O Houaiss informa que dérbi é um “jogo, partida ou competição esportiva de grande destaque (como o Derby de Epsom, na Inglaterra)”. Como se vê, ele não o restringe ao turfe; só menciona o evento ‘original’ entre parênteses.
Artigos de Sírio Possenti
Muita gente pensa que as palavras têm um sentido fixo e verdadeiro. Entre os defensores dessa tese, os mais sofisticados argumentam em nome de um sentido antigo, supostamente originário. Não deixa de estar implícita nessa tese uma generalização dela, segundo a qual antigamente tudo era melhor (do paraíso antes da queda às línguas antes de […]
Saiu nova edição, aumentada, de O preconceito linguístico, de Marcos Bagno (São Paulo, Parábola Editorial). A primeira publicação foi em 1999, e provocou algum alarde. Por duas razões: uma foi colocar na praça, em tom de divulgação e com muitos dados empíricos, teses que destroem muitos lugares-comuns sobre o português. É incrível (isto é, não se […]
O que aconteceu em Paris há poucos dias ocasionou a produção, fundamentalmente, de três discursos: a) apoio total aos humoristas do Charlie Hebdo, posição representada por “Je suis Charlie”; mais amplamente, tratou-se de apoio total à total liberdade de pensamento e expressão (especialmente na imprensa); b) apoio à liberdade de expressão e à equipe do jornal, […]
Quando polemistas dizem que uma questão é “semântica”, querem dizer que ela é secundária. Pensam que há uma ‘coisa’ no mundo e que é ela que interessa. Os nomes que a designam seriam ou irrelevantes ou estariam errados. Políticos e economistas são os militantes que mais caem nessa armadilha. Qualquer interessado por questões como a […]
Manoel de Barros morreu. Como sempre, o fato causou matérias jornalísticas e a repetição de documentários da TV. O poeta é tipicamente associado à natureza. Seus depoimentos, de certa forma, confirmam essa visão, mas com uma característica especial, ou melhor, duas. Uma: sua poesia é ligada a sua infância (disse ele). Outra: poesia é subversão […]
Acaba de ser publicada a tradução de um livro de Guy Deutscher pela Editora Mercado de Letras, de Campinas (SP). O livro se chama O desenrolar da linguagem. A competente tradução é de Renato Basso e Guilherme Henrique May. O objetivo principal é descrever – e tentar explicar – um fenômeno que ocorre com as línguas humanas que […]
Um dos equívocos periodicamente mencionados à socapa em programas de ensino televisivo de língua portuguesa diz respeito à mal descrita dupla negação, como em Não vi nada / Não vi ninguém. Há quem pense, mal contrabandeando sentenças algébricas, que a frase significa ‘vi tudo / todos / alguns’, já que (eles têm certeza!) a dupla negação equivale a […]
O número 107 da Revista Língua Portuguesa (9/14) publicou duas reportagens que tratam de escrita. Uma resumia proposta atribuída a um senador, que pretenderia simplificar a ortografia. Basicamente, sugere-se uma grafia de base fonológica (a “nova” grafia de algumas palavras proporia oje por hoje, analizar por analisar, maxo por macho, gerra por guerra, por exemplo). […]
Suponhamos (não invento!) que se assiste a um jornal na tevê e o apresentador dá as últimas informações sobre o conflito entre Israel e a Faixa de Gaza. Como se ele falasse de Marte, o texto é (menciono só o essencial, o que, na verdade, se repete dia após dia): “Os soldados israelenses atacaram… e destruíram X […]
Jornais dizem que o gerente queria um sisteminha para chamar a secretária. Em tempos de informática, pediu a um auxiliar que criasse um. Ele disse que não tinha tempo. Meses depois, o pedido se repetiu. Então o funcionário se juntou a um amigo que mexia com computadores e, em pouco tempo (duas horas, segundo ele), […]
Em ’Ubaldo, Fidel e o lápis‘, José de Souza Martins conta que João Ubaldo Ribeiro e ele tinham um interesse comum: o uso popular de palavras ‘novas’, “que chegam às pessoas comuns através da tevê, do rádio e da publicidade”. Informa que Ubaldo tinha uma ‘besteiroteca’, que incluía exemplos como “Parabéns grassa você é muito espessial”, […]
Como se tornou notório, um jornalista de gabarito entrevistou sósia de Felipão e publicou a matéria. Depois que tudo ficou esclarecido, ele pediu desculpas etc. O episódio só me interessa em razão de uma afirmação do jornalista: “Realmente foi um erro tolo. Agi de boa-fé. Percebi o erro e corrigimos, deu para corrigir. Não prejudiquei […]
Volto ao tema da relação entre as palavras e as coisas, ou entre os enunciados e os fatos, que são duas faces da mesma medalha. Estou lendo Saussure com os calouros. Com sua defesa da tese de que uma língua não é uma nomenclatura (isto é, não é “uma lista de termos que correspondem a outras tantas […]
Muita gente pensa que linguística é uma disciplina teórica, que trata do signo, das funções da linguagem, que é gerativa ou funcionalista e que se ensina em uma ou duas matérias do currículo de letras. Mas, quando se trata de ensinar gramática, deve-se voltar aos compêndios que listam regências, concordâncias, análise sintática e morfológica. Ou […]
Creio que se pode dizer que é só entre leigos que a tese segundo a qual a linguagem expressa o pensamento é uma tese aceita como indiscutível. O que não significa que seja falsa, mas apenas que a versão ‘leiga’ se aplica mais ou menos cegamente e tende a descartar como problemáticas construções que não […]
Quase todos os estudiosos que tratam das funções da linguagem destacam a função referencial, isto é, o fato de que falar é, em alguma medida, falar do mundo: de coisas por meio de palavras ou expressões e de fatos por meio de proposições. Assim, uma palavra como ‘árvore’ refere-se a uma coleção de indivíduos com […]
O mito mais renitente sobre as línguas é o de que teria havido, em algum momento, línguas perfeitas. Em cada país – ou cultura – há quem lamente sua decadência. As pessoas estariam falando muito mal, ninguém mais respeita as regras, a gramática precisa “voltar” a ser ensinada, quem sabe até mesmo o latim, já […]
O filósofo francês Michel Foucault (1926-1984) escreveu que o intelectual relevante da atualidade, aquele que luta por questões que valem a pena, não tem mais o perfil de um Voltaire, por exemplo. É mais como Oppenheimer: sua força deriva de um conhecimento específico. Claro, não basta que ele seja um especialista: é preciso que coloque seu prestígio […]
Quando eu ouvia aquele pai de santo do Chico Anysio dirigir-se a quem o consultava na forma ‘Zifio’ (‘Zifiu’ é uma variação com alçamento da vogal átona final), ocorria-me, é claro, que ‘fio’ era a forma popular de ‘filho’ (filho > fiyo > fio; ver ‘fiyarada’). E nada me ocorria a respeito do início, ‘zi’, […]