Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas
Nada. Mais nada, mesmo. Do turbilhão que vêm causando na opinião pública, ao redor do mundo, as informações secretas sobre a interferência do então juiz federal Sergio Moro no trabalho dos procuradores da República na operação Lava Jato, nada causa tanta irritação no governo federal quanto a maneira como estão vindo a público as denúncias, texto de conversas que aconteceram entre eles pelo aplicativo Telegram: a conta-gotas. Isso ficou claro durante as oito horas em que o atual ministro da Justiça e Segurança Pública, o ex-juiz Moro, prestou depoimento na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Nas últimas três semanas, com intervalos de cinco a oito dias, o site vem divulgando conversas mantidas pelo então juiz Moro com os procuradores da operação, em especial com Deltan Dallagnol, um dos construtores da fama da Lava Jato como símbolo do combate à corrupção.
O depoimento de Moro foi transmitido ao vivo pela TV Senado e por outros canais comerciais, entre eles a GloboNews. Eu assisti 98% das oito horas e pouco do tempo em que durou a conversa do ministro com os senadores. Não vou entrar no conteúdo dos debates e das denúncias feitas pelo site, por estar tudo disponível na internet. Meu foco é falar com os colegas, repórteres jovens que trabalham nas redações e precisam fazer cinco ou seis pautas por dia. Uma vez ou outra, cai no colo deles esse tipo de assunto e eles precisam saber o que estão falando com o entrevistado. Também converso com os estudantes de jornalismo. Sou um velho repórter estradeiro que já viu coisas “que até Deus duvidaria se existem mesmo”, como diz o dito popular. E tenho um currículo de trabalho bem denso, que me autoriza a chamar a atenção dos colegas. No andar da vida, tenho 68 anos e quarenta e poucos de repórter; aprendi que o tempo de profissão e o currículo não significam sabedoria. Apenas que você tem boa saúde e é um cara esforçado. A sabedoria na nossa lida reporteira vem do debate constante entre as várias gerações de repórteres. É dentro dessa ótica que sigo conversando.
A única coisa concreta que se sabe sobre o volume de informações em poder do site é que ele é “grande”. E que o Intercept se reserva o direito constitucional de não revelar suas fontes. Mas as informações têm o carimbo do jornalista americano Glenn Greenwald, dono de um vasto currículo – disponível na internet. A estratégia de divulgar as informações a conta-gotas tem a ver com volume de material. Isso Moro sabe. Durante a sua conversa, ele sugeriu várias vezes que todo o material fosse entregue para o Senado. Daí, poderia responder tudo de uma vez só e terminar com o “sensacionalismo”, como classificou o conta-gotas do site. Como nós, repórteres, sabemos: o que ministro sugeriu “não existe”. Lembrando um repórter que encontrei pela estrada da vida: “é como estar em uma guerra e dar a tua arma carregada e engatilhada para o inimigo”. Portanto, as informações vão continuar sendo publicadas a conta-gotas. Isso significa que, todos os dias, Moro vai ter que olhar no site para ver o que eles estão publicando. É como se tivesse uma espada presa por um fio acima de sua cabeça. Enquanto durar essa situação, os jovens repórteres precisam ficar atentos para evitar pisar em uma casca de banana – um dado duvidoso que uma autoridade finge deixar escapar em uma conversa e que começa a circular como se verdade fosse. Uma coisa dessas pode acabar com uma carreira, eu já vi acontecer. Vivemos um grande momento da nossa profissão.
Há outro assunto que Moro repetiu várias vezes durante a sua conversa com os senadores, mesmo quando não era perguntado: quando houve o convite para ele virar ministro. Oficialmente, a história que se sabe é que, em 2017, ele condenou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP) a nove anos e meio por corrupção e lavagem de dinheiro. No ano seguinte, 2018, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), com sede em Porto Alegre, confirmou a sentença e a ampliou para doze anos. Foi uma condenação em segunda instância, o que impediu Lula de concorrer à presidência da República e determinou sua prisão. Na ocasião, Lula estava à frente do atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL-RJ), nas pesquisas de opinião. Durante a conversa com os senadores, Moro afirmou o que já vem dizendo desde o dia em que aceitou trocar a carreira de 22 anos como juiz federal pelo ministério: o fato de ele ter condenado Lula não tem nada a ver com o fato de ter aceitado o convite para ser ministro do maior adversário político do ex-presidente da República.
Até agora, todas as informações que o site tem publicado dizem respeito à interferência do ex-juiz no trabalho dos procuradores, dando dicas sobre como proceder em interrogatórios e coisas do gênero, que são proibidas por lei. Portanto, temos que esmiuçar as informações que vêm por aí do site em busca de pistas a respeito da nomeação do ex-juiz, um assunto que interessa a todo brasileiro.
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Carlos Wagner é jornalista.