Ao produzir e publicar o Atlas da Notícia, o Projor – Instituto para o Desenvolvimento do Jornalismo, em parceria com o Volt Data Lab, realizou iniciativa inédita no país e que mapeou, até outubro de 2017, uma rede de 5.354 veículos de informação distribuídos em território brasileiro.
O dado quantifica a existência de jornais impressos e sites na internet que veiculam conteúdo noticioso com periodicidade no mínimo quinzenal. Mas não significa haver, no Brasil, 5.354 publicações jornalísticas. Afinal, manter um jornal não implica necessariamente fazer jornalismo.
Há centenas (talvez milhares) de publicações que se identificam como jornais (inclusive, às vezes, com este termo incorporado ao nome) e que se parecem com jornais (em sua forma e linguagem características), mas não praticam o método e a ética do jornalismo.
Fazer jornalismo exige o compromisso de pautar-se pelo interesse público, dedicar-se a apurar, verificar e contextualizar os fatos, documentar referências e mediar, criticamente, os principais conhecimentos e saberes que procuram explicar, interpretar e avaliar os acontecimentos de atualidade.
Um jornal que faz jornalismo mantém sua publicação em função de sua redação, e não o contrário. Não está a serviço de uma marca ou de um personagem ou grupo político, por exemplo. Tem pauta própria, reportagem original, edição criteriosa, checagem cuidadosa, texto acurado, diversidade de opiniões, e por aí vai.
Mas há (e sempre houve) entre os jornais publicados no país (e não só por aqui) aqueles que servem prioritariamente à veiculação de publicidade e propaganda, seja política, institucional ou comercial, restando às notícias (quando as há) fazerem as vezes de calhau. É o jornal Denorex: parece, mas não é.
Ou já foi — pois a praga do jornal sem jornalismo parece se agravar, nos últimos anos, com a descaracterização de publicações que já tiveram, originalmente, algum compromisso de noticiar e comentar criticamente a realidade, ainda que extraíssem receitas da publicidade, mantendo algo do muro lendário de Henry Luce de pé.
Novos hábitos informativos do público, somados à incapacidade desses jornais em reinventar-se, levaram muitos títulos, sobretudo (mas não só) no interior do país, a tornarem-se uma sombra do que, décadas atrás, chegaram a ser. Menos páginas, menos recursos, menos jornalistas… menos jornalismo.
Para se ter uma ideia, a Conta dos Passaralhos, uma iniciativa do mesmo Volt Data Lab, já computou mais de 6,1 mil demissões em empresas de mídia no país desde 2012. Numa conta grosseira, isso equivale a pouco mais de um desempregado para cada veículo mapeado no Atlas da Notícia.
Numa outra perspectiva, porém, é também possível supor que o aumento no número de jornalistas atuando fora das redações tradicionais tenha ajudado a multiplicar a quantidade e a diversidade de publicações existentes no país, sobretudo no meio digital, com o lançamento de sites, blogs e outros veículos em busca de independência.
É nesse contexto que emerge um outro lado da história: o jornalismo sem jornal. É o caso de centenas (ou milhares) de publicações criadas e mantidas por indivíduos ou pequenos grupos de profissionais que praticam o método e a ética do jornalismo, mas não carregam nos ombros a estrutura operacional e institucional que convencionalmente caracteriza um jornal.
Eis o que temos, então, no novo ecossistema da profissão: jornais sem jornalismo e jornalistas sem jornais. Um Atlas como este lançado pelo Projor ajuda, e muito, mas não é suficiente para compreender todos os desafios e as oportunidades que surgem nesse novo cenário. Já é possível dizer que temos o mapa. Resta, agora, desbravar o território.
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Francisco Rolfsen Belda é jornalista, professor da Unesp e conselheiro do Projor.