Nem todos os sítios jornalísticos encontram-se na mesma fase de desenvolvimento, mas é certo que os veículos mais atentos às características hipermidiáticas proporcionadas pela web – e dispostos a investir – são os que estão explorando novos formatos e linguagens para o webjornalismo.
Um dos exemplos é o newsgame, definido pelo jornalista Tiago Dória como ‘um conceito que se refere a jogos feitos com base em notícias ou em um acontecimento em curso’ (2008). Definição semelhante é defendida pelo pesquisador Geraldo Seabra (2007), o qual afirma que é um novo formato de apresentação de notícias e acontecimentos em tempo real, onde o fato noticioso funcionaria como base narrativa de histórias desenvolvidas em suportes de games online.
O designer de videogame e professor associado do Georgia Institute of Technology, Ian Bogost, defende que os games representam uma forma de comunicar diferente das outras mídias, pois não apenas entregam mensagens mas também simulam experiências. ‘Enquanto freqüentemente pensamos neles como mera atividade de lazer, os games podem se tornar também ferramentas retóricas’ [disponível em: http://www.bogost.com/games/persuasive_games_1.shtml] De modo diverso aos videogames tradicionais, os newsgames ficam prontos mais rapidamente, em vez de levar meses para o lançamento como ocorre na indústria do entretenimento. Esse timing está relacionado à questão da atualidade da notícia que gera o jogo. Bogost (2009) diz que os videogames colocam um problema à questão da atualidade que é seu tempo de produção. ‘Eles são difíceis de criar e de publicar rapidamente de forma que tenham também significado, algo que não é necessariamente verdadeiro em palavras escritas ou faladas, ou até em desenhos feitos à mão’ (BOGOST, 2009).
A empresa NewsGaming.com, criada por uma equipe internacional e baseada em Montevidéu (Uruguai) e Copenhague (Dinamarca), mantém um site com jogos relacionados a eventos noticiosos internacionais. Seus desenvolvedores de jogos e artistas acreditam que videogames com base em notícias podem ser uma ferramenta para melhorar nosso entendimento sobre o mundo. A NewsGaming.com criou dois newsgames famosos – September 12th e Madrid –, ambos sobre o terrorismo, e os considera uma simulação de diferentes aspectos de fenômenos sociais complexos. Madrid foi desenvolvido em apenas um dia como uma reação ao ataque terrorista de 11 de março de 2004. O jogo relacionado ao episódio em Nova York não foi tão rápido, pois ainda não havia uma equipe de profissionais disponíveis e o produtor estava viajando quando o atentado ocorreu [disponível em: http://www.newsgaming.com].
Desde 2004, esse formato vem ganhando espaço nos principais jornais online do mundo, principalmente na Espanha e nos Estados Unidos, como o ElPaís.com e NYTimes.com (DÓRIA, 2008). Recentemente, a revista National Geographic anunciou que usará esse modelo em plataformas móveis, na internet e em consoles (FOLHA ONLINE, 2008). O fato de ser explorado por veículos com tamanha credibilidade editorial é apenas um dos sinais de seu potencial jornalístico. Mas por que um editor optaria por esse formato em detrimento de outras possibilidades? Há várias razões, como a possibilidade de aumentar a retenção de informações, de envolver públicos mais jovens e de elevar o nível de interatividade.
Ao aproveitar a capacidade interativa e imersiva dos jogos, o neswsgame amplia as possibilidades de compreensão do fato jornalístico ao qual se refere e estimula a memorização. ‘Quanto mais estivermos pessoalmente envolvidos com uma informação, mais fácil será lembrá-la’ (LÉVY, 1993 apud SEABRA, 2007). Essa maneira diferente de comunicar os fatos cria uma ‘experiência virtual’ na qual o leitor-jogador pode desempenhar ações como se fosse um dos personagens da matéria jornalística. Em um debate ocorrido em abril de 2008 durante o Simpósio Internacional de Jornalismo Online da Universidade do Texas, em Austin (EUA), o diretor do The Poynter Institute, Howard Finberg, revelou que a taxa de retenção de informação em um newsgame é de 70% a 80%, contra 50% em um meio com texto e material multimídia (áudio ou vídeo) e apenas 20% em textos impressos (WILHELM, 2008). Para o editor de interatividade do MSNBC.com, Paige West, temas considerados entediantes em texto podem se tornar interessantes e interativos na forma de jogos (ibidem). Além disso, pode atrair públicos mais jovens para os sítios jornalísticos na web, em especial adolescentes habituados à realidade virtual e lúdica dos games (SEABRA, 2007).
O newsgame não substitui o texto noticioso em outras mídias ou mesmo na web. Antes, cumpre uma função de aprofundamento, esclarecimento, compreensão, memorização e imersão e proporciona uma nova experiência de acesso e interação com a notícia ou acontecimento em tempo real. Segundo Magnani (2008), ‘a construção de sentido na leitura de um texto impresso talvez tenha um efeito menos impactante do que aquele causado pela construção de sentido realizada através da interação com um videogame. Afinal, efetivar, no papel de jogador, escolhas determinadas a partir de um conjunto de ações possíveis e, logo em seguida, ver na tela a conseqüência direta de tais escolhas parece requerer um envolvimento muito maior do que o exigido nas formas tradicionais de leitura’ (MAGNANI, 2008: 109-110).
Sua utilização passa pelos critérios de edição para avaliar quais fatos jornalísticos ‘merecem’ o desenvolvimento de um newsgame, já que o processo de produção envolve questões de tempo (de importância central no jornalismo diário), disponibilidade de pessoal qualificado (jornalistas, programadores ou designers de jogos) e investimento (treinamento, disponibilidade de softwares adequados e computadores). Segundo Andrigheti, jornalistas e desenvolvedores de websites podem se inspirar no mundo dos games para criar sites jornalísticos ‘mais interativos, com visual e conteúdo mais atrativos e profundos’ (2007: 92). A autora lembra que é mais difícil para sítios de hard news utilizarem elementos dos jogos – como ambientes tridimensionais, personagens, câmeras – para tornar a experiência do usuário mais interativa. Entretanto, considera possível que isso aconteça em sítios jornalísticos segmentados ou temáticos, originados ou não de meios tradicionais como jornais, revistas, TVs etc.
Assim, explorar o formato de jogo tem sido mais frequente em casos de matérias de grande repercussão, como os atentados terroristas ocorridos em 11 de março de 2004, em Madri, na Espanha. O modelo desse jogo é simples e oferece pouca interação, mas ilustra a exploração da nova linguagem no webjornalismo. O jogador deve clicar com o mouse sobre as velas para que suas chamas brilhem o máximo possível, dentro de um tempo pré-determinado de 50 segundos. Não há vencedor, a idéia é manter viva a lembrança do episódio em que 200 pessoas morreram e mais de 1,4 mil ficaram feridas. Fotografias publicadas pela imprensa internacional relacionadas à homenagem dos cidadãos aos mortos no ataque visivelmente influenciaram o produto, conforme podemos ver adiante nas reproduções das fotos e da imagem do jogo.
Outro motivo para explorar o newsgame jornalisticamente é que essa nova linguagem recombina, remodela, reconfigura linguagens de outras mídias para a web. E é isso que se pretende analisar nesse trabalho: se o newsgame pode ser considerado um exemplo de remidiação de meios e linguagens que lhe são precursores.
A linguagem do newsgame, uma remidiação
Conforme Bolter e Grusin (1999), a remidiação é a representação de um meio em outro e uma das características definidoras das novas mídias digitais. É válido ressaltar que Manovich (2006b, apud SANTAELLA, 2007: 90-91) critica e amplia o conceito de Bolter e Grusin. Para ele, o computador não remidia uma mídia particular, mas simula todas as mídias – não só suas aparências, mas também as técnicas de produção e todos os seus métodos de trabalho e pressupostos fundamentais. É o que vai chamar de ‘lógica da remixabilidade’. No entanto, preferimos trabalhar com o termo remidiação, pois a análise aqui apresentada não chega ao âmbito das técnicas de produção do newsgame.
A reutilização ou recombinação de formas e linguagens exploradas por outras mídias pode ocorrer em vários níveis, dependendo do grau de competição ou rivalidade entre a nova e a velha mídia (BOLTER; GRUSIN, 1999). Em um ponto extremo dessa reutilização, um meio antigo pode ser destacado em sua representação digital, como nos casos de DVDs ou sítios na web que oferecem pinturas ou textos literários para download. Nesses casos, a mídia eletrônica não é vista como oposição à pintura ou imprensa, mas como uma nova forma de acesso a estes materiais mais antigos. O meio digital almeja se apagar ou se tornar transparente, de modo que o espectador tenha uma relação mais próxima com o conteúdo do meio original.
Em outros casos, a remidiação eletrônica busca enfatizar a diferença entre os meios, mais do que apagá-las. As novas versões são oferecidas como melhorias em relação aos meios originais – como no caso das enciclopédias que acrescentam gráficos, som e vídeos, além de buscas através de links, numa remidiação mais translúcida do que transparente. Em um exemplo mais agressivo, há uma tentativa de remodelar inteiramente o velho meio através da hipermidiação (descontinuidades narrativas indicadas por janelas, botões e controles): diferentes programas e mídias podem aparecer em cada nova janela, mas a marca do precursor permanece e essa artificialidade é sentida pelo espectador. Por fim, e essa é a forma que nos interessa, o novo meio pode tentar absorver o anterior de forma que o precursor não seja inteiramente mostrado, o que acontece em alguns jogos de computador ou ‘filmes interativos’ que remidiam o cinema e onde o jogador torna-se um personagem da narrativa cinematográfica (BOLTER; GRUSIN, 1999).
Para Gosciola (2007, 2003), o game está circunscrito à perspectiva da linguagem hipermidiática, se constitui em um meio audiovisual como o cinema e a televisão e se apropria de alguns elementos dessas mídias que lhe precedem. Embora considere que a linguagem da hipermídia não foi completamente explorada e, portanto, ainda pode sofrer modificações, o autor aponta alguns elementos em comum entre o cinema e o game. Por exemplo, a montagem de planos para dar idéia de continuidade (David W. Griffith [cineasta norte-americano (1875-1948) que explorou formas menos teatrais e mais contidas de interpretação e efeitos de deslocamento de câmera]) e o uso da narrativa por desconstrução, com inserção de eventos, planos e sons para quebrar a seqüência lógica e cronológica da história (Sergei Eisenstein [considerado o mais importante cineasta soviético (1898-1948), filmou Encouraçado Potemkin em 1925]) que sugere a não-linearidade: ‘As obras em hipermídia exploram tanto o lado da narrativa contínua para os games quanto o lado da narrativa descontínua para obras de arte e de tecnologia, tanto em discos digitais quanto na web’ (GOSCIOLA, 2003: 110).
O mesmo autor cita outros pontos onde as narrativas do cinema e do game se assemelham. Gosciola (2007) considera que os jogos podem utilizar mais a estrutura narrativa teatral, dramática (em games de luta entre dois personagens, por exemplo) ou a estrutura épica (com representação menos teatral, deslocamento do personagem reconhecido pelo usuário através dos movimentos de câmera e valorização dos enquadramentos) explorada anteriormente no cinema por Griffith. O uso da câmera subjetiva é outro ponto em comum, lembrado pelos jogos de tiro que utilizam o ponto de vista do usuário, bem como a exploração da profundidade de campo estreada no cinema em 1940 no filme Cidadão Kane, de Orson Welles, presente em algumas telas dos games ‘The 7th Guest’ e ‘Myst’ (GOSCIOLA, 2007).
Mudam os meios, muda a linguagem
Lúcia Santaella afirma que o surgimento de novos meios técnicos possibilita a aparição de novas formas de produzir linguagem. Conforme a autora, o ‘casamento entre meios’ também origina novas linguagens híbridas. ‘Processos comunicativos e formas de cultura que nelas se realizam devem pressupor (…) também as misturas entre linguagens que se realizam nas mídias híbridas de que o cinema, a televisão e, muito mais, a hipermídia, são exemplares’ (SANTAELLA, 2007: 78). Essas hibridizações ou combinações já são visíveis no jornal, em revistas, no cinema e na televisão, mas de forma muito sutil quando comparadas ‘à grande hibridização permitida pela digitalização e pela linguagem hipermidiática’, da qual o newsgame é um exemplo.
‘O jornal, por exemplo, é, entre outras coisas, uma união, que deu certo, entre o telégrafo, a foto e a modificação qualitativa da linguagem escrita no espaço gráfico. O vídeo-texto (…) nasceu da combinação de um banco de dados com o telefone e um terminal de vídeo. Enfim, o universo midiático nos fornece uma fartura de exemplos de hibridização de meios, códigos e sistemas sígnicos. São esses processos de hibridização que atuam como propulsores para o crescimento das linguagens’ (SANTAELLA, 2007: 81).
A autora considera o game uma mídia híbrida que envolve o cruzamento de várias linguagens (quadrinhos, desenhos, cinema, vídeo, televisão) em um processo de tradução intersemiótica [termo cunhado por Julio Plaza (1987apud SANTAELLA, 2007:78) que significa transcriação de formas de linguagem, o que implica saber penetrar nas entranhas dos diferentes tipos de signos e os procedimentos que regem a tradução de um sistema de signos a outro], conceito que considera mais abrangente do que remidiação. Mas, como Bolter e Grusin, também considera a absorção de linguagens uma via de mão dupla, ou seja, ‘do mesmo modo que os games absorvem as linguagens de outras mídias, estas também passaram a incorporar recursos semióticos e estéticos que são próprios dos games. É o caso dos filmes Matrix Reloaded, Matrix Revolution e Kill Bill 1 e 2‘ (SANTAELLA, 2007: 408).
A ‘contaminação’ de linguagens não nasce com as tecnologias digitais, mas lhe é bastante anterior e observável desde o advento da fotografia e do jornalismo (SANTAELLA, 2007). Para Bolter e Grusin, na colagem e na fotomontagem assim como na hipermídia, criar é rearranjar formas existentes. ‘Na fotomontagem as formas pré-existentes são as fotografias; no hipertexto literário são os parágrafos de texto; e na hipermídia essas formas podem ser textos, gráficos, animações, vídeos e sons’ (BOLTER; GRUSIN, 1999: 39). Nesse novo espaço, as formas são destacadas de seu contexto original e então recombinadas. Na mesma linha de pensamento, Pinheiro (2006) afirma que o game como mídia é contaminado pelo passado recente dos inventos de comunicação.
‘Mas esse entendimento tem diminuído ao longo dos anos devido à absorção dos meios de massa pelas características do jogo. A apropriação se dá em esferas artísticas, de linguagem, de formato, sonoras, não vindo apenas determinante dos jogos mas da concatenação de diversos produtos jovens que vem formulando uma nova linguagem comunicativa. De uma forma tímida a publicidade, relações públicas e o jornalismo no Brasil vêm assumindo seu papel colaborativo com o campo dos jogos’ (PINHEIRO, 2006:8).
Santaella (2007) descreve ainda características dos jogos eletrônicos que podemos replicar para os newsgames, como a interatividade e a imersão. A primeira, característica intrínseca da comunicação digital, é variável nos games: a ação do usuário pode ser meramente reativa ou alcançar um alto nível de interatividade, quando o programa é complexo, não linear e permite ao interlocutor participar livremente, intervir e criar (SILVA, 2000: 105 e PRIMO, 2007 apud SANTAELLA, 2007: 411). Nesse caso, seria uma obra aberta [título do livro de Umberto Eco, lançado em 1962, obra aberta refere-se a um modelo teórico que tenta explicar a arte contemporânea. É ‘aberta’ porque permite mais de uma interpretação e implica no convite ao intérprete para participar da construção final do objeto artístico (WIKIPEDIA, 2008)] e dinâmica, com reconstrução do jogo de modo diverso a cada ato de jogar. A imersão, que está relacionada à interatividade, pode apresentar-se desde os graus mais leves até os mais profundos. Em um grau inicial, basta estar conectado a uma inferface de computador. O nível aumenta à medida que se apresentam espaços simulados tridimensionais que permitem envolver o internauta como em uma realidade virtual, grau máximo de imersão. Jogos de simulação em 3D estariam em um nível imersivo intermediário (SANTAELLA, 2007).
Análise de publicações
Para tentar compreender como se dá a remidiação no newsgame, foram escolhidos aleatoriamente três exemplos para análise, expostos a seguir. O primeiro deles é September 12th [disponível em: http://www.newsgaming.com/games/index12.htm], criado por Gonzalo Frasca para estabelecer uma crítica sobre o combate aos muçulmanos como terroristas, após os ataques às torres gêmeas, ocorrido em 11 de setembro de 2001, em Nova York (EUA). ‘A simulação é definida pelo autor como um newsgame, ou seja, um tipo de jogo geralmente curto, simples e datado, baseado em notícias cotidianas’ (MAGNANI, 2008: 110). O cenário é um vilarejo imaginário do Oriente Médio, onde circulam civis e terroristas. O internauta pode jogar ou não mísseis na cidade, com cliques do mouse (o nível de interatividade é baixo, mas o estímulo à reflexão sobre o problema de combate ao terrorismo é evidente). Se optar por atirar, poderá matar os terroristas, mas também acertará civis e seus lares. Após chorarem seus mortos, os cidadãos acabam se transformando em terroristas.
A ideia é questionar a política do ex-presidente norte-americano George W. Bush de ataque ao Afeganistão. A mensagem principal (violência gera violência) é repassada nas instruções do jogo:
‘- Isto não é um jogo
– Você não pode vencer e você não pode perder
– Isto é uma simulação
– Não possui fim e já começou
– As regras são muito simples. Você pode atirar. Ou não.
– Este é um modelo simples que você pode usar para explorar alguns aspectos da guerra contra o terror.’ (MAGNANI, 2008:110).
A visão de cima para baixo e um ângulo aproximado de 45 graus remete a um recurso bastante explorado pelo cinema, o plongée, e confere sensação de tridimensionalidade. Também há movimentos de câmera comuns em videogames, filmes e TV. Na visão de Magnani (2008), esse newsgame induz os que acreditam que o bombardeio a países árabes pode combater o terrorismo a se depararem com resultados contrários aos previstos para as ações realizadas. ‘Assim, o autor lida com o estabelecido para, a partir dele, dar resultados contrários, não esperados ou rejeitados e, com isso, forçar uma reflexão menos ingênua sobre os fatos’ (MAGNANI, 2008: 113). Outro aspecto é a metalinguagem: a imagem de fundo do jogo é uma página de jornal, o que torna ainda mais evidente que é o conteúdo jornalístico que sustenta o game e leva a uma possibilidade de crítica da imprensa. No cinema isso também aconteceu, especialmente com a nouvelle vague na França que ajudou a disseminar para um público mais amplo não só as possibilidades de crítica da narrativa como do processo de produção da ilusão cinematográfica. Gosciola argumenta que ‘esse é um recurso inestimável e passível de notação em roteiro para a hipermídia, quando uma tela ou alguns de seus ícones são apresentados em metáfora’ (2003: 113).
A segunda escolha é o jogo publicado pela revista Veja.com, da Editora Abril, sobre as eleições para prefeito realizadas em 2008 [disponível em: http://veja.abril.com.br/politica/enquete-candidatos-rj.html]. O game é baseado no jogo Candidate Match Game [disponível em: http://www.usatoday.com/news/politics/election2008/candidate-match-game.htm], publicado originalmente no site do USA Today. Na versão brasileira, o internauta escolhe sua cidade (Rio de Janeiro ou São Paulo) e responde a 12 perguntas sobre temas de campanha (cidade, saúde, segurança, educação, prioridades e administração financeira). A cada resposta do leitor-jogador aparece no gráfico qual candidato tem proposta semelhante. No final, é apresentado um score dos candidatos cujas ideias mais coincidem com as defendidas pelo internauta. É possível refazer a enquete quantas vezes desejar e imprimir o resultado. Não há como vencer no jogo, mas o formato ajuda na escolha do voto, pois permite descobrir de forma envolvente quais são os políticos que concorrem ao cargo de prefeito e as melhores propostas para plano de governo, na visão do internauta.
Pode-se vislumbrar uma remodelação das já conhecidas técnicas jornalísticas de entrevista, infográfico e enquete, integradas em um único produto. A remidiação nesse caso aponta para um reaproveitamento maior de conteúdos da mídia impressa e digital e menos do cinema e da televisão, embora nada (exceto tempo e recursos) impeça que possam ser disponibilizados vídeos e áudios com entrevistas dos candidatos no jogo. Empresas que formam conglomerados de várias mídias podem reutilizar (ou não) conteúdos produzidos para outros meios para criar seus próprios newsgames. Aliás, a Veja.com utilizou esse recurso: no fim do jogo é possível passar o mouse sobre os blocos coloridos para ler as respostas dos candidatos, retiradas de entrevistas à Veja.com, Agência Brasil, sites dos próprios candidatos, chats e propagandas eleitorais gratuitas. Os níveis de escolha do internauta poderiam ser ampliados para as principais cidades do país, favorecendo a participação de mais navegadores, e explorado por sites de jornais diários na web.
Recentemente, com as notícias sobre os ataques israelenses aos palestinos na Faixa de Gaza, no Oriente Médio, o portal Newsgrounds.com criou o Raid Gaza [disponível em: http://www.newgrounds.com/portal/view/476393], publicado em 30 de dezembro de 2008, apenas três dias após as Forças de Defesa de Israel começarem os ataques aéreos. O jogador assume uma posição unilateral visto que só pode fazer parte da ofensiva israelense e o objetivo é matar o maior número de palestinos, com menor baixa possível no número de israelenses. A duração do jogo é de três minutos e começa com uma determinada quantia de dinheiro (10 mil sheqel), necessária para construir porta-aviões para bombardear a área inimiga, bases de mísseis, quartel-general, tanques e infantaria. É possível aumentar a velocidade de construção dos recursos militares, o que melhora a atuação do jogador dentro do tempo disponível.
Cada vez que se utilizam esses recursos gasta-se parte do dinheiro disponível, mas é possível pedir ajuda internacional através de uma ligação telefônica feita a partir do quartel-general, o que sempre resulta em mais recursos para financiar as operações militares. Aí está uma forte crítica à ajuda estrangeira aos conflitos no Oriente Médio. Esse posicionamento nos jogos é conhecido como editorial games, pois mesmo com a possibilidade de crítica ao fato jornalístico, o game já apresenta sua posição ideológica, conforme sugere Bogost (2009). Seria um tipo de jogo fortemente inclinado para o gênero opinativo, como ocorre nos editoriais de veículos jornalísticos. Difícil terminar o jogo sem matar pelo menos 100 palestinos, entre civis e militares, e ganha-se bônus por acertar alvos como unidades policiais e hospitais. No final, o resultado da operação é contabilizado (número de palestinos mortos em relação às baixas israelenses), comparando à ofensiva realizada no ano de 2007, quando 25 palestinos morreram para cada israelense que perdeu a vida nos combates.
Os elementos de animação e a representação visual remetem ao uso de infográficos em jornais e na televisão. O cenário é bem simples, visto de cima, em plongée – ângulo de câmera comum no cinema e na televisão e o ambiente lembra os videogames mais simples de luta (remidiação dos jogos). A música de fundo é uma versão de ‘Close to you’ do grupo Carpenter´s – o que aponta para uma semelhança com o uso de trilha sonora no cinema. Por fim, apesar de baixa interatividade (clica-se com o mouse sobre mísseis, aviões e tanques para dispará-los), a pressão do tempo cria certa imersão para que a meta seja cumprida, como ocorre em videogames de entretenimento. Por trás da violência gratuita, entretanto, fomenta-se a reflexão crítica sobre uma questão política que se arrasta há anos, deixando milhares de mortos, feridos e refugiados e o visível desequilíbrio entre as forças israelenses e palestinas (do lado dos palestinos apenas alguns mísseis são lançados e freqüentemente erram o alvo).
Conclusões
Com o acelerado desenvolvimento tecnológico e a convergência de mídias na era da informação não podemos esperar que o Jornalismo continue sendo feito da mesma maneira e utilize sempre os mesmos formatos e linguagens. Vários estudos, artigos e blogs apontam para uma crescente integração entre essa área de conhecimento e o campo das tecnologias da informação (computação, design, programação de softwares etc.). O newsgame, uma forma diferente de comunicar a notícia, nasce no contexto do webjornalismo e inaugura não só um novo formato, mas uma linguagem híbrida, que mistura textos, animações, imagens fixas ou em movimento, sons. Isso permite o estudo conjunto de forma e linguagem, conforme recomenda Santaella ao insistir ‘no resgate do papel central dos processos sígnicos na constituição das mídias’ (2007: 77).
Embora tenha grande potencial para atingir novos públicos (especialmente os mais jovens) e aumentar os níveis de interatividade e imersão, o newsgame é pouco discutido no campo acadêmico do jornalismo brasileiro. Por isso, espera-se que as reflexões apresentadas possam servir como estímulo ao aumento do debate sobre esse tema. A importância do newsgame no jornalismo é que por meio dele é possível ‘vivenciar’ de maneira única (virtualmente) situações que simulam o acontecimento jornalístico ou o explicam de forma mais prática. Conforme aponta Gosciola, ‘o efeito do jogo no uso da hipermídia interessa principalmente porque pode tornar a convivência com a obra hipermidiática mais próxima da realidade. E não importam somente as possibilidades lúdicas para o usuário (…) mas a possibilidade de jogo inerente ao diálogo entre a narrativa textual e a narrativa audiovisual a ser desenvolvida pelo roteirista ou designer de hipermídia’ (GOSCIOLA, 2003: 197).
Após breve análise de três amostras, conclui-se que os newsgames reutilizam e transformam linguagens de outras mídias pré-existentes, como os games (que por sua vez reutilizaram a narrativa do cinema), o texto noticioso (independente de ter sido veiculado em jornais impressos, TV, rádio ou web) que é a base de sua narrativa, o cinema e outros. Também permitem apresentar o conteúdo jornalístico de modo muito mais interativo e imersivo do que nas mídias tradicionais (jornal, rádio e TV), podendo levar a novas formas de retenção da notícia. De acordo com os autores citados nesse trabalho, a remidiação não surge com a mídia digital. A criação de novas mídias sempre veio acompanhada de uma reformulação de técnicas, formatos e linguagens dos meios anteriores, mas esse processo nunca foi tão acelerado e de tamanha proporção como na web. Por isso, estudos mais aprofundados que ultrapassariam o escopo do presente artigo, envolvendo número maior de amostras e aspectos de produção, podem ajudar a ampliar o conhecimento e a utilização dessa nova ferramenta tanto na academia como na prática profissional.
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Jornalista, mestranda em Jornalismo na UFSC, Florianópolis, SC