A duas semanas de completar 88 anos, o americano Joe Wallach esbanja vitalidade. Finaliza a maioria das frases com uma gostosa gargalhada. Inteiramente lúcido, estuda história entre jovens na UCLA (Universidade da Califórnia, em Los Angeles), joga golfe, viaja o mundo. Agora, está uma vez mais no Brasil, onde lança hoje à noite (25/8), no Rio, seu livro de memórias, Meu Capítulo na TV Globo (Topbooks). Não são memórias quaisquer. Wallach foi crucial na construção da TV Globo. Se Walter Clark e Boni arquitetaram o conteúdo e a programação dos primórdios da emissora, Wallach foi, desde o início, o executivo das finanças e da administração.
Tornou-se, por isso, amigo íntimo de Roberto Marinho e é até hoje reverenciado pelos filhos do criador da Globo, que hoje dirigem a empresa. Em depoimento na contracapa do livro, Roberto Irineu Marinho, presidente das Organizações Globo, agradece ao “amigo e companheiro”. Joe Wallach já havia lutado na Segunda Guerra Mundial – foi ferido na Bélgica em 1945 – quando chegou ao Brasil em 1965 para ser o representante da Time-Life na parceria que o grupo americano fizera com a Globo. Foi o dinheiro da Time-Life que permitiu à emissora iniciar as atividades naquele ano, o que gerou um levante nacionalista contra o negócio, até porque as leis do país vetavam participação estrangeira na radiofusão.
Capitaneado por Carlos Lacerda e Assis Chateaubriand, o movimento culminou numa CPI na Câmara dos Deputados em Brasília. Apesar de a CPI e o Conselho Nacional de Telecomunicações concluírem que o acordo era inconstitucional, dois presidentes militares (Castello Branco e Costa e Silva) depois o validaram. Nas memórias, Wallach defende que a Globo não foi beneficiada pelo regime militar. O livro deixa claro, entretanto, que a Time-Life foi bem mais do que um parceira técnica e que Wallach, desde o início, teve autonomia para atuar dentro da emissora – ao contrário da tese dos parceiros de que os americanos dariam só suporte técnico. Wallach conta que a Time-Life teve prejuízo na operação e que ele convenceu Roberto Marinho a comprar, em 1969, a parte dos americanos. Segundo o livro, o grupo investira US$ 5 milhões na Globo (cerca de US$ 30,8 milhões em valores de hoje) e acabou vendendo sua parte por R$ 3,8 milhões (US$ 23,4 mi).
“Descobrir o significado da vida”
Instado a qualificar seu papel na construção da Globo, Wallach de início hesita. “Não gosto de me promover”, diz, num português quase fluente e com forte sotaque. Mas logo diz que: 1) saneou a empresa (“Quando cheguei, havia dívidas enormes”); 2) buscou talentos (“Localizei Walter Clark”); 3) implantou o conceito de orçamento; 4) deu a estrutura de organização, criando centrais; 5) coordenou a equipe (“Havia muitos jovens com talento, mas várias brigas entre os departamentos”).
Pelo livro sabe-se ainda que ele implantou bônus para executivos e plano de saúde para funcionários. “E eu era”, afirma Wallach, “o homem mais ligado a Roberto Marinho. Então, ele sempre me ouviu.” Almoçavam juntos diariamente. Num discurso em 1998, o empresário diz que Joe o conquistou, entre outras várias virtudes citadas, “pelo zelo escrupuloso com que tratava, em pé de igualdade, tostões e milhões”.
Quando decidiu voltar aos EUA, em 1980, a contragosto de Marinho e abrindo mão de um salário em torno de US$ 1 milhão por ano, Wallach alegou que precisava ficar perto da família e queria “descobrir o significado da vida”. Hoje, admite que não se devotou tanto à família e conta, às gargalhadas, que ainda tenta achar o sentido da vida.
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[Fábio Victor é da Redação da Folha de S.Paulo]