A ciência não é prioridade no Brasil. Isso é fato e não é de hoje. Cientistas brasileiros não são valorizados como deveriam. Outro fato – basta lembrar o padre gaúcho Landell de Moura, que os acadêmicos brasileiros dizem ser o verdadeiro ‘pai do rádio’. Aos poucos, o cenário da ciência no país tem mudado. Pode não ser o tão sonhado paraíso, porém, se comparando com décadas passadas, houve um avanço. Mas ainda há muito que mudar. O foco deste artigo não é o fazer científico, e sim, a relação ciência-mídia-sociedade.
A sociedade, por exemplo, é colocada no escanteio quando o assunto é ciência. Profissionais da ciência são mitificados. Há quem pense, ainda, que cientistas vivem trancafiados em laboratórios semi-escuros, de jaleco e cabelo despenteado, rodeados de frascos com líquidos coloridos e esfumaçantes. A mídia tem poder de quebrar esse mito de uma vez por todas.
Se olharmos o cenário nacional, veremos que os grandes jornais, do Brasil e do mundo, possuem uma editoria fixa para a publicação de notícias, artigos e reportagens sobre pesquisas científicas. No campo das revistas, em nível nacional, há duas publicações muito conhecidas que tratam do assunto, a Superinteressante (Ed.Abril) e a Galileu (Ed.Globo). O mesmo ocorre com sites, programas de TV e até de rádio. Apesar de receber críticas da comunidade científica pela linguagem ou pelos equívocos, a mídia é capaz de estreitar os laços entre a sociedade e o conhecimento científico.
Socializar o conhecimento
De fato, não é fácil simplificar uma pesquisa científica para que fique compreensível à maioria da população. Uma das principais missões do jornalista que trabalha numa editoria de ciência é eliminar os jargões e substituí-los por palavras que façam parte do cotidiano das pessoas. Publicações como a revista Galileu e a Superinteressante são mensais, o que possibilita aos seus profissionais mergulhar fundo no assunto, entrevistar o maior número de especialistas e organizar esse monte de informação num texto atraente, agradável de ler e que usa e abusa de metáforas e outras figuras de linguagem.
Olhando para o Amazonas, temos a editoria fixa ‘Meio-Ambiente’, do jornal Amazonas Em Tempo, publicada diariamente, e o suplemento ‘Ciência e Tecnologia’, publicado semanalmente. A atitude do jornal em fazer com que a ciência seja um tema presente entre seus leitores é louvável, porém o deadline (jargão jornalístico que significa o horário do fechamento do jornal, seja ele impresso, TV ou rádio) acaba sendo um obstáculo para a produção de notícias que o ‘seu Joaquim’ da taberna entenda (como os estudantes de jornalismo chamam o leitor comum); e, devido à pressão do fechamento (ou entrega do material), o jornalista acaba cedendo aos jargões científicos, principalmente para evitar problemas com o pesquisador. Por um lado é compreensível, pois simplificar é arriscado e deve ser feito com muita cautela; por outro, essa prática é condenável porque a missão do jornalista é esclarecer o leitor e não levar mais dúvidas.
Muitos no Amazonas acham que a ciência feita na região se limita à luta do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) para preservar o peixe-boi. O que ainda possibilita a permanência dessa visão é a cobertura fraca. São poucos os profissionais preparados para lidar com a ciência, cientistas e a linguagem científica. Embora o jornal Amazonas Em Tempo mereça elogios pela iniciativa de dedicar espaço à ciência, não podemos ‘varrer os defeitos para debaixo do tapete’. Algumas matérias publicadas nessa editoria são prolixas; a presença de jargões é constante. Não adianta ter o espaço sem que a mídia não cumpra, com eficácia, o papel de socializar o conhecimento científico. A população não deve permanecer alheia ao mundo da ciência e tecnologia, tendo como referência apenas aqueles conhecimentos básicos aprendidos na escola.
Inusitado e sensacional
Noticiar pesquisas científicas é um trabalho árduo demais para ser feito num só dia ou em poucas horas. Exigem-se muitas ligações ao pesquisador para entender certas palavras e reescrevê-las de uma maneira que a maioria compreenda e, em alguns casos, a submissão do texto jornalístico para apreciação do cientista antes da publicação é essencial para se evitar erros. Alguns jornalistas não gostam disso, mas é uma maneira de conquistar a simpatia de alguns pesquisadores que ainda cultivam uma antipatia pelo jornalismo científico e sua linguagem simplificadora. Porém, o cientista não pode interferir na linguagem jornalística. PENA (2006) critica os cientistas por não fazerem questão de serem compreendidos e por preferirem o corporativismo ao coletivo, ressaltando que pesquisas interessam à sociedade, sim.
A proposta do Em Tempo, de alguma forma, incentivou os outros jornais. O Diário do Amazonas não tem uma editoria diária sobre o tema. Contudo, publica uma espécie de coluna semanal para tratar sobre o assunto. Ultimamente, o periódico tem publicado muitas notícias e reportagens baseadas em pesquisas, mas o jornal peca por dar ênfase demais a números e dados estatísticos. O tradicional jornal A Crítica, embora tenha ensaiado uma editoria semanal (até um suplemento) sobre ciência e a idéia nunca ter decolado, sempre dá espaço à ciência.
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Amazonas (Fapeam) edita uma revista bimestral chamada Amazonas faz Ciência. A publicação traz reportagens sobre o que tem acontecido na região em termos científicos numa linguagem clara. Tem uma grande aceitação no meio acadêmico e tem colhido frutos. Recentemente, o jornalista Valmir Lima venceu, na categoria Jornalismo Impresso, o 4° prêmio Nilton Lins de Jornalismo, com a reportagem ‘Mudanças Climáticas Globais’, publicada na sétima edição. Podemos considerar, sim, uma luz no fim do túnel. Infelizmente, poucos tiveram a oportunidade de ler essa reportagem porque a tiragem da revista é de apenas 10 mil exemplares, distribuídos gratuitamente às bibliotecas públicas, centros de pesquisa e aos acadêmicos – a maioria da população fica de fora.
Os meios eletrônicos só dão espaço para a ciência quando algo é inusitado e sensacional. Na internet, o surgimento de blogs e espaço em sites conhecidos para a ciência se dá aos poucos.
A ‘fumaça divina’
Jornalistas e cientistas devem aprender a trabalhar em conjunto.Um deve respeitar o espaço do outro. É vergonhoso, mas é muito comum descobertas de cientistas do Inpa chegarem primeiro ao conhecimento de veículos de fora do Amazonas. O que facilmente é noticiado, pois a Amazônia chama a atenção dos grandes veículos, sejam eles nacionais ou internacionais. Infelizmente, enquanto a mídia interestadual atua, a local age como mero espectador e reprodutor de notícias de agências noticiosas.
A cobertura dos veículos de outros estados deixa a desejar. Apesar do ‘verde’ chamar a atenção, as notícias negativas (como dados estatísticas sobre o desmatamento na região) são mais freqüentes. E essa lacuna deixada pelos veículos de fora não são preenchidas pelos locais. Falta, além de qualificação, ousadia e visão dos nossos jornalistas. Talvez, o que acontece com a nossa mídia seja aquilo que o publicitário Zeca Martins falou numa entrevista ao programa Saber Viver, da rádio Rio-Mar. Ele disse que as pessoas de fora acabam enxergando com mais amplitude os benefícios que a região pode trazer para os profissionais de comunicação. ‘É como jogo de futebol, quem está na arquibancada tem uma visão mais ampla que o jogador’, comparou.
Os únicos que podem mudar esse cenário atual são os futuros jornalistas. Atualmente existem cinco cursos superiores de Jornalismo em Manaus (quatro em universidades particulares). Apesar da quantidade de formandos, são poucos os que se interessam, na academia, pelo jornalismo científico. É mais comum achar quem queira se especializar em cobrir editorias como esportes, cultura, política e até moda. O que falta são incentivos: órgãos científicos deveriam promover cursos, oficinas e palestras a fim de despertar o interesse desses estudantes. Ou seja, primeiro deve-se socializar os futuros jornalistas com a ciência para que eles, futuramente, ajudem a dissipar essa ‘fumaça divina’ que insiste em cobrir o conhecimento científico em pleno século 21.
O filhote de gato
PENA (2006) defende que o preparo do jornalista para lidar com a linguagem científica começa na universidade, através dos veículos universitários – jornal, rádio, TV e internet. É lá que uma harmonia entre pesquisadores e comunicadores começa a ser trabalhada. Tanto um como o outro passa a saber como funciona a atividade de ambos. Jornalistas são preparados a reportar ciência ao grande público e cientistas são incentivados a simplificar a linguagem. Para falar num meio como a TV, por exemplo, o pouco espaço incentiva o pesquisador a passar suas idéias de forma simples e concisa, sendo que este exercício, praticado constantemente, pode até mudar a linguagem hermética da comunidade científica que passaria a escrever suas pesquisas com uma linguagem mais simples.
‘(…) Jornais, sites e rádio têm importância vital nesse processo de simplificação da linguagem acadêmica. Mas talvez seja a televisão universitária o grande veículo para a concretização desse objetivo. Cientistas e professores seriam obrigados a uma autotradução, pois a estética do meio não permite a divagação hermética. De tanto traduzir a si próprios, quem sabe eles não simplificariam a própria linguagem e passariam a produzir textos mais acessíveis? É sabido que a linguagem oral influencia diretamente a escrita. Entretanto, a proposta não é colocar professoras em uma televisão universitária, mas também alunos e funcionários, produzindo programas culturais e, principalmente, interessantes para o grande público’ (PENA, 2006, p.206-207).
Acredito que a mídia não tem apenas a missão de estreitar laços, mas também de cobrança. É assim em outras áreas, por que não pode ser na área científica? Verbas para pesquisas são poucas e a imprensa, além de cobrar mais investimentos de nossas autoridades, também deve cobrar prioridades dos cientistas. Mas para isso os profissionais da imprensa devem estar preparados. Não se critica com propriedade aquilo que não conhecemos. Acima de tudo, a imprensa amazonense deve impregnar-se da Amazônia. Apesar de não ter sido focado na mídia, a idéia do dr. Cristovam Diniz é válida: ‘(…) A interiorização das universidades na Amazônia, incluindo as novas tecnologias de informação, pode imprimir eficiência e eqüidade na formação imediata de todos os professores da escola básica, ajudando a superar os números vergonhosos hoje exibidos. Neste processo deve ser contemplada a apropriação sustentada, pelo cidadão médio, do conhecimento acerca do ecossistema amazônico. Para isso seria preciso desencapsular o conhecimento contido nas publicações científicas tornando-o acessível ao professor da escola básica. Interrompendo a dicotomia entre a geração de conhecimento e sua disseminação. Escolas (veículos de comunicação amazonenses também, grifo meu) amazônicas precisam impregnar-se de Amazônia’ (L.C. Joels & G. Câmara, p.134).
Felizmente, ultimamente a ciência não ganha espaço apenas quando a notícia mexe com o imaginário popular – quando especialistas são consultados para esclarecer à sociedade sobre algo considerado ‘bizarro e incomum’. O filhote de gato que nasceu apenas com um olho é um caso clássico da imprensa amazonense. Alguns veículos populares, em especial alguns programas sensacionalistas da TV, cooperaram para atiçar o senso comum da população disseminando que a criatura era um ‘ET’ – chegaram a dizer até que era um filhote de mapinguari (ente pertencente ao universo mítico Tupi com forma de ciclope, um olho na testa e a boca localizada na barriga). No dia seguinte, os jornais impressos deram destaque de primeira página ao fato. A diferença é que, ao mesmo tempo em que dizia que a ‘criatura assustou os moradores’, logo depois a fala de um especialista quebrava de uma vez por todas o mito dizendo que o ‘ET’ era nada mais nada menos que um filhote de gato que nascera com uma deformação. Esse caso mostra com clareza um dos benefícios da democratização do conhecimento científico.
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Estudante de Jornalismo e repórter do Ministério Público Federal no Amazonas (MPF-AM), Manaus, AM