Publicado originalmente no blog Histórias Mal Contadas
Não dá para deixar passar em brancas nuvens, como diz o dito popular para definir indiferença. É necessário saber e publicar os nomes dos jornalistas que fizeram conchavos com os procuradores da força-tarefa da Lava Jato em troca de informações exclusivas. Esses conchavos prejudicaram os réus e perfilaram o jornalismo ao lado das ilegalidades cometidas pelo então juiz Sergio Moro, da 13ª Vara Federal de Curitiba (PR), compartilhando de maneira ilegítima informações de processos com os procuradores da República que atuam na operação. Os conchavos dos jornalistas e as conversas de Moro com os procuradores fazem parte de um material que vem sendo divulgado desde o meio do ano passado pelo site The Intercept Brasil. Vários órgãos de comunicação, entre eles a Folha de S.Paulo, fizeram um acordo com o site e têm acesso a essas informações, que consistem em mensagens trocadas no aplicativo Telegram e entregues por uma fonte não identificada pelo The Intercept.
A Folha publicou duas matérias. No dia 20 de dezembro, recebi de vários colegas o pedido para ler e me posicionar sobre a reportagem “Mensagens vazadas da Lava Jato indicam favorecimento de jornalistas aliados”. No dia 22, a Folha publicou no caderno Ilustríssima a reportagem “Comunicação premiada”, um material de duas páginas muito detalhado sobre a história dos jornalistas e a Lava Jato. O argumento do jornal para não divulgar os nomes dos colegas envolvidos no caso é sólido e tem lógica: o segredo garantido pela Constituição das conversas entre os repórteres e suas fontes. Esse segredo é um dos pilares da liberdade de imprensa. Com isso, eu concordo.
Mas não concordo que não se publique o nome dos jornalistas envolvidos em três dos casos citados. Em minha opinião, eles não têm nada a ver com a proteção necessária do sigilo entre a fonte e o repórter. O primeiro: em março de 2015, um editor escreveu para o procurador da República e coordenador da força-tarefa da Lava Jato, Deltan Dallagnol, para informar que o filho de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) estava vendendo facilidades no mercado. O editor afirmou que o procurador podia contar sempre com sua colaboração, porque tinham “objetivos comuns.” A segunda: na mesma época, três repórteres procuraram Dallagnol para contar que a assessoria de comunicação que trabalhava para uma empreiteira investigada pela Lava Jato estava alimentando as redações com informações sobre disputas internas da Polícia Federal. Um dos repórteres encaminhou ao então juiz Moro e a Dallagnol um e-mail que recebera da assessoria de imprensa com o comentário de que, no seu entendimento, estavam tentando manipular a imprensa. Terceiro caso: repórteres encaminharam seus textos para Dallagnol ler e mexer no que julgasse necessário, antes de publicá-los.
Por que os colegas exigiram de mim uma posição sobre a decisão de publicar ou não os nomes dos jornalistas envolvidos nesses casos que citei? Sou um velho repórter estradeiro, 69 anos, quarenta de profissão, trinta e poucos vividos em redações de jornais. Por conta de um currículo profissional bem nutrido – disponível na internet -, tomei a liberdade de compartilhar com jovens repórteres, estudantes de jornalismo e com colegas mais velhos os meus acertos e erros profissionais. As tecnologias que desenvolvi na investigação jornalística e dicas para tirar o máximo proveito de uma história. Faço esse compartilhamento de maneira gratuita no meu blog e nas palestras que realizo pelas redações e faculdades de jornalismo no interior do Brasil, que conheço como a palma da minha mão.
Dito isso, vamos ao tema da conversa. Na minha carreira, a maior parte do tempo trabalhei com situações de conflitos. Nesse tipo de cobertura jornalística, os repórteres disputam uma informação exclusiva como se fosse uma pepita de ouro. Além da competição entre os colegas, há o “bafo na nuca do editor”. Essa disputa tem regras, que não estão escritas. Mas que não podem ser pisadas em nome de um furo. A regra de ouro é “não ser leva e traz”. Aquele repórter que usa a sua profissão para espionar um dos lados envolvidos na disputa.
Há outro fato. O repórter não pode manifestar seu apoio a um dos lados. Se o fizer, deixa de ser jornalista e se torna torcida. Portanto, sua matéria se afasta do seu principal foco, que é informar o leitor, e passa a ser um instrumento de doutrinação. O maior de todos os absurdos: jornalistas mandarem seus textos para um dos lados ler e mexer se entender necessário antes de publicá-los. Uma coisa que se aprende na lida diária do jornalismo é em quais colegas se pode confiar e quem é “traíra” – aquele que ouve as nossas conversas e as compartilha com as fontes. Eu já fui vítima de “traíra”. Em uma das ocasiões, por pouco não publiquei uma “barrigada” – uma informação falsa. Como disse: a maioria das regras da nossa profissão não está escrita e também não é ensinada nos manuais das redações. Mas elas existem. Eu trabalho com jovens que estão iniciando na profissão ou se preparando para se tornar jornalistas. Esmiuçar esses casos que citei é importante para a educação deles. Deixo isso registrado, como diziam os repórteres dos tempos das barulhentas máquinas de escrever.
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Carlos Wagner é jornalista.