Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Atos terroristas de Brasília criaram uma encruzilhada para Lula

Palácio do Supremo Tribunal Federal destruído (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Em menos de duas semanas de governo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) chegou a uma encruzilhada política que tem o poder real de definir o futuro do Brasil. De um lado está a confusão armada pelo frustrado golpe de estado, organizado e executado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e seu círculo pessoal de líderes, entre eles os chamados Generais do Bolsonaro, o ex-ministro da Justiça Anderson Torres e seus três filhos parlamentares: Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador pelo Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Do outro lado está um contingente de mais de 30 milhões de pessoas passando fome, mais de 8 milhões de desempregados, a estrutura de serviços públicos federais que precisa ser reconstruída, o desmonte da saúde pública, a destruição da Floresta Amazônica e uma baita confusão na educação pública. É sobre isso que vamos conversar.

Começo a nossa conversa chamando a atenção dos meus colegas jornalistas que, nas últimas duas semanas, as confusões armadas por Bolsonaro voltaram com vigor às manchetes dos jornais e lá vão ficar por um bom tempo. A novidade da semana é a prisão preventiva do ex-ministro da Justiça Anderson Torres, que é acusado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), de ter facilitado o acesso de bolsonaristas radicalizados à Praça dos Três Poderes, em Brasília, onde praticaram atos de vandalismo, destruindo tudo que encontraram pela frente no Congresso, no Palácio do Planalto e no STF. Torres, que é delegado da Polícia Federal (DF), também terá que explicar quem é o autor da minuta de um decreto para instaurar “estado de defesa” no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), com a finalidade de anular a eleição de Lula. O documento foi encontrado durante a execução, pela PF, de um mandado de busca e apreensão da casa dele. Enquanto toda essa confusão está armada aqui no Brasil, Bolsonaro está em Orlando, nos Estados Unidos, para onde foi um dia antes de encerrar o seu mandato para não entregar a faixa presidencial para Lula. Dependendo do que Torres falar no seu depoimento para a Justiça Federal, a situação do ex-presidente pode se complicar mais do que já está. Até agora, Lula usou essa confusão toda de maneira inteligente, mostrando para a opinião pública quem realmente é o ex-presidente e os seus seguidores radicalizados. O presidente aproveitou a situação para fazer preciosas alianças políticas que ajudarão a governar o país. A investigação de todo o caso está bem encaminhada e conduzida de maneira competente por Flávio Dino, ministro da Justiça e Segurança Pública.

Chegou a hora de Lula se afastar dessa história e deixar para o ministro Dino a missão de tocar o assunto. Por quê? Simples. A presença do presidente da República nesse rolo cria um palco político e, com isso, atrai a presença da imprensa especializada em política, o que acaba beneficiando Bolsonaro e seu círculo íntimo de líderes. Essa história toda é hoje um caso de polícia que precisa ser coberta pelos repórteres que escrevem sobre crime organizado e outros que acontecem nos plantões policiais. Lula precisa voltar a se envolver com os problemas econômicos do país, que são sérios e não podem ficar em segundo plano nas manchetes dos jornais. Todo repórter sabe que tudo que um presidente da República fala vira notícia, até as bobagens. Faz parte do jogo. Que lado Lula irá tomar nessa encruzilhada? A história do presidente mostra que ele tomará o lado dos problemas econômicos. Mas tem o seguinte. Nós jornalistas aprendemos que Bolsonaro é mestre em armar confusões e puxar para a briga os seus adversários políticos. O único que ele não conseguiu até hoje puxar para o bate-boca foi o ministro Alexandre de Moraes. Tentou várias vezes e não conseguiu. O ministro sempre falou com o presidente no processo. Lula já caiu nas armadilhas do ex-presidente durante a campanha eleitoral. Lembram do padre Kelmon, usado pelo então candidato à reeleição durante um debate na TV Globo para desestabilizar emocionalmente o atual presidente da República? Precisamos ficarmos atentos para identificar quem o ex-presidente irá escalar para ser o provocador de Lula.

Como sempre digo e vou repetir. O que escrevi não é opinião. São fatos que temos publicado. Acrescento que a cobertura que a imprensa brasileira e a estrangeira têm feito sobre os atos de vandalismo em Brasília tem sido muito completa. Inclusive, a investigação jornalística tem avançado para explicar aos leitores pontos que ainda estão confusos na apuração policial. As imagens dos vândalos quebrando tudo, feitas pelas câmeras de segurança do Congresso, do Planalto e do STF, têm sido repetidas várias vezes ao dia nos noticiários. Todos esses rolos, incluindo a tentativa de explodir um caminhão-tanque com 60 mil litros de querosene de aviação perto do Aeroporto Internacional de Brasília, não deram certo graças à liberdade de imprensa. Podemos afirmar, sem correr o risco do exagero, que a maioria desses acontecimentos foram transmitidos para o público online pelas redes de TV. Tem mais de mil pessoas presas durante o ataque aos prédios públicos. As investigações policiais seguem apontando os responsáveis pelo financiamento dos baderneiros. E segue a passos firmes o esclarecimento da história ainda não contada dos acampamentos bolsonaristas pedindo golpe de estado na frente dos quartéis do Exército. O ministro Dino, da Justiça, tem a situação sob controle. Isso abre espaço para que o presidente Lula possa se dedicar aos assuntos econômicos.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.