Há pouco mais de um século, o Brasil foi à sua primeira guerra e quase varreu o Paraguai do mapa. Foi um confronto colossal, marcado por batalhas épicas, escaramuças ardilosas, estupros em escala e, quem diria, até a invenção da trincheira – uma das maiores contribuições latino-americanas à história do Horror. Este painel, carregado de crueldade e simbolismo, é o pano de fundo deste Fragmentos da Grande Guerra, primeiro romance de Leandro Fortes, mas, desde já, uma das mais incisivas recriações da Guerra do Paraguai dentro da literatura brasileira.
O fio condutor da narrativa é uma simples solenidade de entrega de medalha ao general Fernão Abrantes do Nascimento pelo Senado Imperial, fragilizada base política do terminal regime do Imperador Dom Pedro II. Retirado da guerra por envolvimento no assassinato de um soldado brasileiro, o general é recebido como herói no Rio de Janeiro – uma falsa homenagem com vistas a garantir a integridade do Exército. Fernão retribui a cortesia com um longo e tortuoso discurso sobre a estupidez da guerra, os estertores do Império e o alvorecer da República. Trechos da prosa do general – às vezes paranóica, às vezes visionária – são intercalados por cenas das marchas e contramarchas das tropas: matanças, traições, medos, pragas, crematórios, mascates, prostitutas, Deus e o Diabo nos alagados do Chaco, sangue e pólvora nas franjas da majestosa fortaleza de Humaitá.
À medida que o general avança em seu delírio aparentemente irreversível, aprofunda-se a irracionalidade da guerra. Com o apoio de argentinos e uruguaios, os brasileiros estão prestes a vencer o confronto. Mas, quanto mais perto do fim, mais improváveis são as glórias. Nenhum homem mata outro sem matar a si, ou, pelo menos, um pouco de si também. Nenhum país vence uma guerra sem derrotar um pouco de si, ou, pelo menos, do que tem de melhor em si.
Trata-se de um vôo arriscado sobre a eterna tragédia (ou seria farsa?) brasileira. Embora iniciante no ofício, Leandro Fortes tem o domínio da língua. Escreve numa toada forte. É capaz de transportar o leitor mais renitente aos detalhes do teatro de operações do conflito. O faz com a leveza e a acuidade dos grandes mestres. São qualidades que impõem a este livro o sabor dos bons e velhos romances de guerra. Enfim, é uma estréia com gosto de tradição.
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Jornalista