Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Vida de jornalista em Israel

A mídia de Israel destacou, mas não se entusiasmou com a libertação do jornalista britânico Alan Johnston. ‘Estão todos focados no soldado israelense Gilad Shalit’, diz o correspondente free-lancer da Rádio França Internacional em Jerusalém, Carlos Reiss, em referência ao militar seqüestrado por um grupo ainda não identificado. Mestrando em Relações Internacionais, Reiss vive há três anos na capital israelense. Ele é mineiro de Belo Horizonte, formou-se em jornalismo na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e mantém o vínculo com o Brasil por meio de um blog em que conta, entre outras experiências, o dia-a-dia dos habitantes dessa pequena mas importante porção do Oriente Médio. Recentemente escreveu sobre a sua página para a ótima edição da revista Aventuras na História (Editora Abril) acerca dos 60 anos da criação do Estado de Israel.

Na entrevista a seguir, o brasileiro analisa o trabalho jornalístico em Israel e nos territórios administrados pelos palestinos; considera ‘imediatista’ a cobertura, em geral, realizada pelos veículos estrangeiros; relata as circunstâncias dos seqüestros dos jornalistas; e analisa o grau de liberdade de imprensa na região: ‘O israelense é um sujeito que não tem papas na língua, e os jornais traduzem muito bem isso’.

***

Como tem repercutido a libertação do jornalista Alan Johnston?

Carlos Reiss A libertação de Alan Johnston foi assunto de destaque em todos os telejornais israelenses. Mas nem a imprensa nem a população entraram em euforia. Porque estão todos focados no soldado israelense Gilad Shalit, mantido em cativeiro há um ano. Muito se fala aqui em Israel sobre a tentativa do grupo Hamas em querer mostrar ao mundo que não é apenas um movimento extremista (ou, para muitos, terrorista), mas que também sabe ser pragmático e resolver crises. Comentaristas israelenses têm dito que a ação do Hamas tem como objetivo instigar os rivais do Fatah na luta por prestígio também perante os palestinos. Porém, a imprensa israelense recebeu a notícia com ceticismo e preferiu não prever quais serão os próximos passos do Hamas.

A esperança é que também termine bem o seqüestro do soldado israelense. A princípio, Israel responsabilizou o Hamas pelo seqüestro, porém ainda desconhece o paradeiro do soldado e quem realmente o mantém em cativeiro. É claro, existem os otimistas e os pessimistas, aqueles que acham que o Hamas vai seguir essa linha de ‘mudança de imagem perante o mundo e busca de prestígio interno’ e aqueles que pensam que ambos os governos vão endurecer o jogo e não haverá acordo. O fato de o jornalista ter sido libertado, porém, reforçou as esperanças de que Gilad Shalit seja libertado o mais breve possível, ou que pelo menos seja criado um clima menos tenso para negociações.

É comum na região o seqüestro de jornalistas?

C.R. Os seqüestros de jornalistas dão-se em condições e circunstâncias muito especiais. Infelizmente não tenho dados concretos, mas não é difícil perceber que as ações são raras, ocorrem única e exclusivamente na Cisjordânia e Gaza e são extremamente políticas.
Hoje em dia, o fato de existirem vários grupos armados em Gaza não garante a segurança de nenhum jornalista.

Na Guerra da Bósnia, por exemplo, era comum o assassinato de jornalistas por franco-atiradores. Como é a situação por aí? Há grupos que simplesmente atiram nos jornalistas?

C.R. Nunca ouvi falar disso. As ações de seqüestro são totalmente políticas. A não ser que seja por alguma situação específica, não acredito nesse tipo de ação. Até porque nunca ouvi falar de um jornalista que tenha sido assassinado em Israel, na Cisjordânia ou em Gaza por franco-atiradores.

‘Cobertura é como novela das sete’

Como você observa a liberdade de imprensa na região?

C.R. É preciso diferenciar entre as condições de trabalho em Israel e aquelas exercidas nos territórios administrados pelos palestinos. Em Israel, não há um dia sequer que a liberdade de imprensa não seja reverenciada. Basta folhear os jornais e ler denúncias, escândalos (como o do ex-presidente Katzav), investigações e opiniões. E digo porque o israelense é um sujeito que não tem papas na língua, e os jornais traduzem muito bem isso.
Em todos os outros regimes na região (incluindo o palestino) é muito difícil falar em liberdade de imprensa. Ainda mais numa época em que grupos rivais disputam o poder e cada opinião pode ser uma sentença de morte.

Existe, no cotidiano, uma ‘guerra de versões’ entre os veículos que propagam as chamadas causas palestina e israelense?

C.R. No resto do mundo existe, apesar de achar que é uma parcela muito pequena do que é publicado em termos dos grandes veículos de comunicação de massa. Jornalecos de esquina sempre vão existir. No próprio centro de qualquer cidade brasileira é possível parar em frente a uma banca de jornal e adquirir desde periódicos (quase panfletos) que conclamam pelo ‘fim do estado nazista-sionista-terrorista do carniceiro Olmert [Ehud Olmert, primeiro-ministro israelense]’ até boletins que sugerem a expulsão de todos os árabes de Israel. Os grandes jornais não fazem muita coisa a não ser republicar as matérias das grandes agências. Em Israel essa ‘guerra de versões’ é muito pouco sentida.

Como os veículos estrangeiros, notadamente os ocidentais, têm reportado e analisado os conflitos no Oriente Médio, no que se refere à qualidade da cobertura e à exatidão das informações?

C.R. Esse é um assunto complicado e que exige mais que uma análise superficial sobre como é a cobertura dos conflitos. É claro que cada grupo vai sempre apontar que as reportagens são tendenciosas e que favorecem o outro interessado. Com algumas poucas exceções (e isso é fácil perceber), não acredito nessa ladainha de imprensa pró-isso e anti-aquilo. O grande problema é que a cobertura hoje em dia é muito imediatista e a velocidade da informação e das publicações não permite uma análise mais profunda sobre o que está acontecendo. Posso dar um exemplo. É muito comum observar manchetes nos grandes jornais como ‘Homem-bomba palestino mata cinco em mercado israelense’ ou ‘Exército israelense bombardeia Gaza e mata vinte’.

Os grandes veículos simplesmente têm dificuldade de encontrar tempo, espaço e também didática para contextualizar a situação, explicar os porquês, dar nome aos bois e apresentar um aparato histórico. Por isso a cobertura do conflito é imediatista. Ontem morreram três de um lado, hoje mais quatro do outro, e por aí vai. E a cobertura vai seguindo os moldes de uma novela das sete, aquela em que o público vai acompanhando o dia-a-dia – e não interessa muito aquilo que passou. Aliás, ele nem se lembra exatamente do capítulo de ontem. Porque não interessa mais.

******

Jornalista