos, o Suplemento Literário de Minas Gerais, publicação recheada com o melhor da literatura e das artes plásticas de Minas Gerais e do Brasil. Lá colaboraram Drummond, Lispector, Guimarães Rosa e Murilo Mendes. O Suplemento revelou também os novos nomes de Humberto Werneck, Ivan Ângelo, Luís Vilela, Roberto Drummond, Oswaldo França Júnior.
Documentos aos milhares
De seu acervo consta correspondência com Mário de Andrade, Otto Lara Resende, Paulo Mendes Campos e Fernando Sabino. Há ainda contos, entrevistas e o Suplemento Literário de Minas Gerais. O acervo de Cyro dos Anjos (1906-1994), considerado o romancista mais sutil e poético da geração de 30 – autor, entre outros, de O amanuense Belmiro –, tem 2.117 títulos e 2.623 documentos. Na série Coleção Bibliográfica há vários títulos importantes, entre eles o mais antigo livro da coleção, A infanta capellista, de Camilo Castelo Branco, edição de 1872.
O acervo do destacado educador, político, poeta e professor Abgar Renault (1901-1995), que foi membro da Academia Brasileira de Letras, conta com uma coleção bibliográfica com 7.900 títulos, correspondência, com 598 documentos e iconografia, com 585 documentos.
Da geração mais recente, o acervo de Oswaldo França Junior (1936-1989) conta com aproximadamente 3.100 documentos manuscritos e datilografados (correspondência, fotografias, originais, mobiliário, objetos de coleções, etc.). Seu livro mais famoso é Jorge, um brasileiro, transformado em série de TV.
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Jornalista, agência BrasilQueLê