Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Verdades sobre a Inconfidência mineira

Muitos têm a visão romântica do ideal de libertação de Tiradentes e os demais comandados por ele. Mas a história não é bem essa. Pior é saber que todos os brasileiros aprendem isso na escola, enquanto ingleses, como o brasilianista Kenneth Maxwell, sabem muito mais de nossa história do que nós mesmos. Quem quiser aprender a fundo sobre o assunto, leia livros como A devassa da devassa : a Inconfidência Mineira: Brasil-Portugal – 1750-1808 (Conflicts and Conspiracies: Brasil & Portugal 1750 – 1808), deste brasilianista. Aqui vai um brevíssimo resumo.

Minas Gerais vinha entrando em crise econômica com o ouro acabando. A coroa portuguesa não admitia reduzir os impostos. Estava cada vez mais difícil de se atingir a cota de 100 arrobas que Minas pagava anualmente à coroa. Esta cota era arrecadada através do quinto, a quinta parte das explorações. A coroa jogou duro e ameaçou implantar a derrama, um imposto extra cobrado de toda a população até atingir as 100 arrobas. O clima ficou pesado. Muitos estavam insatisfeitos, dentre eles um grupo de intelectuais que havia retornado da Universidade de Coimbra, em Portugal. Daí começou a Inconfidência Mineira. Os principais ‘cabeças’ do movimento eram:

**Cláudio Manoel da Costa – advogado;

**Tomás Antonio Gonzaga – poeta e ouvidor de Vila Rica (filho de magistrado);

**Carlos Correia de Toledo – rico dono de escravaria, fazendas e lavras;

**Luís Vieira da Silva – padre erudito e atencioso;

**Alvarenga Peixoto – exerceu cargo de Juiz de Fora em Sintra e foi senador.

Por que, o bode expiatório?

Onde entra o Tiradentes nessa história? Joaquim José da Silva Xavier, apesar do longo tempo de serviço, era apenas um alferes (antiga denominação militar a um posto de oficial subalterno) e comandava um destacamento que patrulhava a estrada para o Rio de Janeiro (Dragões de Minas). Fracassou na exploração de minas de ouro e exercia extra-oficialmente a profissão de arrancar dentes, substituindo por outros feitos de osso, de onde veio o apelido. O governador Cunha Menezes tinha muitos de seus favoritos envolvidos no contrabando de diamantes (ainda tem quem acredite que a corrupção no Brasil foi inventada em 2002) e colocou seus favoritos no comando dos Dragões, tirando o posto do Tiradentes. Este, indignado com a perda do comando e a falta de promoção, falava abertamente em rebelião. Consta que o governador, ao ser informado de suas declarações subversivas, considerou-as apenas ‘a tagarelice ciumenta de um mariola’. O governador corrupto foi substituído em 1788 pelo visconde de Barbacena. Tiradentes, em oposição ao governo, passou a integrar o grupo de conspiradores.

Outro famoso personagem, Joaquim Silvério dos Reis, tinha uma grande dívida com o governo (considerado o homem mais endividado da capitania) e entrou no movimento com o objetivo de zerar sua dívida, após a tomada de poder. Posteriormente, descobriu outra forma de obter o perdão de sua dívida, denunciando os demais. Como pode ser visto, o movimento começou a fracassar desde o início, pois foi formado por pessoas com objetivos distintos e não tinha coesão. Joaquim Silvério foi o elo mais fraco da corrente: se ele só queria escapar da dívida, não seria fiel ao movimento caso achasse outro meio de conseguir isso, como fez.

Após a denúncia de Joaquim Silvério, o movimento foi facilmente desconstituído. A Inconfidência Mineira não foi um movimento popular; visava ao fim da opressão portuguesa, que prejudicava a elite mineira. Mas se o modesto Tiradentes nunca esteve plenamente a par dos objetivos mais amplos do movimento, por que foi transformado em bode expiatório?

Assumiu muito mais do que devia

Tiradentes foi o bode expiatório do movimento porque:

**como diziam, não era pessoa que tinha figura, nem valimento, nem riqueza (coincidência ou não, todas as outras penas aos demais foram convertidas em banimento do país).

**por ser um dos mais entusiasmados do movimento, foi citado em quase todos os depoimentos dos presos, o que confirmou sua participação no movimento;

**reclamou pra si, nos depoimentos, a responsabilidade exclusiva pela Inconfidência.

Tiradentes foi herói. Enfrentou a morte com tranquila dignidade. Em comparação com seus companheiros de conspiração, teve comportamento exemplar ao ser julgado. Enquanto muitos negavam tudo, ele assumiu muito mais do que devia, garantindo o lugar na história.

******

Engenheiro, Rio de Janeiro, RJ