O jornalismo local, conectado diretamente com as demandas da população, subsidia tomadas de decisão, que definem o destino das comunidades. Nos estados do Nordeste, veículos online e rádios são os que mais contribuem para robustecer a cobertura noticiosa de proximidade e reduzir desertos de notícias, como mostra o censo 2021 do Atlas da Notícia.
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Iniciativas digitais e rádios foram os segmentos com maior quantidade de veículos mapeados, muitos deles em locais onde antes não havia cobertura jornalística. Ao todo, 71 municípios nordestinos deixaram de ser classificados como desertos de notícias. A proporção de vazios noticiosos caiu 6%, na comparação com a edição passada. As reduções mais significativas dessas lacunas de cobertura aconteceram na Bahia (26 municípios) e na Paraíba (13 municípios). Mesmo assim, 62,4% dos municípios nordestinos ainda são desertos de notícias. É o segundo maior percentual do Brasil, um pouco abaixo da região Norte (63,1%), no primeiro lugar.
Foram mapeados 1171 veículos online, 990 rádios, 213 impressos e 207 TVs. Bahia, Maranhão, Ceará e Pernambuco se destacam em termos de presença de organizações de mídia, enquanto em Sergipe há o menor volume de projetos, apenas 104. Mais de um terço (32%) do total de veículos online são blogs ou páginas noticiosas em redes sociais. Nelas predominam conteúdos sobre política, serviços e segurança pública. Informações sobre o avanço da pandemia, da vacinação e a ocupação de leitos de UTI nas cidades também ocupam o noticiário. O segmento online também inclui sites, portais, podcasts, newsletters, rádios e TVs digitais.
Fora dos grandes centros urbanos, ainda que com menos estrutura do que os veículos das capitais, o jornalismo local cumpre uma função social importante, denunciando problemas do cotidiano das cidades. Em Castelo do Piauí (PI), município de aproximadamente 20 mil habitantes no Centro-Norte piauiense, o Portal Web TV Castelo noticia questões como a falta de energia em alguns bairros e o despejo irregular de lixo, cobrando respostas do poder público. O veículo também agrega notícias de municípios da microrregião de Campo Maior, onde está localizado. Essa cobertura de alcance microrregional é recorrente no interior dos estados. A partir de uma cidade polo, as redações produzem – ou apenas reproduzem – notícias de municípios vizinhos, sem presença significativa da imprensa.
Modelos semelhantes de cobertura regional também são encontrados nas capitais. O portal Sete Segundos, por exemplo, tem sede em Maceió, mas mantém uma redação em Arapiraca, na Região Metropolitana do Agreste alagoano, que é formada por 14 municípios. Eles também têm correspondentes espalhados pelo estado e um portal que agrega notícias da região da litorânea Maragogi, principal destino turístico de Alagoas e de Palmeira dos Índios, quarta maior cidade alagoana.
Além dos online, as rádios comunitárias têm grande presença nos municípios do Nordeste. Elas cumprem um papel informativo relevante, sobretudo em regiões onde o acesso à internet banda larga de qualidade não é garantido. Algumas emissoras têm estrutura de produção de conteúdo jornalístico, critério fundamental para o mapeamento do Atlas. Os conteúdos são apresentados geralmente em formato de entrevistas.
No município de Quijingue (BA), que já foi um deserto de notícias, a Rádio Quijingue promove debates sobre demandas da população e entrevista autoridades locais. A comunidade pode participar enviando perguntas pelo Whatsapp. A programação também é transmitida ao vivo pelo Facebook, potencializando o engajamento com os conteúdos.
Desertos de Notícias
Em 82% dos municípios do Rio Grande do Norte, os cidadãos não têm informações jornalísticas sobre o lugar onde vivem. O estado apresenta a maior proporção de desertos de notícia do Nordeste, resultado já observado na edição anterior do Atlas da Notícia. Quase 70% dos 137 desertos potiguares têm menos de 10 mil habitantes, considerando estimativas populacionais de 2020 do IBGE.
A capital Natal concentra a maior quantidade de veículos jornalísticos (52), seguida por Mossoró (19), segunda mais populosa do estado, considerada uma das principais cidades do interior nordestino por ser equidistante de Natal e de Fortaleza, capital do Ceará. Embora algumas cidades do interior se tornem polos regionais de informação, por sua maior relevância econômica e/ou posição geográfica privilegiada, como é o caso de Mossoró, podemos afirmar que, no Nordeste, o jornalismo ainda se concentra nas capitais. As metrópoles aglomeram iniciativas jornalísticas e isso se dá por uma confluência de fatores, inclusive pela oferta de recursos financeiros, essenciais à sustentabilidade dos projetos.
Nativos digitais
A pesquisa do Atlas da Notícia se expande a cada edição. A base de dados do Nordeste chegou a 2581 veículos jornalísticos, como são considerados aqueles com periodicidade e produção própria de notícias em observância a critérios jornalísticos, como a apuração. Esses veículos representam 18,8% do total das iniciativas cadastradas.
Projetos independentes nativos digitais continuam despontando, como uma tendência já consolidada. Um exemplo é o Conquista Repórter, criado em 2021 por três jovens jornalistas, com notícias produzidas a partir de Vitória da Conquista (BA). Também no ano passado surgiu o Estado do Piauí, propondo uma abordagem aprofundada dos fatos. Há também um movimento de expansão de podcasts jornalísticos com sotaques nordestinos, como o boletim político cearense semanal As Cunhãs. O crescimento da podosfera nordestina gerou a criação da Rede Nordestina de Podcasts, no ano passado, que articula as ações com 40 iniciativas e está em diálogo com 130 podcasts, segundo o site de mídia nordestina negra do Ceará Negrê.
Enquanto o digital se expande, os impressos recuam. Em 2021, três grandes jornais nordestinos anunciaram o encerramento das suas edições impressas: o Jornal do Commercio, no Recife(PE), o Diário do Nordeste, em Fortaleza(CE) e o jornal O Estado do Maranhão. No Ceará, a cobertura local também perdeu espaço na televisão. O Diário do Nordeste pertence ao Sistema Verdes Mares, um conglomerado de mídia que possui TVs, rádios e sites. No início deste ano, o sistema de televisão encerrou produções locais da TV Diário.
Impactos da pesquisa
No Nordeste, o censo do Atlas da Notícia em 2021 contou com o trabalho voluntário de estudantes e professores de cursos de Jornalismo. As universidades federais da Bahia (UFBA) e do Cariri (CE) abriram programas de iniciação científica com pesquisas inspiradas pelo mapeamento do Atlas da Notícia, que se consolida como referência para trabalhos acadêmicos.
Na UFBA, os bolsistas do programa de iniciação científica participaram do levantamento de veículos e revisão dos desertos de notícias sob coordenação da professora Ivanise Andrade e tutoria do doutorando em Jornalismo João Guerra. Na Universidade do Cariri, em Juazeiro do Norte, o professor Ivan Satuf coordenou o trabalho dos estudantes voluntários. No Recife, alunos de Jornalismo da faculdade Uninassau participaram do levantamento, incluído como atividade em sala de aula pela professora Nataly Queiroz.
Colaboraram na quarta edição do Atlas da Notícia os seguintes voluntários:
Emilly Sales Martins
João Claudio de Santana Guerra
Géssika Aline Lima da Costa
Felipe José Barros Meneses
Renata Imbassahy Falcone
Ana Beatriz Caldas Oliveira
Cícero Rafael da Silva
Francisco Gean Rodrigues Bezerra
Verena Mendonça Veloso Nascimento
Luiza Santos Gonçalves
Angélica de Araújo Barros
Ivanise Hilbig de Andrade
Ana Roberta Xavier Barros Wanderley
Evellyn Filgueira
Gabriel Farias Alves
Gabriel Pedro Alves
Isabelle Felipe da Silva
Julia Beatriz Lyra
Lorena Laila Lins da Silva
Mariana Ramos da Silva
Mateus Rodrigues de Oliveira
Ravi Neves
Pedro Manoel Martins Tinôco
Rafael Feitosa Delgado
Ruan Erick
Suelen da Costa Nascimento
Valentina Guimarães Rocha
Wanessa Miquilino da Silva
Esdras Marchezan
Ana Kézia
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Mariama Correia é jornalista, formada pela Universidade Católica de Pernambuco e pós-graduada pela Universidade Federal de Pernambuco; foi repórter do coletivo de jornalismo investigativo e independente Marco Zero Conteúdo e da editoria de Economia do jornal Folha de Pernambuco. Participa do Atlas da Notícia, como pesquisadora do Nordeste.