Thursday, 19 de September de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1306

Estamos preparados para criticar o jornalismo?

(Imagem Freepik)

Síntese das diversas contradições sociais, o jornalismo oferece produtos que não poderiam expressar outra coisa senão as disputas e negociações que se estabelecem cotidianamente entre grupos, instituições e organizações. A convivência entre o negócio e o bem público, com todas as suas contradições, é o que sustenta o sucesso do jornalismo como fenômeno moderno. 

É preciso reconhecer, como pontua o teórico Adelmo Genro Filho, uma singularidade que conforma um modo específico de relatar os fatos a partir de uma perspectiva comercial no qual convivem a objetividade e a subjetividade. É por isso que a crítica generalizada ao jornalismo, eventualmente confundido com “mídia” ou “comunicação”, tende a ser problemática, pois abstrai a complexidade de sua natureza e subestima sua autonomia, cujos processos de desenvolvimento são marcados por lógicas próprias adequadas à realidade.

Os autores de grandes reportagens da história se utilizaram de preceitos profissionais, compartilharam dos princípios da objetividade jornalística, aplicaram a técnica de produção e expressaram os valores éticos testados diariamente ao longo dos anos. Eles levaram em consideração o interesse da audiência e a credibilidade de suas produções. Ao mesmo tempo, foram movidos pelo espírito de mudanças sociais, fundamentado em um senso de justiça, liberdade e igualdade, mesmo que de modo indireto, quando o principal (e talvez único) interessado fora o público. Assim, qualquer tentativa de simplificar o jornalismo a uma atividade comprometida com um interesse específico é ingênua ou mal-intencionada.

Apesar disso, o jornalismo continua sendo alvo de críticas (geralmente pelos motivos errados) de praticamente todos os setores. Até jornalistas falam mal do jornalismo. Políticos reclamam que a abordagem não expôs suficientemente suas versões, cientistas dizem que os jornalistas distorceram suas pesquisas, militantes e ativistas celebram quando alguém agride membros da imprensa, youtubers e influencers vibram quando dizem o que a “grande mídia” não mostra e por aí vai.

Em boa parte, a culpa é também daqueles que compartilham do grande campo do jornalismo (empresários, jornalistas e pesquisadores da área). As redações jornalísticas e as universidades não têm encontrado meios para furar as bolhas e muito menos promover o debate de forma ampla e acessível sobre o papel do jornalismo na sociedade. As empresas de comunicação que apostam em conteúdos caça-cliques, dando voz a comentaristas/influencers que não medem esforços para gerar polêmicas que sensacionalizam também ajudam a complicar ainda mais este cenário. No meio universitário são poucos os dispostos a dialogar com organizações jornalísticas e, a julgar pela tradição acadêmica brasileira, com algumas exceções, a tendência é muito mais de afastamento do que aproximação.

É verdade também que o jornalismo não é uma atividade guiada exclusivamente pelos seus ideais canônicos ou pelo signo do interesse público. A imprensa brasileira é marcada por vários episódios comprometedores já destacados pela literatura acadêmica. É importante que a crítica seja feita sem que os argumentos estejam baseados no que há de mais superficial e distorcido pelo senso comum.

Contudo, em um ambiente marcado pelo caos informativo, no qual a comunicação em grande escala está acessível a qualquer indivíduo, ao mesmo tempo em que carecemos de um senso crítico adequado, capaz de garantir uma compreensão razoável sobre o valor das fontes de informação, o jornalismo, com todas as suas falhas, nunca foi tão necessário. Não se pode garantir a infalibilidade do jornalismo, mas é possível acreditar no interesse empresarial, cuja “cartilha” precisa associar audiência e valor da marca à credibilidade e responsabilidade.

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Guilherme Carvalho é Professor da graduação em Jornalismo do Centro Universitário Internacional Uninter e da pós-graduação em Jornalismo da Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG). É doutor em Sociologia com Pós-Doutorado em Jornalismo. Também é diretor de Comunicação da Associação Brasileira de Ensino de Jornalismo (ABEJ).