Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas
Fiz o tema de casa. Li o livro do Janot. Nada Menos Que Tudo tem um texto simples e direto e conserva, ao longo das suas 245 páginas, um encadeamento de fatos narrados como se fossem um filme de ação, o que torna a leitura interessante a cada página. O ex-Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, 63 anos, escreveu o livro em parceria com o jornalista Jaílton de Carvalho. Eles narram os bastidores da Operação Lava Jato, que tornou-se símbolo de combate à corrupção no Brasil. Para nós, repórteres, o livro é como se fosse um garimpo onde se encontram informações que podem ajudar a lançar luzes nos cantos escuros que envolvem a atuação dos principais operadores da Lava Jato – procuradores da República, agentes da Polícia Federal (PF) e técnicos da Receita Federal.
Para facilitar a conversa com estudantes de jornalismo e com os jovens repórteres, que estão na correria do dia a dia das redações, vou organizar a nossa conversa de maneira didática. Então, vamos aos fatos – como diziam os velhos repórteres dos tempos em que as redações eram inundadas pelo som dos teclados das máquinas de escrever e pelo ar pesado da fumaça dos cigarros.
A Lava Jato pode ser dividida em duas partes, que podemos chamar de andar de baixo e andar de cima: no andar de baixo, funcionam a 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), que até 2018 tinha o então juiz Sergio Moro como titular, e a força-tarefa dos procuradores da República, coordenada pelo procurador Deltan Dallagnol. Na 13ª Vara são julgados os acusados na Lava Jato que não têm foro privilegiado – ministros e parlamentares respondem ao Supremo Tribunal Federal (STF). Ali foram julgados grandes empreiteiros, doleiros e o preso mais ilustre da operação, o ex-presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT-SP).
Em julho de 2017, Moro condenou Lula a nove anos e seis meses de prisão no caso do triplex de Guarujá, cidade do litoral paulista. A sentença foi confirmada e ampliada para doze anos pelos desembargadores da 8ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), que funciona em Porto Alegre (RS). Por ser uma condenação em segunda instância, Lula foi preso e impedido de concorrer às eleições presidenciais de 2018, em que era líder nas pesquisas de intenção de votos – o que beneficiou seu maior concorrente, o atual presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL-RJ). No final de 2018, Moro abandonou uma carreira de 22 anos como juiz federal para se tornar ministro de Bolsonaro. Os bastidores dessa história são desconhecidos até os dias de hoje.
A outra parte da Lava Jato, a do andar de cima, funciona na Procuradoria-Geral da República (PGR), em Brasília (DF), e trata com os suspeitos que têm foro privilegiado. O livro narra fatos do período em que Janot ocupou o cargo de Procurador-Geral da República, entre setembro de 2013 e setembro de 2017. A lista de parlamentares que Janot determinou que fossem investigados é longa e inclui até o presidente da República na época, Michel Temer (MDB-SP) – procure na internet a lista de Janot. Aqui chegamos ao trecho mais importante da nossa história, que é a busca de informações, no livro, sobre as denúncias feitas pelo repórter americano Glenn Greenwald no site The Intercept Brasil. Desde junho, o site vem publicando a conta-gotas a troca de mensagens pelo aplicativo Telegram entre os procuradores da República da Lava Jato em Curitiba e o então juiz Moro – há imenso material disponível na internet. Janot era o chefe dos procuradores de Curitiba. Em 15 de junho, publiquei o post As conversas entre Moro e os procuradores da Lava Jato chegaram à Procuradoria-Geral da República?
O livro não responde a essa pergunta de maneira direta. Mas tem importantes informações sobre o relacionamento de Janot com o coordenador da força-tarefa, Deltan Dallagnol. Em pelo menos duas oportunidades, ele ameaçou Janot com a demissão em massa dos procuradores da força-tarefa. Se isso acontecesse, a Lava Jato teria sérios problemas, principalmente o andar de cima. Em 2016, Dallagnol tentou emparedar Janot, exigindo que a denúncia contra o PT fosse a primeira da longa fila dos parlamentares envolvidos com corrupção. A exigência era para reforçar a tese de que Lula era o líder de uma quadrilha que havia saqueado a Petrobras. Tese que havia sido defendida por Dallagnol em um polêmico power point apresentado a jornalistas em setembro de 2016 – há farto material na internet. Janot não concordou e houve um bate-boca.
O livro mostra que Dallagnol batia de frente com Janot, que era seu chefe. E as mensagens publicadas pelo site The Intercept revelam que era dócil com o então juiz Moro. Por que? É uma pergunta que temos que responder ao nosso leitor. Sobre Moro, Janot menciona o nome do ex-juiz poucas vezes. Mas deixa bem claro que foi assediado por parlamentares para ocupar cargos, incluindo concorrer à vice-presidência. E não aceitou. Há muitas informações nas entrelinhas do livro. Sugiro aos professores dos cursos de jornalismo que façam um exercício com seus alunos. Peguem um acontecimento, tipo a prisão do Lula. Cruzem as informações do livro com as publicadas pelo The Intercept e o conteúdo dos noticiários. Cruzar informações é um dos fundamentos do jornalismo investigativo. É simples assim.
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Carlos Wagner é jornalista.