Um jornal inovador, A Sirene, nasceu no Município de Mariana após o desastre ecológico de novembro de 2015. Produzido com participação dos moradores afetados pelo rompimento da Barragem do Fundão, ele é mensal e custeado com recursos arrecadados pela Arquidiocese de Mariana por ocasião do acidente. O uso das doações para este fim foi decidido pelos próprios atingidos e aprovado pelo Ministério Público de Minas Gerais.
A Sirene conta as histórias das pessoas que tiveram suas vidas impactadas pela ruptura da barragem e pelo mar de lama que arruinou casas, vitimou parentes e destruiu plantações e criações de animais. Os textos são assinados conjuntamente pelo jornalista e pelo entrevistado que narra a história. O impresso só é distribuído entre a população afetada e, por este motivo, muitos em Mariana ignoram sua existência. A tiragem é de 3 mil exemplares.
A publicação destaca-se pela inovação na linguagem e pela qualidade das fotos. É um jornal essencialmente visual; as capas não contêm texto: só uma grande foto de alto a baixo, o nome do impresso e a frase “Para não esquecer”. Os textos são, em geral, curtos e com o linguajar simples da gente do campo; as reportagens informam sobre os direitos das famílias, sobre os andamentos dos processos de reassentamento e da reparação dos danos, descrevem reuniões, analisam propostas da Samarco e da Fundação Renova e, sobretudo, relembram o cotidiano, a história e a cultura das comunidades afetadas.
A primeira edição foi publicada em fevereiro de 2016, dois meses depois do acidente. Uma das reportagens falava do desconforto dos atingidos em falar com a imprensa. Eis algumas impressões sobre os contatos com a grande mídia registradas na edição inaugural: “Estou com birra de jornalista”; “Eles nos levam a expor coisas desnecessárias”; “O que incomoda é ser celebridade da desgraça”; “Eles têm muito poder, que às vezes prejudica e às vezes ajuda”.
Os dois editores-chefes do jornal — Genival Pascoal e Sérgio Fábio do Carmo — foram atingidos pelo desastre; também há atingidos no conselho editorial. Eles é que definem os assuntos que irão compor a pauta e nenhum texto é publicado sem sua prévia aprovação. “Os atingidos são os protagonistas. O jornal é feito por eles e para eles”, afirma Silmara Filgueiras, jornalista responsável pela publicação, que se formou em jornalismo pela Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop). Silmara disse que a experiência com A Sirene desconstruiu a visão que tinha sobre o jornalismo: “Conheci o jornalismo comunitário e é o que quero fazer daqui por diante”.
O apicultor Expedito Lucas da Silva morava em Bento Rodrigues havia 18 anos quando a barragem se rompeu e a lama varreu o povoado. Hoje vive com a mulher e quatro filhos em uma casa alugada pela Samarco, enquanto aguarda a construção do novo Bento. Ele faz parte do conselho editorial do jornal e já participou da elaboração de várias histórias publicadas. Segundo ele, A Sirene nasceu para suprir a necessidade de informações após o acidente. “Havia muita gente dispersa, e o diálogo estava difícil. Ainda temos falha na comunicação, porque o jornal só sai uma vez por mês, e quando noticiamos um problema, muitas vezes, ele já foi resolvido.” Ele disse que não se vê como repórter e que seu objetivo é ajudar a comunidade.
Perguntei o que havia aprendido com a experiência no jornal, e ele respondeu: “Aprendi que as pessoas não gostam que os jornais modifiquem as falas delas. Se eu falar errado, deixe minha fala sair errado”. Para ele, A Sirene já foi muito além das expectativas porque, além de informar, virou um registro da história”.
Futuro incerto
A Sirene tem recursos garantidos até março de 2019, quando vence o prazo estipulado entre a Arquidiocese de Mariana e o Ministério Público para o uso das doações recebidas após o acidente. Segundo o padre Geraldo Martins, que também integra o conselho editorial do jornal, a Arquidiocese recebeu cerca de R$ 1,3 milhão doado por colégios católicos e outras instituições da Igreja e criou um fundo especifico para gerenciá-lo. Existem recursos no fundo, mas a Arquidiocese defende que sejam usados de forma diversificada para apoiar outros projetos coletivos.
O jornal custa R$ 20 mil por mês, incluindo aluguel, pagamento dos colaboradores e impressão. O padre diz que o veículo tem cumprindo seus objetivos e tornou-se uma referência em estudos e pesquisas. “Meu sonho é que A Sirene veio para ficar”; ele disse que será criada uma associação para buscar novos apoiadores. O jornal nasceu do “Coletivo Um Minuto de Sirene,” que reúne estudantes e professores da Ufop, em parceria com a Arquidiocese de Mariana e com a empresa Nitroimagem, de Belo Horizonte.
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Elvira Lobato é jornalista e enviada especial à Mariana.