[do release da editora] ‘Para mim, como para tantos brasileiros, Roberto Marinho era mesmo uma entidade sobrenatural. Para alguns, divina; para outros, demoníaca. (…) Vamos juntos, leitor, descobrir quem foi este sujeito que de sobrenatural não tinha nada, vamos assistir de olhos limpos e abertos a esta história que não narra apenas a trajetória de um indivíduo. É sobretudo uma história sobre o que pode o indivíduo.’ (Pedro Bial)
Uma história do século 20, na trajetória de um brasileiro que foi testemunha e protagonista de momentos decisivos na vida do país.
Para fazer o que classifica como ‘a maior reportagem que já realizei’, Pedro Bial mergulhou em cerca de 4.000 documentos, atravessando o período que vai de meados do século 19 até o início do 21: pedaços frágeis de papel amarelado pelo tempo, relatórios e informes secretos de governos, correspondência pessoal e profissional de 70 anos de atividade jornalística, além de cartas íntimas e esboços feitos por Roberto Marinho para as memórias que morreu sem escrever.
Complementando esse cipoal de informações, em cerca de 170 horas de gravações, quase 70 entrevistas de personagens que participaram direta ou indiretamente da vida de Roberto Marinho, de seus parentes a presidentes da República, funcionários e companheiros de imprensa. Todo esse fascinante labirinto foi percorrido pelo autor para compor essa envolvente narrativa.
Com esse livro, você está prestes a entrar na intimidade de Roberto Marinho, um dos brasileiros mais importantes do século 20, que construiu o maior império de comunicações do Brasil. Fique à vontade, leitor, esta história é dedicada a você.
O autor
Pedro Bial é carioca, formado em Comunicação pela PUC-Rio. Em 1980 entrou na TV Globo como trainee. Começou como editor de telejornais locais e nacionais, tornou-se repórter especial, foi correspondente em Londres de 1988 a 1996 e desde que voltou ao Brasil apresenta o Fantástico e, a partir de 2002, o Big Brother Brasil. Publicou quatro livros e dirigiu o longa-metragem Outras Estórias, adaptação cinematográfica de Guimarães Rosa.
O autor contou com o apoio do projeto Memória Globo que desde 1999 colhe e organiza documentos que registram a história das Organizações Globo. Desse trabalho já resultaram dois outros livros, integrantes dessa mesma coleção Memória Globo, publicada por Jorge Zahar Editor: Dicionário da TV Globo e Jornal Nacional: A notícia faz história, este figurando nas listas de mais vendidos, com mais de 30.000 exemplares vendidos no lançamento.
Trecho 1 – Antes de começar
Mais devastadoras ou menos, as notícias foram os tijolinhos fundamentais de uma pirâmide espantosa na paisagem da história da iniciativa individual no Brasil. A partir de um jornal vespertino recém-lançado numa cidade onde circulavam vinte e duas publicações, herdado aos vinte anos de idade, Roberto Marinho construiu algo que seus compatriotas e contemporâneos não julgavam possível, factível ou sequer necessário.
Antes de começar, poupo o leitor da pergunta, antecipando a resposta. Aliás, as respostas, que nem por serem duas se excluem ou se anulam: não, esta não é uma biografia autorizada, sim, esta é uma biografia autorizada.
Não é uma biografia autorizada, em primeiro lugar porque, na estante de gêneros literários, este livro não deve ser classificado como ‘biografia’. Antes, deve ser catalogado sob a etiqueta ‘jornalismo’. Você tem às mãos o que se pretende chamar de ‘grande reportagem’, um ‘perfil’, no jargão das redações.
Cada história pede e indica a sua própria maneira de ser contada. A história do Doutor Roberto só poderia ser narrada como texto jornalístico, até por respeito, e também como homenagem ao personagem principal.
Quanto ao chavão ‘autorizada’, que fique claro: a única pessoa que teria autoridade para consentir nesta obra morreu. Ninguém, nem mesmo a família, irmãos ou herdeiros, ninguém pode autorizar algo ‘em nome’ do Doutor Roberto. Seria não apenas um desacato à sua memória e à natureza de sua autoridade mas também uma imprecisão – a omissão de pinceladas e cores importantes na confecção do retrato que aqui se pretende pintar.
Era para ter sido um livro de memórias. Doutor Roberto acalentou o projeto de escrever sua biografia durante décadas…
Em 1992, declarava, em entrevista ao Globo: ‘Espero poder ter tempo de escrevê-lo. … muito do material já se encontra pesquisado. Seria fácil para mim ditá-lo, usar o gravador, mas não quero fazer isso. Afinal, é o livro da minha vida. Quero escrevê-lo.’
Tenho razões para duvidar que ele realmente desejasse realizá-lo, ou melhor, finalizá-lo. Tudo o que quis fazer, ele fez. Não escreveu suas memórias, nem permitiu que escrevessem, pois não queria contar uma história que não suportava reconhecer terminada.
Quem o conheceu intimamente não hesita em afirmar: ‘seria assumir o fim’. Tratar de suas memórias, redigir sua autobiografia, ou deixar que alguém fizesse o trabalho, ainda que por ele encomendado, seria reconhecer a finitude.
Roberto Marinho nunca se conformou com a transitoriedade de nossa condição, e chamava o tempo de inimigo. Talvez através do irmão Ricardo, anglófilo dedicado, tenha aprendido uma expressão que gostava de repetir quando queria transmitir um sentido de urgência em suas ordens: ‘How is the enemy?’
Tinha o título do livro, do qual não abria mão: Condenado ao êxito. Considerava-o lapidar, um achado! Seus vários quase-biógrafos falharam na tentativa de dissuadi-lo e convencê-lo de que talvez não fosse um nome tão bom assim. O principal defeito é o de soar arrogante, e definitivamente a arrogância não figurava entre os defeitos do Doutor Roberto. O título não funcionava mesmo, carecia de ‘pegada’ – não sobreviveria nem vinte e quatro horas numa manchete de jornal, o que dizer na lombada de um livro…
Mais uma vez é importante aproveitar a deixa para rabiscar mais uns traços em nosso esboço de retrato. É preciso entender que a imagem de alguém ‘condenado ao êxito’ fascinava o Doutor Roberto pela presença do paradoxo. Nosso companheiro adorava um paradoxo! A lógica paradoxal não o incomodava, sequer lhe era desconfortável. O paradoxo obriga a pensar, estimula a argumentação criativa, e Roberto Marinho sempre adorou a prática de esgrimir com idéias. Tinha o dom de reconhecer talento e o hábito cultivado de reverenciar a inteligência – era um caçador de cérebros. Quando se encantava por alguém particularmente brilhante, chamava para perto de si, se aquecia e crescia à luz alheia. Caçando cérebros, multiplicou braços: seria isso um paradoxo? Vamos combinar que não há paradoxo que resista a um bom pensamento dialético. Portanto, digamos para início de conversa: Roberto Marinho viveu intensamente o seu tempo, o século 20, este paradoxo tremendo e assustador.
Trecho 2
‘Para o filho de Irineu, foi estonteante e irresistível testemunhar a velocidade com que seu pai fundou um novo jornal. Passaram-se apenas cento e cinqüenta e nove dias entre o desembarque da família e a chegada do primeiro número de O Globo às ruas! Isso com a tecnologia e as ‘facilidades’ midiáticas de 1925… No início, Roberto apenas assistia fascinado ao espetáculo, não era mais que espectador. Até então, seu pai considerava o filho – e transmitia esta percepção a seus colegas de geração – boêmio demais, namorador demais, incontrolável demais, um doidivanas. Aos poucos, durante aqueles parcos cinco meses, o velho Marinho foi conhecendo-o melhor e pôde perceber que, embora indisciplinado para padrões escolares convencionais, o inacreditável Roberto tinha uma incrível capacidade de aprender.
Entre corridas de baratinha, (…) ‘jogos’ de boxe, rodas de samba, coristas do Teatro Lírico e o sem-número de tentações da vida noturna; sempre sobrava energia em Roberto para apreciar as maquinações de seu pai e os companheiros na construção do novo jornal. O próprio rapaz também logo começaria a participar da febril atividade geral, o que traria uma conseqüência bonita, porém tragicamente breve: entre a volta da Europa e a chegada do Globo às ruas, inaugurou-se uma relação ‘de homem para homem’ entre pai e filho. Irineu certamente se comoveu ao presenciar a descoberta que Roberto estava fazendo. O filho manifestava ter herdado a vocação, a paixão e a razão de vida do pai: o jornalismo.’