Indígenas, funcionários fantasmas e extração ilegal de madeira estão na pauta dos telejornais, mas falta investigação sobre gastos da prefeitura.
Os telejornais de Altamira investem em temas que estão na pauta das discussões nacionais, como desemprego, a extração ilegal de madeira e o combate ao trabalho análogo ao de escravo. A mesma atenção é dada ao cotidiano da cidade, como buracos nas ruas, iluminação pública deficiente e demora no atendimento médico.
Mas falta investigação jornalística sobre a gestão dos recursos públicos pelo poder municipal. As informações sobre licitações e contratos e convênios disponíveis no site da prefeitura não são aproveitadas para pautas mais aprofundadas.
Boa parte das reportagens é crítica à Norte Energia. A empresa assumiu um vasto leque de compromissos para compensar o impacto da usina, entre eles a construção de bairros populares para realocar 3.600 famílias que viviam em palafitas; um hospital com 100 leitos, sete postos de saúde, nova sede para a Funai e a implantação de 390 Km de redes de água e esgoto. Os próprios moradores entram em contato com as emissoras pelo WhatsApp para apontar problemas e sugerir reportagens. As reclamações mais frequentes referem-se a entupimentos na rede de esgoto e rachaduras nas casas.
“Belo Monte de mistério e de medo”
13 de fevereiro de 2019 – O repórter da TV Mirante, canal 17 (retransmissora Record), Lucas Trevisan, e o cinegrafista Carlos Calaça sobrevoam a usina de Belo Monte e pousam na pequena comunidade “Cobra Choca” para apurar a denúncia dos moradores de um suposto vazamento na barragem. Os desastres de Mariana e Brumadinho são lembrados para justificar a reportagem especial, de 21 minutos de duração, exibida no telejornal “Balanço Geral.”
“Um Belo Monte de mistério,” diz o repórter, enquanto a câmera mostra a água que brota da terra. Ele prossegue: “Um Belo Monte de Medo” e a câmera se volta para uma moradora apavorada que diz: “A qualquer momento isto vai explodir e levar nóis tudo junto.” Um geólogo especialista em barragens examinou as imagens mas não foi conclusivo no diagnóstico. A emissora justificou seu empenho em razão da “irresponsabilidade de empreendimentos bilionários espalhados pelo país” e da cobiça de grandes empresas pela região. A matéria foi parcialmente reproduzida pela Record de Belém. Após a divulgação, a Norte Energia publicou anúncio explicando que o vazamento é parte do sistema de drenagem da usina, e um diretor da empresa foi entrevistado por vinte minutos pela TV Mirante.
Funcionários fantasmas
As emissoras têm equipes pequenas, mas eventualmente fazem reportagens investigativas. Em outubro de 2018, a TV Cidade (Bandeirantes) denunciou a existência de funcionários fantasmas na prefeitura de Vitória do Xingu, município vizinho. Foram três meses de investigação, segundo a repórter Thais Portela. A equipe flagrou várias pessoas que recebiam salários sem trabalhar. Entre elas, dois ex-vereadores, taxistas e a proprietária de uma farmácia, Nilza Gonçalves de Azevedo.
A repórter seguiu os funcionários pelas ruas de Vitória de Xingu e os flagrou em outras atividades. Nilza admitiu que o filho, que mora em Belém, ocupava cargo comissionado na prefeitura. Defendeu-se dizendo que o filho dava expediente cinco dias no mês e que ela prestava serviços à prefeitura nos finais de semana e à noite.
– Isso não é corrupção?, perguntou a repórter.
– Não. Corrupção é quando o presidente e os governadores estão com a mala de dinheiro.
– E o salário do seu filho?
– Isso é mixaria.
Assassino ou vítima?
A cobertura dos conflitos agrários é um ponto crítico na cobertura, por envolver a elite econômica da região. As TVs dizem que não tomam partido nas discussões e que ouvem todos os lados envolvidos. Mas nem sempre há imparcialidade. No dia 22 de fevereiro de 2019, a TV Mirante exibiu uma entrevista de quase treze minutos com Rosângela Galvão, mulher de Regivaldo Galvão, condenado em segunda instância a 30 anos de prisão como mandante do assassinato da irmã Dorothy Stang. Ele aguardava em liberdade a decisão final do processo, mas o Supremo Tribunal Federal determinou o retorno dele à prisão.
A entrevista foi gravada no amplo jardim da casa do acusado e a TV abriu espaço para ela defender o marido. “A inocência dele é a minha inocência e a inocência de meus filhos,” disse Rosângela, depois de sugerir que Regivaldo foi vítima de uma trama do PT. Com lágrimas nos olhos, definiu o marido como uma pessoa simples, honesta e incapaz de matar ou de mandar matar alguém. (…) “ A imprensa fez dele o criminoso, o condenou, o botou preso e estamos pagando,” respondeu sem ser contestada pela reportagem.
Violência urbana
No noticiário do dia-a-dia, predominam os assuntos policiais, reflexo do aumento da violência na região. Altamira ficou em primeiro lugar no Atlas da Violência divulgado pelo IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) em 2017, com uma taxa chegou a 107 homicídios por cem mil habitantes.
O governo do Pará questionou a metodologia do Ipea, mas seus números também mostram o crescimento da violência. Segundo a Secretaria de Segurança do Estado, Altamira teve 84 homicídios em 2015; 70 em 2016; 99 em 2017 e 78 em 2018. Em janeiro de 2019 foram oito mortes violentas.
Chama a atenção nos telejornais de Altamira a frequência de casos de estupros de menores e de violência contra mulheres. Segundo a coordenadora de jornalismo da TV Cidade, Midiane Chaves de Araújo, em média, ocorrem semanalmente três casos de ataques contra mulheres e um de violência sexual contra crianças.
Desemprego
Altamira chegou a receber 40 mil pessoas, a maioria migrantes pobres, em busca de emprego durante a construção da usina de Belo Monte. Parte delas permaneceu na cidade e vive de subemprego. As dificuldades de recolocação no mercado de trabalho começam pela demora na obtenção da carteira de trabalho, pois faltam funcionários na delegacia local do ministério do Trabalho que emite o documento.
A TV Mirante fez uma reportagem sobre o calvário dos moradores para obter carteira de trabalho e de identidade, mostrando as pessoas que passam noites nas filas para disputar as senhas de senha de atendimento, que são distribuídas duas vezes por mês.
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Elvira Lobato é jornalista enviada a Altamira (PA).