Quem acha que uma boa biografia não pode deixar transparecer o entusiasmo do autor em relação ao biografado fará bem em manter distância deste livro sobre o jornalista Ricardo Kotscho. Mais do que uma biografia, é um livro-tributo. Os autores não apenas deixam clara sua condição de fãs como registram toda a admiração que Kotscho provoca também em seus pares. Ele é quase uma unanimidade entre jornalistas de várias formações e diferentes posições políticas.
Para começar, há duas apresentações, uma de Clóvis Rossi e outra de Eliane Cantanhêde. E, ao longo de todo o livro, os elogios vêm de William Waack, Augusto Nunes, Ricardo Setti, Ruy Castro, Mino Carta e Carlos Brickmann, entre outros. Não é raro alguém dizer que Kotscho é o melhor repórter de sua geração ou revelar que gostaria de ter seu talento. Desafeto identificado pelo nome há só um – Boris Casoy, devidamente ouvido pelos autores sobre as queixas e acusações do biografado. Pode-se adiantar que o livro não foi visto por nenhum dos dois como oportunidade para fazer as pazes.
Talvez não fizesse mesmo sentido uma biografia distanciada de alguém que sempre foi identificado pela emotividade – mesmo que o livro, cujo subtítulo é ‘O Jornalismo de Ricardo Kotscho’, praticamente fale apenas de seu trabalho, passando ao largo da vida pessoal. Acontece que, como informa Eliane Cantanhêde, ‘o estilo Kotscho de ser refletiu-se no estilo Kotscho de escrever’. E Augusto Nunes se permite dizer que ‘a diferença entre o Kotscho e os outros é que ele escreve com o coração’.
Alguns escorregões
Os autores do livro, Mauro Junior e José Roberto de Ponte, são jornalistas jovens, mas nostálgicos de um tipo de jornalismo que eles não conheceram e, como concorda a maioria dos entrevistados, não existe mais. Descreve-se uma época romântica que Kotscho teria encarnado como ninguém, na pessoa do jornalista que sai da redação procurando a notícia inesperada. Sua lição é: ‘Dê uma de artista e faça de conta que você está com a melhor matéria do dia na mão. Pegue só o tema que lhe deram, esqueça o resto da pauta e vá à luta.’
Kotscho não gosta das versões oficiais nem de fazer denúncias. Prefere os personagens desconhecidos aos poderosos. É autor daquele tipo de reportagem que, como ele mesmo ironiza, ficou conhecida como ‘matéria leve, matéria de clima ou ambiente, matéria de `side´, ou seja, história paralela e, mais tarde, matéria brega’. Mesmo assim, seus depoimentos e textos reproduzidos no livro cobrem partes imensas da história do Brasil (além de uma Copa do Mundo e a morte de um papa), a começar pelo assassinato do operário Manoel Fiel Filho durante a ditadura militar, revelado por ele, até as greves do ABC e as Diretas Já, chegando, finalmente, à sua experiência como secretário de Imprensa do presidente Lula – talvez o trecho mais interessante do livro, quando Kotscho passa de mestre a aprendiz, vivendo conflitos intensos.
Um aspecto interessante da rotina de trabalho do jornalista quando trabalhava em redação era fazer seu editor ouvir tudo o que ele havia recolhido na rua, esperando contribuições. É exatamente isso o que mais falta neste livro – um bom trabalho de edição. Já no primeiro e curto capítulo, alguns escorregões dos autores fazem temer pelo que pode vir depois: o colégio Santa Cruz é qualificado como ‘de ideologia canadense’, David Nasser é identificado como ‘grande jornalista’ e informa-se que o largo 13 de Maio fica no ‘centro de São Paulo’. Embora em concentração menor, o livro ainda vai incorrer em várias outras confusões, incorreções e perdas de sentido antes de chegar ao fim.
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Jornalista