Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Moro usa a teoria da conspiração para se defender do conta-gotas do Intercept Brasil

(Foto: Agência Pública)

Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas

O Sergio Moro que prestou depoimento no Senado durante oito horas, há duas semanas, estava um pouco nervoso. Mas amarrando bem suas respostas às perguntas dos senadores. O Sergio Moro que prestou depoimento na terça-feira (2 de junho) na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados era outro; demonstrava estar com os nervos à flor da pele e faltou convicção em muitas das respostas que deu aos questionamentos dos parlamentares. “Ele acusou o golpe” é a expressão que melhor descreve a situação, usada pelos narradores de lutas de boxe quando descrevem que um dos lutadores recebeu um soco forte e se refugiou em um canto do ringue. Desde o início do mês passado, o site The Intercept Brasil vem divulgando conversas do então juiz Moro, da 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR), pelo aplicativo Telegram com os procuradores da operação Lava Jato. Nas conversas, ele orienta o trabalho dos procuradores, o que é proibido por lei.

Os textos das conversas publicados pelo site, até agora, não tirariam Moro do sério se não fosse pelo contexto. Como juiz, ele condenou a nove anos de pena o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva. A pena foi confirmada e ampliada para doze anos pelos desembargadores em segunda instância, o que significou o encarceramento de Lula e o impedimento de concorrer a presidente da República quando era líder nas pesquisas de opinião. Seu principal adversário se elegeu presidente: Jair Bolsonaro (PSL–RS). Moro abandonou uma carreira de 22 anos como juiz e tornou-se ministro da Justiça e Segurança Pública de Bolsonaro. Diálogos já publicados pelo site mostram o então juiz conversando com os procuradores sobre o processo de Lula. Essas conversas têm alguma coisa a ver com o fato de ele ter se tornado ministro do maior adversário do ex-presidente?

Antes de seguir contando a história, eu quero chamar a atenção dos jovens repórteres. Especialmente daqueles que trabalham em redação e fazem várias pautas por dia, portanto com pouco tempo para refletir. Antes do depoimento de Moro na Câmara dos Deputados, a estratégia de defesa dele era afirmar que as informações foram conseguidas de maneira ilegal e que, portanto, o material publicado pelo site é suspeito. Na terça, ele mudou essa estratégia. Passou a acusar o site de estar publicando conteúdos conseguidos com o objetivo de destruir provas usadas pela Lava Jato para condenar várias pessoas por corrupção, lavagem de dinheiro e outros crimes. Isso é teoria da conspiração. Todos sabem que as condenações dos réus da operação foram confirmadas por desembargadores e ministros. O que vem sendo divulgado pelo site tem a ver com o caso Lula. E com a maneira como ele se comportou no andamento do processo. E se esse comportamento influenciou no direito do ex-presidente de ter um julgamento justo?

A conversa de Moro com os deputados virou confusão. Não descrevo o rolo por existir uma abundância de material disponível na internet. Mas um fato passou despercebido pela maioria dos colegas repórteres, creio que devido à confusão que se tornou o depoimento. No meio de suas respostas, o ex-juiz citou que preparou-se para uma anunciada grande bomba a ser noticiada no site. “Cadê a grande bomba?”, perguntou. O site publicou conversas entre os procuradores sobre a ida do ex-juiz para o ministério de Bolsonaro. The Intercept vem publicando as informações a conta-gotas, devido ao grande volume de material que tem em seu poder. Nada tem irritado tanto Moro quanto esse conta-gotas do site. Eu tenho insistido na contextualização das informações sobre esse episódio por entender que ele tem uma importância fundamental para explicar ao nosso leitor um episódio importante, que foram as mudanças desencadeadas na vida econômica, na política e nos costumes sociais pela Lava Jato. O material que vem sendo publicado pelo site é o que acontecia entre quatro paredes na operação. Uma história, portanto, que ainda não tinha sido escrita. É simples assim.

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Carlos Wagner é jornalista.