Os resultados desta quarta edição da pesquisa Atlas da Notícia estavam cercados de expectativas. O ano de 2020 foi atípico, com uma série de restrições impostas pela pandemia, mudanças drásticas nas rotinas, adoção de trabalho remoto e um aprofundamento da crise econômica. Embora o interesse da população por informação fosse notório nesse período, temia-se pelo aumento no número de municípios no que consideramos desertos de notícias: lugares onde não há informação jornalística local disponível para as pessoas que neles vivem.
De fato, os pesquisadores registraram o fechamento de 272 veículos de comunicação no Brasil e o prolongamento da pandemia em 2021 pode forçar o encerramento das atividades de mais organizações jornalísticas durante o ano, mas os temores não se confirmaram.
A quarta edição do Atlas mostra que houve redução dos desertos. Foram mapeados 217 municípios que deixaram de ser desertos e agora contam com ao menos um veículo de comunicação provendo informação local aos seus habitantes. Houve também um crescimento de 10,6% na base de veículos. São 1.259 veículos jornalísticos a mais do que na pesquisa anterior, publicada em fins de 2019. Desses, 1.170 são digitais. Existem hoje em operação no país, de acordo com o levantamento, 13.092 meios de comunicação jornalísticos.
O jornalismo resiste, mas, ainda assim, restam 34 milhões de brasileiros, pessoas que vivem em 3.280 municípios, sem acesso à qualquer informação local produzida por veículo de comunicação jornalístico. Seis em cada dez municípios do Brasil estão nessa condição.
O crescimento da participação dos meios digitais no ecossistema de informação local e a ocupação de antigos desertos de notícias deve, no entanto, ser vista com alguma cautela. Se por um lado é possível perceber uma vitalidade e renovação do ambiente de informação, com meios mais diversos e conectados às populações, a pesquisa também aponta para um quadro de precarização do jornalismo, com encerramento de operações tradicionais, de maior porte, e o surgimento de muitas iniciativas individuais, principalmente em formato de blogs.
Com poucas barreiras de entrada, o empreendedorismo digital se apresenta como um caminho natural para jornalistas que deixam para trás redações tradicionais. Esses profissionais, que normalmente trazem consigo experiência jornalística, especialização em um ou mais temas e conhecimento de fontes e públicos, entre outras coisas, nem sempre estão capacitados para conduzir um negócio. Quando enveredam pelo caminho das iniciativas individuais, sem associar ao negócio outras competências, isso se torna um risco ainda maior para a sobrevivência da iniciativa.
Empreendimentos individuais também dobram a esquina quando a capacidade de influência desses empreendedores é cooptada pela política ou até usada para servir de trampolim às próprias carreiras políticas de seus titulares.
Duas linhas de ação precisam ser exploradas pelos veículos nativos digitais que se apresentam como parte da solução para irrigar com informação os desertos de notícias.
Uma delas é expor e seguir os princípios editoriais e compromissos éticos da organização como um farol que mostra o caminho para a evolução e maturidade de um veículo de comunicação.
A outra é capacitar seus atores ou buscar competências externas para fortalecer o pilar de negócio e dar ao empreendimento a independência econômica que será garantidora da independência editorial.
Essas duas linhas devem andar juntas. Modelo de negócio e modelo editorial devem ser vistos como indissociáveis, atrelados um ao outro. Está na consistência desses dois modelos inderdependentes a capacidade que os novos veículos digitais terão para florescer nos desertos ou para revitalizar o ecossistema das áreas já florestadas.
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Sérgio Lüdtke é coordenador da pesquisa do Atlas da Notícia, editor do Projeto Comprova, coordenador dos cursos da Abraji e membro do Projor. Dirige a consultoria Interatores.