Há meio século na política, prefeito Domingos Juvenil, do MDB, é dono do SBT local, enquanto seu principal opositor, o vereador Marcos Nascimento, do PDT, tem a afiliada Band.
A Prefeitura de Altamira gastou R$ 600 mil com publicidade na mídia local no ano passado. Mas a distribuição dos recursos entre os meios de comunicação seguiu critérios políticos. A TV Cidade, canal 19, afiliada local da Rede Bandeirantes, e o jornal impresso “A Voz do Xingu”, de circulação quinzenal, não entraram no rateio da verba porque são consideradas “de oposição” pelo prefeito Domingos Juvenil.
“Em Altamira, ou você é a favor do prefeito Domingos Juvenil, ou é contra. A disputa aqui é como a do Caprichoso e a do Garantido: você está com um ou com outro”, diz Madson Rabelo, secretário de Comunicação da prefeitura, referindo-se aos famosos grupos folclóricos de Parintins, no Amazonas, que se enfrentam anualmente na festa do Boi-Bumbá.
Juvenil está na política há 56 anos. Foi eleito pela primeira vez em 1962, para vereador da cidade de Vigia (PA). Em seguida, foi prefeito da mesma cidade, deputado estadual por três mandatos; deputado federal por outros três mandatos e está na terceira gestão como prefeito de Altamira.
Foi como deputado federal constituinte que ele conseguiu, em abril de 1988, a outorga do canal 10 (retransmissora do SBT) e uma rádio FM. As duas licenças estão em nome da Rede de Rádio e Televisão Vale do Xingu e foram aprovadas pelo então ministro das Comunicações Antônio Carlos Magalhães, no governo de José Sarney. A mulher de Juvenil, Rute Nazaré Nunes de Souza, é sócia cotista da empresa.
A oposição, por sua vez, é liderada por Marcos Nascimento, do PDT, que exerce o terceiro mandato como vereador. O filho dele, Maurício Nascimento, administra a TV Cidade, canal 19. Além da retransmissora de televisão, a família tem uma rádio comunitária, que funciona no mesmo prédio da televisão. Dos 15 vereadores que compõem a Câmara Municipal de Altamira, onze são aliados do prefeito.
Segundo comerciantes e prestadores de serviços da cidade ouvidos pelo Observatório da Imprensa, e que preferem não se identificar, os vínculos políticos das duas emissoras afetam a credibilidade do jornalismo que produzem. No mês de fevereiro, o filho do prefeito Domingos Juvenil, o deputado estadual Ozório Juvenil (MDB) apareceu duas vezes no telejornal da TV Vale do Xingu: no dia em que tomou posse como deputado e quando assumiu a presidência da comissão de constituição e justiça da Assembleia Legislativa do Pará.
O vereador Marcos Nascimento, por sua vez, foi ao programa “Barra Pesada”, no dia 18 de fevereiro, comentar a sessão de reabertura da Câmara Municipal. Chamou Juvenil de “atrasado e retrógrado” e criticou a vereadora Irenilde Zadil, do MDB, líder do governo, que havia elogiado as condições dos bairros da cidade. O apresentador completou: “A vereadora disse que a cidade está bonita? Tem gente que usa maconha estragada.”
Boicote
Marcos Nascimento se queixa de falta de transparência e da demora nas prestações de contas da prefeitura. “Os vereadores têm dificuldade para exercer seu papel de fiscalizador. De 2013 para cá, nenhuma prestação de contas da prefeitura foi examinada pelo Tribunal de Contas do Estado. O município já recebeu R$ 36 milhões de royalties da usina Belo Monte, e não sabemos onde o dinheiro foi aplicado”, diz o vereador, que defende a regulamentação do uso dos royalties.
Segundo o diretor da TV Cidade, Mauricio Nascimento, a prefeitura não anuncia na emissora desde 2013, e a equipe de jornalismo enfrenta dificuldade até para obter respostas da prefeitura por notas oficiais. “Participamos das entrevistas coletivas, mas o prefeito nunca nos deu uma entrevista exclusiva”, diz. No início do ano, a prefeitura chegou a proibir a entrada do comentarista esportivo da TV Cidade no estádio de futebol municipal por ter criticado as más condições de conservação do campo.
O secretário de Comunicação confirma a relação beligerante entre a prefeitura e a Band local: “As pautas da prefeitura são abertas a todas as emissoras, mas a televisão contrária não cobre os assuntos positivos e não nos ouvem nas pautas negativas”, diz Madson Rabelo.
“A TV Cidade raramente nos procura para ouvir nossa versão sobre os fatos e quando o faz, tentamos responder dentro do possível. Mas não vou negar que já deixamos de responder quando discordamos da pauta ou quando achamos que nosso ponto de vista não seria mostrado de forma correta”, diz.
A emissora do prefeito
A coordenadora de jornalismo da TV Vale do Xingu, Stefany Bragança, diz que o prefeito Juvenil não interfere no conteúdo dos dois telejornais diários da emissora: o “SBT Altamira” – no ar das 11h30 às 13h e o “ATM TV”, exibido das 18h20 às 18H40.
“O prefeito nunca veio à redação e nunca e nos ligou ou mandou recado proibindo qualquer matéria. Entrei para a TV em setembro de 2017 e este foi um dos pontos conversados entre nós. Eu disse: topo se for para fazer jornalismo, mas se for para evitar notícias, estou fora, porque não estudei jornalismo para isso. Muita gente duvidava que a TV fosse mostrar reclamações de moradores sobre buracos, lama e lixo nas ruas. A gente mostra o problema e ouve a prefeitura.”
Quando perguntada se a TV cumpria o papel de fiscalizar a gestão pública e se investigava a aplicação dos recursos pela atual administração, ela diz: “Até hoje não recebemos denúncia documentada contra a gestão do prefeito. Se alguém tiver provas e se dispuser a gravar entrevista, faremos a reportagem. Mas não dá para aceitar uma denúncia se o autor não mostrar a cara.”
A emissora possui três cinegrafistas e três repórteres recém-formados em comunicação, vindos de Belém. É a única da cidade com equipamentos para transmissões de externas ao vivo. Como nas demais TVs do interior da Amazônia, os apresentadores apresentam as notícias e também os anúncios locais, os chamados “merchands”, desempenhando papéis editoriais conflitantes.
Canal da prefeitura
Até o começo da década de 1980, não havia retransmissora de televisão em Altamira. O primeiro canal local — TV Altamira, canal 6 — foi autorizado em nome da prefeitura, em março de 1983, no governo do general João Baptista Figueiredo, e por mais de dez anos retransmitiu a TV Liberal, afiliada Globo. Atualmente, exibe a programação da TV Cultura do Pará.
O Observatório da Imprensa visitou a retransmissora no final de janeiro e a encontrou em estado precário. O presidente da Fundação de Telecomunicações do Município, que administra o canal, Erik Matos, varria as instalações porque o faxineiro tinha se demitido. O telejornal local “TVA Notícias” estava fora do ar desde dezembro, quando o retransmissor queimou durante um temporal.
Em fevereiro, Matos conseguiu um retransmissor emprestado com um técnico local e contornou o problema, pelo menos temporariamente, até a licitação pública para compra de um novo retransmissor. A prefeitura já havia investido R$ 500 mil em equipamentos de edição e estúdio. A equipe de jornalismo da emissora era formada, na ocasião, por dois repórteres, dois cinegrafistas e um produtor. O orçamento anual foi de R$ 560 mil em 2018, coberto com recursos repassados pela prefeitura.
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Elvira Lobato é jornalista enviada a Altamira ( PA).