Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas
O presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL-RJ), é um cara esperto. Engana-se o colega repórter que achar que ele é político despreparado. Nas três décadas de parlamentar, ele aprendeu a manipular a imprensa. Tanto que se elegeu presidente. E agora estamos sendo manipulados novamente para desviar a atenção da grande crise ética que se instalou no governo. Essa descrição é a que melhor se ajusta para explicar o que está acontecendo atualmente. Vamos aos fatos, como falavam os velhos repórteres dos tempos em que o som cadenciado das máquinas de escrever preenchia o ar nublado pela fumaça dos cigarros nas redações dos jornais.
O que aconteceu nos últimos dez dias? Bolsonaro ofendeu a repórter Miriam Leitão, da Rede Globo, acusando-a de mentir que foi presa e torturada durante o regime militar (1964 a 1985). Ela fez parte de um encorpado contingente de pessoas presas e torturadas pelos militares – há uma abundância de reportagens e documentos disponíveis na internet. Ofendeu o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), e chamou os nordestinos de “paraíbas”. Voltou a atacar a grande imprensa, lembrando que, agora, o poder da comunicação está com as redes sociais. Falou que estava pensando em acabar com a multa de 40% paga nas demissões sem justa causa pelos patrões ao fundo de garantia. Todas essas notícias inundaram os noticiários. Nesses sete meses de governo, Bolsonaro já falou muitas grosserias. Mas jamais tinha feito em tal volume como nos últimos dez dias.
Uma olhada no conteúdo dos noticiários mostra que as notícias relacionadas às grosserias de Bolsonaro empurraram para o canto dois assuntos que estão encurralando o governo federal. O primeiro são as denúncias feitas pelo site The Intercept Brasil, com a publicação de textos postados no aplicativo Telegram que mostram o então juiz federal Sergio Moro, da 13ª Vara de Curitiba (PR), tendo conversas ilegais com procuradores da República da força-tarefa da Operação Lava Jato, especialmente com o coordenador, Deltan Dallagnol – há um vasto material disponível na internet. Por conta da fama da operação, Moro e Dallagnol viraram heróis nacionais contra a corrupção. Devido ao grande volume de informações, o site vem publicando as denúncias a conta-gotas. Como se fosse ácido, as gotas estão desmanchando a imagem de heróis de Dallagnol e Moro, que abandonou uma carreira de 22 anos como magistrado para ser ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro.
O segundo assunto é uma adaga que o presidente tem pendurada por um fio acima da cabeça. Um dos seus filhos, Flávio, está sendo investigado de ter recebido parte dos salários que eram pagos aos funcionários de seu gabinete quando era deputado estadual no Rio de Janeiro. Ele se elegeu senador. O caso voltou às manchetes dos noticiários por conta de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF). E por conversas que Dallagnol teve com seus colegas procuradores da Lava Jato sobre o assunto – há matérias na internet. Dos meus quarenta e poucos anos como repórter, uns trinta e alguns meses foram em redação de jornal. Portanto, sei que, quando o presidente fala coisas absurdas, vai para a manchete do noticiário. Os colegas americanos tiveram e têm o mesmo problema com o presidente Donald Trump, ídolo de Bolsonaro. Há um setor da imprensa bem vulnerável a essas manipulações. Conheço profundamente o Brasil de ponta a ponta e lado a lado, principalmente o interior e as cidades ao redor das capitais. Nesses locais, os principais meios de comunicação ainda são os noticiários das rádios e das redes de TV (abertas). A maioria dessas redações é formada de repórteres jovens, mal pagos, com uma carga de trabalho enorme e com carência de estrutura para fazer apuração das matérias. Portanto, eles são mais vulneráveis à manipulação. O que eles noticiam, os leitores jogam nas redes sociais. É simples assim.
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Carlos Wagner é repórter.