Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Confecom, muitas preocupações

Uma vez confirmada a realização da Conferência Nacional de Comunicação, a IHU On-Line está trazendo uma série de questões, a partir de entrevistas com pesquisadores e atores importantes da área, para alimentar o debate que pode servir de base para o início do evento. Conversamos, por telefone, com o professor Venício Lima, que, embora não esteja otimista como relação à Conferência, a partir do histórico dos organizadores, aponta ser algo positivo que, finalmente, ela esteja sendo desenvolvida. ‘Minha preocupação é com o fato de que a Conferência legitime posições que o empresariado tornou dominantes ao longo do tempo. Essa é a minha impressão do processo em andamento. No entanto, posso estar equivocado e tomara que eu esteja’, disse.

Venício aponta questões que precisam estar no centro do debate e observa que o marco regulatório da comunicação do país deve começar do zero, uma vez que o atual, sendo de 1962, possui grandes lacunas em relação à situação atual da comunicação no país. Ainda que tenhamos avançado, o professor alerta que o Brasil não pode ser considerado parte da chamada ‘sociedade da informação’. ‘É necessário muito cuidado com essa terminologia, porque certamente se ela se aplicou a alguma sociedade não foi a nossa’, destacou.

Venício Artur de Lima é sociólogo, graduado pela Universidade Federal de Minas Gerais. É mestre em Advertising, pela University of Illinois, onde também realizou o doutorado em Comunicação e o primeiro pós-doutorado. Também é pós-doutor pela Miami University. É professor aposentado da Universidade de Brasília (UnB). É autor de Mídia: crise política e poder no Brasil (Ed. São Paulo: Perseu Abramo, 2006) e Rádios comunitárias: coronelismo eletrônico de novo tipo (Ed. São Paulo: Observatório da Imprensa, 2007), entre outras obras.

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Qual é a sua posição em relação à Conferência Nacional de Comunicação?

Venício Lima – Eu não sou otimista em relação à Conferência, mas acho que é melhor haver uma do que nenhuma. Porém, sendo organizada pelo Ministério das Comunicações, sendo o ministro das Comunicações quem é, com os compromissos e posições já adotados, além de possuir a comissão organizadora que tem – que é mais ou menos 1/3 do governo, 1/3 dos empresários e 1/3 da sociedade civil organizada (que não é articulada e apresenta divergências sérias sobre vários pontos) –, minha preocupação é com o fato de que a Conferência legitime posições que o empresariado tornou dominantes ao longo do tempo. Essa é a minha impressão do processo em andamento. No entanto, posso estar equivocado e tomara que eu esteja.

O que deveria, então, ser feito?

V.L. – A questão das políticas de comunicação é muito complexa, porque envolve um número importante de atores muito poderosos. A definição da política pública nessa área, no mundo contemporâneo – e isso não acontece só no Brasil –, envolve interesses industriais (de produção de equipamentos, por exemplo) de muito peso na economia, além dos interesses dos grupos tradicionais da chamada comunicação de massa. Além disso, envolve, de forma cada vez mais direta, o interesse dos grandes grupos internacionais na antiga área de telecomunicações. E, claro, o principal interessado, que é o cidadão comum, é representado por essas organizações da sociedade civil que chamo de não-atores. Isso porque aqueles que deveriam ser mais decisivos na formulação das políticas têm, historicamente, sido pouco decisivos, porque não apresentam força e articulação. Até porque a discussão pública das questões ligadas ao setor ainda é, apesar de ter avançado muito nos últimos anos, muito tímida, considerando a importância desse campo em nossa vida.

É difícil falar em curto prazo o que deve ser feito. Temos avançado. O fato de esse governo ter convocado e respondido a uma reivindicação histórica dos setores organizados da sociedade civil, que é fazer na área da comunicação o que já foi feito em outras áreas (como as de educação e saúde), é um fato extremamente importante. Isso porque, na pior das hipóteses, a Conferência dará a oportunidade de o tema da mídia ser discutido, mesmo que a grande mídia não o coloque na agenda pública. A mídia não discute a si mesma. Ou seja, ela não agenda essas questões, não apresentando nenhum debate na televisão brasileira comercial, apenas na universidade, em observatórios de mídia e outros espaços. Insisto que isso é uma coisa de muito longo prazo. Nós ainda estamos longe de vivenciar uma discussão pública que expresse a importância desse setor.

A liberdade de expressão, tão exigida pelos grupos de comunicação, deve ser parte da pauta dessa Conferência também?

V.L. – A meu ver, é absolutamente fundamental. Já me manifestei publicamente sobre isso e fiquei muito desalentado com o debate sobre a Lei de Imprensa no Supremo. Vejo com muita tristeza o quanto os juízes da nossa corte mais alta estão distantes da reflexão não só acadêmica, mas da que tem sido feita sobre a mídia. Além do mais, está longe de questões de liberdade de expressão e de mídia levantadas no Brasil e no mundo. A liberdade de expressão se equaciona sem mais como a liberdade de imprensa. O jurista Fábio Konder Comparato fala que isso é uma aberração no mundo contemporâneo, porque a ideia da liberdade de expressão se refere ao direito do indivíduo. No entanto, equacionar esse direito individual com conglomerados econômicos poderosíssimos, que possuem também a atividade de mídia como uma de suas atuações, reivindicando para si o direito do cidadão, como se fossem a expressão desse direito, é absolutamente distante da realidade que vivemos.

Essa discussão é sempre feita como se o poder a ser enfrentado, em termos de ameaça a à liberdade de expressão (e nessa discussão sempre se equaciona liberdade de expressão com liberdade de imprensa), fosse exclusivamente o Poder Público, o Estado. Qualquer um de nós – parece que apenas os juízes não sabem – compreende que, pelo menos há mais de meio século, as Ciências Sociais em geral já destruíram a ideia de que nas sociedades o poder se concentra apenas no Estado. O poder está disseminado na sociedade. Existe poder nas relações sociais, na construção dos gêneros, no racismo, no tratamento das classes dominantes em relação às minorias. O poder da própria mídia, em muitos casos, se iguala e até supera o do próprio Estado. Então, toda essa discussão é desalentadora.

Como as tecnologias precisam ser discutidas de forma que ofereçam espaço para a sociedade dentro do processo de comunicação?

V.L. – Nem existe nenhuma dúvida de que é necessário que o Estado, cumprindo seu dever, continue com ações para aumentar e difundir a inclusão digital. Hoje, isso é absolutamente fundamental. Em relação a outras decisões que já foram tomadas, o avanço tecnológico acabou não revertendo para a democratização da área, por exemplo, na escolha do modelo da TV digital, porque uma alternativa era aumentar o número de concessões e pluralizar a difusão, o que não foi feito. A opção foi outra. Ela interessa aos grupos tradicionais da área, pois apresenta qualidade na transmissão e mobilidade na recepção de conteúdo. A meu ver, o necessário é centrar na importância da inclusão digital, massificando a internet.

Que mudanças a Lei Geral das Comunicações necessita?

V.L. – Há um vazio regulatório na área. Se você considerar a idade da nossa lei fundamental na área de radiodifusão, que é de 1962, e ver o que aconteceu na área de lá para cá, chegará à conclusão de que não existe a menor condição de ainda não termos alterado o marco regulatório. Precisamos de um marco regulatório que dê conta das coisas contemporâneas da área, como foi feito nos países mais avançados e desenvolvidos do que o nosso. Ao mesmo tempo, precisamos de uma lei que trate a área dentro do quadro de convergência tecnológica. Ela deve ser abrangente, tratando da área no seu conjunto e equacionando a relação e levando em consideração em conta a existência dos atores que surgindo no mercado. Essa área é uma colcha de retalhos. Inclusive, um problema absolutamente grave, do meu ponto de vista, é que até mesmo as normas constitucionais, da Constituição de 1988, em sua grande maioria, não foram sequer regulamentadas. Precisamos começar do zero e fazer uma grande organização normativa para a área inteira.

Como o senhor avalia o debate acerca da mídia a partir das construções teóricas que levaram alguns autores a compreender nossa sociedade como a sociedade da informação? Como estas questões de fundo devem estar presentes nos debates realizados dentro da Conferência?

V.L. – Eu tenho uma posição crítica a esse negócio da sociedade da informação. Isso veio na onda dos processos de privatização das telecomunicações, dentro de um movimento maior, de avanço de um pensamento neoliberal no mundo todo, de grandes interesses políticos. Você falar em sociedade da informação no caso brasileiro é uma incoerência, pois ainda falta muita coisa. Uma delas é que devemos ter uma inclusão digital que permita se falar que a informação via computadores faz frente à tradicional comunicação de massa. Houve uma certa precipitação de muitos autores brasileiros que adotaram a terminologia que começou a circular junto com a globalização. Hoje, duas décadas depois, estamos vendo que não é do jeito que se anunciava. É necessário muito cuidado com essa terminologia, porque certamente se ela se aplicou a alguma sociedade não foi a nossa.

Qual é o papel das universidades dentro desse processo de ‘repensar a comunicação’?

V.L. – É importantíssimo. Estou afastado da universidade como professor, pois estou aposentado há dez anos. No entanto, participo de bancas, e às vezes sou convidado para dar uma disciplina, mas não tenho mais o contato do dia-a-dia. Às vezes, me aborreço muito porque minha percepção de muitas das atividades que se faz na área específica da comunicação é a de que elas estão muito distantes das questões concretas, como essa que estamos discutindo aqui. É preciso se discutir mais as políticas da área e contribuir mais em termos de pesquisa, justamente com questões como essa levantada aqui.

E qual será o papel do governo durante a Conferência?

V.L. – O problema é que o governo não é um bloco monolítico. Se você olhar a representação de governo na comissão organizadora, verá que tem o Ministério das Comunicações e o Ministério da Cultura, que tem divergências públicas sobre a área. Então, na verdade, é muito difícil prever se o governo agirá de forma articulada. Muito provavelmente, haverá divergências entre setores do governo que estarão na comissão de organização e na coordenação da Conferência. Esse governo apresenta divergências sérias nessa área.