Não são os processos que tramitam na Justiça que assustam o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL). Mas as imagens dos atos terroristas dos bolsonaristas radicalizados que em 8 de janeiro invadiram a Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF), quebrando tudo que encontraram pela frente nos prédios do Congresso, do Palácio do Planalto e do Supremo Tribunal Federal (STF). É por esse motivo que, em maio, o ex-presidente desaconselhou os seus seguidores a participarem de atos públicos em apoio ao ex-deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), e os aconselhou a se concentrarem no andamento da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito do 8 de janeiro (CPI do 8 de janeiro). Onde tem a esperança de fazer valer a sua narrativa sobre o que aconteceu. Confesso que fiquei intrigado com essa decisão do ex-presidente porque ele não é de deixar passar uma oportunidade de fazer um afago nos bolsonaristas raiz, incentivando um protesto público e questionando a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Muito menos alguma vez se preocupou com a sua imagem pública. O que aconteceu?
Fui começar a entender o que tinha acontecido nos dias seguintes. Lembrei-me que na metade de maio circulou a notícia que, dos 600 processos que Bolsonaro responde na Justiça, um terço deles referem-se aos primeiros dois anos do seu governo. Esse levantamento foi feito pela direção do PL, alegando que agora é responsável pelo acompanhamento dos processos – matérias na internet. Dias depois, na primeira semana de junho, foi noticiado com destaque nos jornais um vídeo de Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro. Ele diz que o senador Sergio Moro e o deputado cassado Dallagnol “ultrapassaram os limites da lei” para atacar Lula, “e que vão pagar caro por isso”. Referia-se à Operação Lava Jato, no período que Moro era juiz da 13ª Vara Federal, em Curitiba (PR), e Dallagnol, procurador da República, e se associaram para sacanear Lula, como foi revelado pelo site The Intercept Brasil – há um vasto material disponível na internet. A soma desses dois fatos mostra que Bolsonaro rendeu-se ao presidente do seu partido, Valdemar Costa Neto, e está seguindo as suas orientações para conduzir os assuntos polêmicos. Isso é uma novidade, porque nas suas quatro décadas de vida política o ex-presidente trocou de partido como quem troca de camisa e nunca admitiu que ninguém, muito menos um dirigente partidário, lhe dissesse o que deveria ou não falar. Aliás, um dos motivos dessa montanha de processos vem do fato dele não ter freios na língua e dizer o que lhe vem à cabeça. Então, o que o levou a se render ao presidente do seu partido?
Vou citar dois fatos que respondem a essa pergunta. O primeiro é que, em 40 anos de carreira política (vereador e deputado federal do Rio de Janeiro e presidente da República), é a primeira vez que Bolsonaro fica o sem foro privilegiado proporcionado por um mandato. Isso significa que as suas broncas serão resolvidas na Justiça de primeira instância, que é mais rápida que o STF. Daí a importância de ter uma equipe de advogados cuidando do andamento dos processos. E, além dos advogados, o partido paga as contas do ex-presidente, entre elas a casa onde mora, um polpudo salário (R$ 40 mil) e outros benefícios. O segundo motivo é que o PL investiu no ex-presidente porque o seu prestígio político elegeu, em 2018, dezenas de deputados (estaduais e federais), governadores e senadores. E em 2022 repetiu-se a dose, e dezenas de candidatos foram eleitos puxados por Bolsonaro, tornando o Partido Liberal (PL) uma das maiores bancadas no Congresso (12 senadores e 99 deputados federais). Na avaliação dos caciques do PL, o prestígio político do ex-presidente não será abalado caso a Justiça o torne inelegível ou mande prendê-lo. O que abalará o seu prestígio é a ligação dele com as imagens dos bolsonaristas radicalizados quebrando tudo que encontraram pela frente em Brasília.
Ésimples a estratégia de Valdemar Costa Neto para afastar a imagem do ex-presidente do quebra-quebra em Brasília. Mantê-lo afastado de tudo que tenha possibilidade de dar confusão, como o ato público que estava marcado para apoiar Deltan, que acabou fracassado. E pelo menos conseguir colocar na cabeça dos eleitores uma dúvida sobre a responsabilidade de Bolsonaro nos acontecimentos do quebra-quebra. O PL precisa do prestígio de Bolsonaro para fazer bonito nas eleições municipais do próximo ano. A ambição é fazer prefeitos em cidades importantes, incluindo São Paulo, estado governado pelo ex-ministro e amigo do ex-presidente Tarcísio de Freitas. O destino do ex-presidente no PL vai depender do desempenho do partido nas eleições municipais. Até quando Bolsonaro irá trilhar o caminho indicado por Valdemar Costa Neto ninguém sabe. Nem ele. Esse é um dos ensinamentos que aprendemos sobre o comportamento do ex-presidente durante o seu governo. Não se pode afastar a possibilidade de um dia ele acordar e chutar o balde, como já fez tantas vezes. As chances dessa possibilidade acontecer crescem se o candidato escolhido para concorrer à presidência dos Estados Unidos em 2024 for o ex-presidente Donald Trump (republicano), um nome forte da extrema direita ao redor do mundo que é amigo e parceiro político de Bolsonaro. Inclusive, foi um ex-assessor de Trump, Steve Bannon, oráculo da família Bolsonaro, que disse que faria bem para o prestígio do ex-presidente brasileiro ser preso. Ele fez essa declaração na ocasião que Bolsonaro se refugiou nos Estados Unidos para não entregar a faixa presidencial para Lula.
Reportagem originalmente publicada em “Histórias Mal Contadas”
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.