Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas
A prisão dos quatro hackers acusados de invadir os celulares de várias autoridades federais não isenta o ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, e o coordenador da força-tarefa da Operação Lava Jato, o procurador Deltan Dallagnol, de responderem às denúncias feitas pelo site The Intercept Brasil. Desde o início de junho, o site vem publicando a conta-gotas textos de mensagens trocadas pelo aplicativo Telegram entre o então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR), Dallagnol e outros procuradores da Lava Jato. Entre outras coisas, o conteúdo das conversas revela a interferência de Moro no trabalho dos procuradores, o que é proibido por lei. Sobre o caso dos hackers, há um vasto material disponível na internet.
Até a prisão dos hackers, Moro e Dallagnol estavam encurralados pelas denúncias do The Intercept. O caso colocou no centro do episódio a questão de como as informações chegaram ao site. Desde o início das denúncias, os responsáveis pelo The Intercept evocam seu direito constitucional de não revelar a fonte. As informações têm o carimbo de garantia do repórter americano Glenn Greenwald, dono de um extenso e respeitável currículo – disponível na internet.
Antes de seguir contando a história, abro um parêntese. Sou um repórter veterano, tenho 68 anos de idade e quarenta de profissão, sendo trinta e poucos em redação, e sempre andei por aí cobrindo conflitos. Aprendi que, em uma situação de conflito, o repórter deve evitar ficar preso no meio do fogo cruzado entre as partes. Deve procurar se posicionar em um lugar de onde possa ver o cenário todo. Isso evita escrever besteira para o leitor. Nesse caso, o que interessa para o nosso leitor? São três assuntos.
O primeiro: o The Intercept revelou que Moro e os procuradores, especialmente Dallagnol, agiram como se fossem um juiz de futebol combinando o resultado da partida com os bandeirinhas. O que aconteceu na 13ª Vara Federal, em Curitiba, acontece em outros tribunais ou foi uma exceção? A Justiça Federal precisa dar essa explicação.
O segundo assunto: o então juiz Moro sentenciou a nove anos e meio por corrupção e lavagem de dinheiro o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP). A sentença foi confirmada e ampliada para doze anos pelos desembargadores do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), em Porto Alegre (RS). Por ser uma condenação em segunda instância, Lula foi preso e impedido de concorrer à Presidência da República, para a qual era líder das pesquisas de voto. Elegeu-se o seu adversário Jair Bolsonaro (PSL-RJ). Moro desistiu de uma carreira de 22 anos como juiz e aceitou o convite para ser ministro do presidente eleito, Jair Bolsonaro. Essa história está mal contada.
E, por último, interessa ao nosso leitor a preservação da liberdade de imprensa. Faz parte do jogo Moro e Dallagnol tentar desqualificar as denúncias do site. Tentar desviar o foco da cobertura da imprensa. Vazar informações para jornalistas considerados “amigos”. Não é do jogo Moro usar o seu cargo para “dar indiretas” para jornalistas, como foi o caso da portaria 666, que permite a deportação sumária de estrangeiro perigoso. É um recado para o nosso colega Glenn Greenwald. Alguém tem que lembrar ao ministro Moro que a liberdade de imprensa não nos foi dada. Nós a conquistamos em uma longa, dura e encarniçada luta contra o regime militar (1964 a 1985). Nessa luta, colegas nossos foram torturados, mortos, perderam seus empregos e foram deportados. Nós, repórteres, consolidamos a liberdade de imprensa a cada matéria que publicamos. O The Intercept está fazendo o seu trabalho: escrevendo a história secreta da Lava Jato. Pelo que já foi publicado, Moro e Dallagnol tem que se explicar. É simples assim.
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Carlos Wagner é jornalista.