Friday, 27 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Um Nobel no fim do túnel?

Argentina cinco a zero no Brasil. Esse desastre não é um placar de futebol, a profunda paixão da cultura brasileira. É a contabilidade de prêmios Nobel já conquistados pelos nossos vizinhos. Portugal, que nosso populacho costuma difamar como ‘terra de burros’, tem dois deles e até o retrógrado Paquistão conquistou o seu, com o físico Abdus Salam.


A aversão ao conhecimento científico parece ser um traço importante da chamada ‘cultura brasileira’, no sentido antropológico do termo, como o conjunto de hábitos, costumes e resultados cristalizados da formação histórica do país. É quase impossível a quem está imerso numa cultura nacional perceber todos os seus traços. Por isso, como caminho, os antropólogos fazem esse estudo comparativamente com outras culturas.


Assim, Guo Qiang Hai, 48, físico chinês que desde 2003 é professor da USP, em entrevista ao jornalista Ricardo Mioto, da Folha de S.Paulo, pode comparar, por vivência própria, essas diferenças culturais que parecem ser, sem trocadilhos, diametralmente opostas. ‘Na China, a escola é em tempo integral. (…) Além de o professor chinês ganhar bem, os alunos respeitam. Aqui não é bem assim. Na TV, parece que só se admira quem participou do Big Brother, tem dinheiro ou é modelo.’


É claro que o problema não é exclusivamente brasileiro. Há quase 50 anos, o inglês Charles Percy Snow lançou um alerta que vale até hoje no seu clássico livro Duas Culturas, onde discorre sobre a cisão da cultura letrada e as ciências. C.P. Snow, como é mais conhecido, advertiu para o fato dos humanistas serem praticamente analfabetos nos conceitos mais rudimentares da ciência e os cientistas não se importarem com dimensões psicológicas, sociais e éticas dos problemas científicos.


Não se considera uma alternativa de carreira


Esse é um debate que muitos pensadores discretamente varrem para em baixo do tapete, talvez por um complexo de inferioridade. Mas na última reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), em julho, o tema aflorou quando o ganhador do Prêmio José Reis de divulgação de ciências, o neurocientista Roberto Lent, um dos fundadores da revista Ciência Hoje, da SBPC, afirmou: ‘A ciência ainda não faz parte da cultura do Brasil.’ E explica: ‘A sociedade, de modo geral, separa fortemente a sabedoria letrada da ciência’, diz. Até mesmo nos detalhes mais irrisórios. ‘Se você pegar os editais dos Ministérios da Cultura e da Educação, que lançam os livros para as escolas públicas, raramente as obras científicas e sua divulgação estão contempladas. É mais fácil encontrar na escola Machado de Assis e Dante Alighieri do que Darwin ou Newton. Simplesmente não se compram esses livros’, lamenta Lent.


Laymert Garcia dos Santos, professor da Unicamp em Sociologia da Tecnologia, discorda da afirmação de Lent sobre a ciência não participar do dia-a-dia da cultura nacional. ‘O que falta é ela sair da universidade e ter alcance social maior’, argumenta. ‘Somos um país de colonizados, então achamos que o que vem de fora é sempre melhor. Fazemos ciência, mas o problema é que não tem a migração para o setor produtivo. Tal afirmação faz supor que a cabeça do brasileiro é atrasada com relação a isso. Na minha área, de mídia, os brasileiros são reconhecidamente bons’, pontua Laymert.


‘Acentuada pelo mito da ciência ser uma coisa inatingível, essa separação proclamada por C.P. Snow é mais grave no Brasil’, reafirma Lent. Aqui, diz o ele, o cientista é visto como um cara genial, excêntrico, mais velho e barbudo. ‘A população cultiva a ideia de que isso não é o que se possa desejar para um filho, restrito, portanto, para os geniais. O resultado é que não se considera a ciência como alternativa de carreira para as crianças. Você pode ser artista de televisão e jogador de futebol, que são valorizados socialmente, mas cientista, sabe-se lá’, reflete o neurocientista.


‘Só na década de 50 começamos a moldar o futuro’


É um preconceito disseminado. ‘Quando digo que sou física, dizem: `Mas que horror, isso é coisa de bruxa´, desabafa Belita Koiler, física da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), ganhadora do Prêmio Unesco/L´Oréal para Mulheres na Ciência, em 2005, e da Ordem Nacional do Mérito Científico, do Ministério da Ciência e Tecnologia e da Presidência da República em 2006. ‘Nunca entendi nada dessa matéria, detesto’ é o que Belita volta e meia tem de escutar fora da universidade.


Roberto Lent acha que uma das razões desse desconhecimento está na formação histórica do país que vem desde a época colonial. ‘Tivemos um predomínio cultural daquele academicismo lusitano, onde o que vale mais é a literatura, as letras. Na classe média, o que aparecia valorizado era a cultura formalista. E a influência francesa posterior também acentuou essa tendência. As elites só mudam nas preferências quando os EUA, Alemanha e Inglaterra passam a disputar a liderança científica’, explica.


Continua Lent. ‘Vivemos agora um paradoxo, já que temos uma produção científica que é a 13ª do mundo, mas o desempenho dos alunos brasileiros em ciências é o último entre os países não africanos.’ O risco que se corre, diz, é o de ‘ter um desenvolvimento científico que não seja sustentável. Defendo, portanto, uma agressividade maior em ações de divulgação científica’.


O problema começa pela base primária. Em 1900, 65,3% dos brasileiros que tinham 15 anos ou mais não sabiam ler e nem escrever. Segundo o IBGE, em 2007 a taxa caiu para 12%, apesar do fato de que quem escreve o nome nem sempre entende direito o que lê.


O matemático Jacob Palis, 70 anos, presidente da Academia Brasileira de Ciências e da Academia de Ciências dos Países em Desenvolvimento (TWAS), é mais otimista. Reconhecido em nível internacional, Palis presidiu a União Internacional da Matemática entre 1999 e 2002. O matemático afirma que não colocaria, ao contrário de Lent, a questão de forma tão radical. ‘Não quero polemizar com o meu amigo, mas acho que estamos a caminho dessas conquistas a passos largos. A ciência brasileira é muito jovem. A UFRJ foi criada em 1920 e a USP, que vai buscar a excelência de professores europeus, é de 1934. As universidades europeias têm vários séculos de existência e experiência. Somente na década de 1950, com a criação do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e depois da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) é que começamos a moldar o futuro’, exemplifica. ‘A Argentina, por exemplo, já era uma potência econômica na virada do século 19 para o 20 e durante as guerras mundiais atraiu muitos pesquisadores europeus para suas universidades’, explica Jacob.


Einstein indicou Rondon para o Nobel da Paz


De fato, a universidade argentina de Córdoba, uma das mais antigas das Américas, teve suas raízes plantadas pelos jesuítas em 1610. E em 1918, depois de uma rebelião estudantil, lançou o famoso Manifesto de Córdoba, que rompeu com o passado religioso e oligárquico e fez propagar a reforma universitária moderna no continente. A Universidade de Buenos Aires, a maior do país, foi criada em 1821.


Mas o Brasil que o professor Jacob Palis vê no futuro ainda é nebuloso. Numa década, entre 1998 e 2008, a quantidade de doutores no país cresceu 270%. Mas a comparação com outros países é triste. Temos apenas 1,4 doutores por mil habitantes, enquanto a Suíça e a Alemanha contam, respectivamente, com 23 e 15,4 por mil habitantes.


Em vários países europeus, 4% da população detém o título; no Brasil, somente 0,7%. Até mesmo dentro das universidades a carência é grande, já que nas escolas de ensino superior, particulares e públicas, 24% dos professores são doutores. Das 55 universidades federais existentes no país, nove estão abaixo do nível mínimo exigido pela lei para serem consideradas como tal, pois não possuem o mínimo de 25% de doutores contratados.


Palis tem esperança na recuperação do tempo perdido, apesar dos atrasos cronológicos. ‘O fato é que evoluímos muito nos últimos 40 anos. Um dos fatos históricos relevantes foi a entrada do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) na vida nacional, usando parte de seus recursos para a pesquisa básica’, argumenta. ‘E depois tem a formulação do PNPG (Plano Nacional de Pós-graduação), que é um primor, por se basear no apoio aos grupos de excelência, e não nas instituições. O apoio do PNPG é direto aos grupos, o que contorna a ineficiência acadêmica’, explica o matemático.


A própria construção de um perfil cultural brasileiro, comparado com outros países ainda está longe de ser satisfatório e todas as obras ignoram essa participação da ciência. Mesmo na divulgação não técnica, como no verbete ‘Cultura Brasileira’ da enciclopédia livre Wikipédia, não existe um tópico para Ciência, mas sobram para música, costumes indígenas, artes, entretenimento, festas populares, comida típica, carnaval e futebol.


Na cultura dos EUA e da Ásia, além dos principais países da Europa e no judaísmo, a exigência da educação é um fardo paterno inescapável e visceral, mas no Brasil a ciência nem mesmo faz parte dos desejos e do imaginário popular. O distanciamento cultural do brasileiro até mesmo com o sonho de um prêmio Nobel é tão gritante que até episódios que poderiam ser considerados dignos do orgulho nacional são raramente lembrados.


Poucos sabem que Albert Einstein, depois de sua passagem pelo Brasil, indicou o brasileiro Cândido Rondon para o Nobel da Paz ou que a italiana Rita Levy-Montalcini, fugida da perseguição nazista, fez parte substancial de suas pesquisas, que lhe valeram o Nobel de Fisologia em 1960, no Rio de Janeiro. A biografia dela na revista Nova Escola, da Editora Abril, ferramenta de auxílio muito utilizada na escolas, não cita sua passagem pelo Instituto de Biologia no Rio de Janeiro. Quando Rita completou 100 anos (ela ainda é uma senadora vitalícia na Itália e intelectualmente ativa), nenhum veículo de comunicação mencionou o episódio.


Sede do instituto funciona numa rua de terra


O cientista e médico Carlos Chagas chegou perto da premiação, mas foi vítima da inveja dos colegas. Por seu trabalho sobre a doença de Chagas foi indicado para a premiação em 1921. Na documentação entregue à comissão do Nobel – hoje em poder da Fiocruz, no Rio de Janeiro – está destacada a importância da descoberta da doença para o Brasil e América Latina. Quem descobriu por que o brasileiro não ganhou foi o historiador argentino Sierra-Iglesias. ‘A Real Academia Sueca de Ciências sondou cientistas no Brasil, em busca de mais dados sobre a obra dele. Mas alguns médicos, invejosos, desaconselharam sua escolha. Por isso, não houve vencedor em 1921.’


O mais espantoso é que um brasileiro nato já ganhou um prêmio Nobel. Peter Brian Medawar, Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 1960, era brasileiro, nascido no hospital Santa Tereza, em Petrópolis, onde viveu até os 14 anos de idade antes de mudar para a Inglaterra e se naturalizar. Com justiça, os britânicos o arrolam como um Nobel inglês.


O cientista brasileiro Miguel Nicolelis, de 49 anos, é considerado um dos maiores pesquisadores na área de neurociências e, por diversas vezes, lembrado para o prêmio. Ele lidera pesquisas na Duke University nos EUA e implantou em Natal, no Rio Grande do Norte, um Instituto Internacional de Neurociências (IINN), que já captou investimentos superiores a 100 milhões de reais e pretende ser a semente da futura ‘Cidade do Cérebro’, uma estrutura científica, cultural, econômica e social.


Em entrevista ao jornal Tribuna do Norte, no entanto, Nicolelis reclama: ‘Há sete anos, a sede do IINN funciona numa rua de terra. Entra prefeito, sai prefeito, nos prometem o asfalto e nada muda. Recebemos gente do mundo inteiro, ganhadores do Nobel, embaixadores de outros países e a rua continua deste jeito… E a primeira pergunta que [os visitantes] fazem é sobre a falta de asfalto na rua.’ Não vai ser surpresa, portanto, se Nicolelis ganhar o Nobel e a universidade de Duke e os EUA reivindicarem a posse da medalha.


O primeiro astronauta brasileiro


Enquanto Pelé embalou as fantasias de milhões, nos falta um símbolo, ícone ou inspirador para os jovens que veem a ciência como coisa impenetrável antes mesmo de experimentá-la.


‘Sem dúvida, faz falta ao Brasil um prêmio assim. Considero isso muito importante’, argumenta Palis. ‘Acho que representaria um estímulo tremendo para a comunidade científica, para o governo, e para a sociedade, para que, inclusive, se invista mais em ciências. Quando o físico Cesar Lattes voltou ao país no final da década de 1940, sua imagem de cientista internacional ajudou muito na criação do CNPq, em 1951’, relembra. Fazendo as contas, o premiado matemático garante que ‘até 2020 teremos um Nobel ou uma Medalha Fields, que é o Nobel da Matemática’.


E existem algumas razões para essa esperança de Palis nas novas gerações. A equipe brasileira de estudantes de Física, por exemplo, que participou em julho da XLI IphO, na Croácia, ganhou cinco medalhas. Desde 2000 presente nessa Olimpíada Internacional de Física, esta é a primeira vez que todos os integrantes da equipe nacional conquistam prêmios. Outros estudantes brasileiros tiveram êxito ao participar da 17ª Competição Internacional de Matemática para Estudantes Universitários (IMC), realizada na Bulgária, também em julho. Um deles, Régis Prado Barbosa, do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica), conquistou uma medalha de ouro. No total, foram nove medalhas (uma de ouro, duas de prata e seis de bronze).


‘Por que a gente tem os melhores jogadores de futebol?’, pergunta Roberto Lent. Ele mesmo responde. ‘Aparecer um gênio é uma coisa probabilística porque todo menino joga futebol. Então, com cem milhões de pessoas praticando o esporte no país, a possibilidade de descobrir um talento é muito maior. As crianças não cultivam a ciência, então como você vai descobrir quem é bom?’ Belita acrescenta: ‘Agora a Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) tem um programa que exige do bolsista algumas aulas de divulgação em escolas do ensino médio. Se cada pesquisador dá três aulas, a coisa se multiplica’, diz a física.


É certo que o governo brasileiro percebe a importância desses símbolos e ídolos culturais, e até fez uma tosca e desastrada tentativa de criar um ponto de referência na nossa cultura, fabricando o primeiro astronauta brasileiro. Melhor, comprou, por 10 milhões de dólares, uma viagem ao espaço do primeiro astronauta brasileiro na esperança de que o feito tivesse um valor simbólico cultural, mas a tentativa não deu certo, já que ninguém se lembra dessa aventura com frequência.


Educação não tem futuro sem internet


Essa motivação no imaginário já funcionou no passado brasileiro. ‘Na década de 1960, quando eu estava no colégio havia uma grande efervescência por causa do lançamento do primeiro satélite artificial, o Sputnik’, lembra Belita. ‘Naquela época tinha muita ênfase no ensino da ciência, era uma atividade muito valorizada e empolgante. Até as séries de filmes do Walt Disney tinham grandes audiências na TV com aqueles capítulos de Mundo da Amanhã. Isso dava uma motivação muito grande. Atualmente, tem muito filme de ficção científica que apenas diverte e não motiva’, pondera.


É certo que existe um deslumbramento nacional com os prodígios científicos e tecnológicos vindos do exterior, embora sem muita compreensão. A paixão brasileira por tranqueiras eletrônicas, como celulares de última geração, é, na verdade, uma febre consumista e exibicionista, sem muita utilidade real. E se o brasileiro é o que mais gasta tempo na internet, segundo levantamento do Ibope, não dá para entender o que nossos patrícios andam fazendo por lá.


‘Isso faz parte da cultura oral e visual, pouco letrada, pois a universidade brasileira é muito recente’, defende Laymert Garcia. ‘A internet resgata essa tradição de oralidade e do visual. A educação não tem nenhum futuro sem a internet. Quem está atrasada é a educação formal, que não compete com a internet. A rede eletrônica não deve ser encarada como `auxiliar´, mas, sim, como parceira no processo de educação’, defende Laymert.


Um marketing negativo


Nessa caldo complexo, algo muito forte no imaginário e motivo de lendas é a apologia ao ‘jeitinho brasileiro’ como sinal de criatividade. Poucos encaram o fato como algo pernicioso, pois introjeta na cultura a ideia de improvisação de fazer a gambiarra. A dúvida é se essa prática solapa a persistência e dedicação necessária ao trabalho científico e à produção industrial de qualidade. ‘Tem um outro lado que é de criatividade diante das diversidades’, ressalva Lent. ‘Agora, existe falta de profissionalismo e de planejamento. Tem que ter um ponto de equilíbrio’, argumenta o neurocientista. ‘Sim, faz parte da cultura brasileira buscar uma solução menos trabalhosa, então é mais fácil acreditar mais na astrologia que na astronomia. Todo mundo tem curiosidade, não só os cientistas, mas no Brasil a fantasia é mais atraente para a população’, lamenta a física Belita.


Laymert acha a questão mais complicada. ‘Tem toda uma discussão se isso é positivo ou negativo, tem gente que acha que a gambiarra é uma solução improvisada no país em desenvolvimento, já que você não poderia dispor dos recursos dos países desenvolvidos. Seria um aspecto positivo. Mas é claro que pode ser negativo se hipervalorizar, como se fosse uma maravilha. Mas às vezes é a solução que a população encontra’, argumenta.


Esse pano de fundo dos exóticos costumes brasileiros tem, é sabido, muita coisa retratada ambiguamente em Macunaíma, de Mário de Andrade, e que, embora divertidos, não recomendam muito na avaliação do caráter nacional. ‘Uma coisa peculiar do Brasil é que o presidente se orgulhava de não ter muita instrução formal’, exemplifica Belita. ‘Ele se orgulhava disso, dizia `Eu não estudei nada e estou aqui como presidente´, o que não é muito bom, mas felizmente agora ele não faz. Foi um marketing negativo’, avalia.


Entretenimento e cultura inútil


E a imprensa, que em muitos países é aliada da educação e da divulgação da ciência, com raras exceções, não dá muito espaço para o assunto. ‘A imprensa escreve o que o povo quer ler. Durante a Copa do Mundo tudo bem, mas fora disso é uma desproporção o que se fala de futebol e tragédia, por exemplo. E se a imprensa não divulga mais o povo não fica instruído’. Belita se impressionou com a pouca cobertura da 4ª Conferência Nacional de Ciência e Tecnologia, com mais de 3000 participantes, realizada em Brasília. E também do 30º Aniversário da Faperj nos meses anteriores com cerimônia no Theatro Municipal do Rio. ‘O auditório estava lotado, mas a imprensa não deu nada. Só teve impacto na comunidade científica, mas não irradiou para a sociedade’, critica Belita.


O traço de carência no interesse na ciência pode ser notada também nas prateleiras das livrarias. Livros de divulgação científica ocupam espaço exíguo e com poucos títulos. A editora Vieira & Lent, onde Roberto Lent é sócio, tem catálogo com 70 títulos e o maior sucesso é O cérebro nosso de cada dia, com 30 mil exemplares vendidos, um ótimo número para os padrões nacionais. Na Argentina, por exemplo, uma coleção de 32 títulos de divulgação científica chamada Ciência que Ladra, tem tiragem de mais de 1 milhão de exemplares.


Historicamente o Brasil perdeu o bonde quando o mais fácil era pegá-lo. Nas décadas anteriores à internet a cultura tradicional oferecia bem menos alternativas de dispersão. Atualmente o jovem está sob bombardeio esmagador de entretenimento e cultura inútil, com infinitas opções e maneiras para matar o tempo sem nenhum retorno.


Expresso imaginário já passou há muito tempo


No caso da ciência pura de qualidade mundial, o Brasil teve sua fase áurea com a geração dos físicos Cesar Lattes, Mário Schenberg, José Leite Lopes, para mencionar alguns que contribuíram para a ciência mundial. Mas esse impulso desmoronou com o golpe militar de 1964, deixando na penumbra, por longo tempo, o trabalho do almirante Álvaro Alberto da Motta Silva, criador do CNPq.


Se na primeira metade do século passado, os talentos individuais podiam arrastar grandes avanços, o panorama mudou radicalmente nas décadas seguintes. Sem apoio governamental, o avanço científico localizado foi varrido pela globalização, que introduziu novos elementos no modo de decolagem das culturas.


Uma das analogias preferidas dos cientistas para esse processo é o da formação da ‘massa crítica’, termo emprestado da física nuclear quando se tem uma ‘massa crítica’ de urânio-235. É uma reação em cadeia, na qual cada átomo quebrado em duas partes emite enorme energia (a que resulta na bomba atômica e nos reatores nucleares de produção de energia) e também uma partícula, o nêutron, que vai colidir com outro átomo de urânio disparando, assim, uma reação em cadeia de crescimento exponencial pela repetição do processo. Nessa analogia, em linhas gerais, quando se juntam cientistas privilegiados em quantidade suficiente, a interação entre eles resulta na produção de resultados em série.


No caso da bomba atômica os americanos reuniram no Projeto Manhattan suas melhores cabeças, além dos cientistas judeus que Adolf Hitler havia expulsado da Alemanha. ‘Essa massa crítica faltante, infelizmente, é verdade’, diz Belita. ‘No ambiente universitário tivemos progressos. Mas fora da universidade ninguém contrata um doutor em física. O governo começa a exigir que projetos mais complicados tenham doutores contratados, mas isso ainda é incipiente. A reação em cadeia frequentemente se interrompe porque as empresas preferem comprar tecnologia pronta, que é mais barata. Esse é um tabu que tem de ser quebrado. Temos competência, e em alguns casos, como no programa do álcool, um sucesso. Agora, com o pré-sal, vai haver demanda para essas contratações. Essa tecnologia de águas profundas não existe pronta para ser comprada lá fora’, explica Belita.


No entanto, a massa crítica também mudou e agora é cada vez mais global. No início do século 20, um bando de cientistas conseguia realizar a mágica da reação em cadeia do conhecimento apenas concentrando os melhores e mais entusiasmados ao redor, por exemplo, de Niels Bohr na Dinamarca. Hoje não faz mais sentido. Basta ver que o Japão, outrora uma potência mundial da inovação teórica, padece hoje de um isolamento que traz consequências adversas para a sua produção cientifica. Entre 2000 e 2009, a participação japonesa na produção cientifica global caiu de 9,45% para 6,75%. A causa, segundo autores do levantamento da Thomson Reuters, é o relativo isolamento científico dos cientistas japoneses se comparado com outros países igualmente ricos. Um dos desafios do Brasil é mudar o cenário já que sem ter conseguido formar uma ‘massa crítica interna’, corre o risco de perder o bonde da história novamente. Se o país não enfrentar a aversão à ciência de forma mais ampla na cultura corre o risco de repetir o passado e ficar esperando, como diria Gilberto Gil, o imaginário expresso ‘que parte direto de Bonsucesso pra depois do ano 2000’, que, como todo mundo sabe, já passou há muito tempo.

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Jornalista