Este trabalho jornalístico de Pedro Doria, como diria um paulista, é um ‘puta trabalho’. Sexo, nudez, pornografia, prostituição, masturbação, tudo isso à base de muitos cliques de mouse. Putanheiros, felação, penetração, palavras usadas com a maior naturalidade. Na boa.
‘Na boa’, eis o tom do livro. Tudo bem, na boa. Forçando a comparação, se o tema fosse língua portuguesa, a descrição lingüística predominaria sobre a gramática normativa. Se o tema fosse ‘comunidades indígenas’, a descrição antropológica ou a observação sociológica predominariam sobre qualquer tipo de reflexão ética.
Muito bem. Beleza. Está tudo ótimo. Na boa.
No entanto, faltou um pouco mais de amoralidade. O autor se preocupa com ‘a tropa dos censores em potencial’. Recrimina a onda conservadora (o papa Bento XVI nela surfando), e relativiza a influência da pornografia em crimes como o abuso de menores.
Faltou pesquisa
Faltou, insisto, um pouco mais de amoralidade. Pois sabemos que criticar a moral (ou o que possamos chamar de moralismo) é um ato moral. Criticar o censor e culpá-lo pela gravidez precoce ou pelo terror da doença (Aids em particular, mas esta não será a única doença em questão) é transferir para o censor mais culpa do que ele merece carregar.
Beleza, tudo bem, na boa, o leitor recebe com prazer as informações, valiosas informações sobre o mundo das meninas que marcam programas via internet, e como o sexo sem compromisso rola e rola bem, e como as bundas, seios e vaginas estão ‘disponibilizadas’ na rede. Mas se era para ser amoral, por que lembrar a existência carrancuda dos ‘caretas’?
E o pior é que, lembrando-nos dos ‘caretas’, e às vezes ‘caretas’ que levantam a bandeira do feminismo, da luta pela não-coisificação da mulher, o próprio Pedro Doria aponta, sem querer, para outra falha do seu livro.
É que no cotidiano agitado das brunas surfistinhas tudo termina em final feliz. Dinheiro na bolsa, dívidas pagas, e até uma certa fama. A falha a que me refiro é a de não mostrar com a mesma isenção o que há de exploração e medo neste mundo de sexo fácil. Faltou, além de um pouco mais de amoralidade, boa dose de realidade cruel, de doença venérea real, de abortos reais, de tristeza, vazio, de solidão real.
Faltou ao jornalista um pouco mais de pesquisa. E isso eu digo… na boa.
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Doutor em Educação pela USP e escritor (www.perisse.com.br)