Monday, 23 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Uma janela para o céu

[do release da editora]

Houve uma época, até 1800, em que se acreditou que tudo o que existe no mundo era visível, como se uma única e ampla janela se abrisse ao olhar. Até então, se alguém se referisse à existência de uma luz invisível corria o risco de ser ridicularizado como místico, impostor ou puro ignorante.

Essa idéia de uma janela irrestrita começou a ser alterada pelas observações do astrônomo inglês de origem alemã William Herchel, um maestro que havia trocado o som do cravo pela luz distante das estrelas. Analisando a luz decomposta do Sol por um prisma, Herschel descobriu que além do vermelho havia uma alteração no termômetro e deduziu que essa variação térmica denunciava a presença de uma luz invisível aos olhos, que chamou de infravermelho.

Por essa época, a fotografia que estava em desenvolvimento mostrou que havia uma outra luz invisível antes do azul e que foi chamada de ultravioleta. O que estava ocorrendo com isto era um desvelamento da luz, ou seja, do espectro eletromagnético, energia emitida por todos os corpos do Universo, o que inclui de uma borboleta a uma galáxia inteira. O Sol, por exemplo, um corpo de elevada temperatura, emite tanto na luz visível quanto no infravermelho, ultravioleta, raios-X e rádio entre outros ‘comprimentos de ondas’, como os físicos chamam cada uma dessas janelas de emissão.

No Reino dos Astrônomos Cegos – Uma História da Radioastronomia concentra-se no relato dos acontecimentos que se deram no comprimento de onda de rádio, que vai do submilimétrico ao quilométrico, configurando uma divisão da astronomia, ou seja, a radioastronomia.

Restos de calor

A radioastronomia começou a nascer em 1931 quando, por pura coincidência, um jovem engenheiro norte-americano, Karl Jansky, identificou um certo ‘tagarelar’ de estrelas no núcleo da Via Láctea, localizada no interior da constelação do Sagitário para um observador do Sistema Solar.

A descoberta de Jansky provocou certa euforia na mídia da época, mas logo acabou esquecida pelas preocupações com a guerra. Quando esse conflito terminou, em 1945, no entanto, a radioastronomia, que havia incorporado os desenvolvimentos do radar, já era uma área altamente promissora de investigação científica.

Houve algum desencontro antes que os astrônomos ópticos se dessem conta de que além dos espelhos dos grandes telescópio ópticos, que operam na luz visível, a radioastronomia poderia literalmente reformular a imagem do céu. E foi com a radioastronomia que se descobriu outros ‘animais’ do chamado ‘zoológico cósmico’ – caso dos quasares, pulsares e a radiação cósmica de fundo.

Quasares são astros ainda enigmáticos localizados a enormes distâncias no espaço-tempo, com luminosidade em princípio incompatíveis com suas dimensões. Pulsares são remanescentes de estrelas que explodiram lançando no espaço enormes quantidades de gases e poeira que devem dar origem a estrelas de segunda geração, como o nosso Sol, acompanhadas de planetas e com matéria-prima para tecer a vida. Já a radiação cósmica de fundo é interpretada como restos do calor da explosão que criou o Universo, segundo a teoria do Big Bang. Parte desta radiação está nos ‘chuviscos’ da TV, embora a maioria das pessoas nem desconfie disso.

Pacto com o diabo

No Reino dos Astrônomos Cegos relata como se deu o desenvolvimento da radioastronomia internacional e no Brasil, tratando de um assunto que até então permanecia inédito em livro por aqui. Radioastrônomos brasileiros trabalhando no Radiobservatório de Itapetinga, em Atibaia, interior de São Paulo, fizeram descobertas que foram da reformulação dos mecanismos de explosões no Sol (relacionado a temperaturas, quantidade de chuvas e maior ou menor oferta de alimentos, entre outras conseqüências) a achados como a detecção de enormes quantidades de água numa galáxia identificada como NGC 4945, no hemisfério celeste Sul.

O livro, numa abordagem voltada para leitores interessados não apenas em astronomia, mas na compreensão de fenômenos que vão da origem da vida às possibilidades de contato com eventuais outras inteligências utilizando para isso de mensagens em rádio, conta, por exemplo, as frustrações de um padre brasileiro, Landell de Moura, que se antecipou a Marconi em transmissões rádio. Mas, não compreendido pelos seus fiéis (muitos deles viram em Landell de Moura um feiticeiro, ou um homem com pactos com o demônio) teve seu pequeno laboratório, em Campinas, invadido e destruído.

No Reino dos Astrônomos Cegos, na avaliação de seu autor, o historiador da ciência e jornalista especializado em divulgação científica Ulisses Capozzoli, integra o que se convencionou chamar de ‘ romance da ciência’. Por isto mesmo está voltado para leitores não-especializados em astronomia e ciência em geral, mas com sensibilidade para a beleza das coisas do céu.