Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Bolsonaro usa a estada nos EUA para conspirar contra a democracia no Brasi

Que influência as invasões de Brasília terão no destino de Bolsonaro? (Foto: Reprodução Redes Sociais)

E agora? O que irá fazer o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)? Durante o seu mandato, nos últimos quatro anos, ficou enchendo a cabeça dos seus seguidores com bravatas, teorias da conspiração e fake news sobre um golpe de estado. Eles acabaram acreditando e no domingo arregaçaram as mangas e foram à luta, invadindo e destruindo tudo que encontraram pela frente nos prédios do Congresso, no Palácio do Planalto, no Supremo Tribunal Federal (STF) e pelas ruas e avenidas de Brasília (DF). Em Orlando, cidade americana onde se refugiou para não passar a faixa presidencial para o sucessor Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Bolsonaro negou que tenha qualquer ligação com o quebra-quebra. Até as pedras das ruas e avenidas das cidades brasileiras sabem que o ex-presidente mente. Usando um linguajar dos pilotos de avião, durante uma viagem há um ponto no percurso de onde ainda se pode retornar para o aeroporto de partida. Depois, só é possível seguir em frente. O que aconteceu em Brasília no domingo (8/01) significa que o ex-presidente passou o ponto de retorno. Agora vai ter que seguir em frente, apostando no radicalismo para voltar ao poder.

O real impacto causado pelo ataque de bolsonaristas em Brasília saberemos no decorrer da semana, com o resultado das perícias que serão feitas nos prédios atacados. De imediato, 300 manifestantes foram presos, o ministro do STF Alexandre de Moraes afastou do cargo, por 90 dias, o governador do DF e aliado do ex-presidente, Ibaneis Rocha, e o presidente Lula decretou intervenção federal até o final do mês na segurança pública do DF. O responsável pela segurança era o governador, que agora terá 90 dias para explicar o que aconteceu. A imprensa brasileira e a estrangeira estão fazendo um trabalho bem completo do episódio. Vou chamar a atenção dos meus colegas para um aspecto desse acontecimento que merece ser melhor iluminado. Trata-se do seguinte. No final do ano, logo depois que Bolsonaro embarcou no avião presidencial e rumou para os Estados Unidos, assumiu o governo o seu vice, Hamilton Mourão. General da reserva do Exército, Mourão aguentou calado as humilhações, que não foram poucas, feitas por Bolsonaro e os seus três filhos parlamentares: Carlos, vereador do Rio, Flávio, senador do Rio de Janeiro, e Eduardo, deputado federal por São Paulo. Assim que assumiu a Presidência, Mourão falou em cadeia de rádio e TV para o país. Sem citar nomes, ele condenou o presidente por ter fugido para os Estados Unidos e usado o prestígio das Forças Armadas para se manter no poder. O vereador Carlos Bolsonaro chamou o general de “bosta” nas redes sociais. Ele respondeu dizendo que “não entro em pântano nem me rebaixo”.

O fato é o seguinte. Mourão é novo na política. Teve a sorte de se eleger vice-presidente na chapa de Bolsonaro, em 2018. E conseguiu, nas últimas eleições, usando o prestígio do então presidente, se eleger senador pelo Rio Grande do Sul. Mas para se manter na carreira política ele precisa tirar uma fatia do eleitorado do ex-presidente, que é capitão reformado do Exército e tem como base eleitoral as famílias dos militares das Forças Armadas, os militares de pijamas saudosistas do golpe militar de 1964 e uma parcela significativa da direita. Enquanto era presidente, Bolsonaro sempre navegou com tranquilidade entre o lado moderado da sua base eleitoral e o radical, os chamados bolsonaristas raiz. Agora isso acabou e vai precisar cada vez mais ser radical para se manter na disputa política. Mourão espera ocupar o lugar de Bolsonaro entre os moderados. Há outra história que nós jornalistas precisamos esclarecer. O ex-presidente entrou nos Estados Unidos como presidente do Brasil. Hoje, qual é o seu status? Na noite de domingo, parlamentares democratas americanos se manifestaram contrários à permanência de Bolsonaro nos Estados Unidos. Lembramos que ele é seguidor do ex-presidente americano Donald Trump (republicano), que perdeu a reeleição para Joe Biden (democrata). Na época, Trump inventou a história de que as eleições americanas tinham sido fraudadas. E, por conta disso, incentivou, em 6 de janeiro de 2021, os seus seguidores a invadir o Capitólio, o Congresso americano. Bolsonaro fez o desaforo para Biden de não reconhecer a sua eleição. Ele também fez desaforos para outros líderes mundiais, como o presidente da França, Emmauel Macron, e o da China, Xi Jinping, justamente o maior cliente do agronegócio brasileiro. O que aconteceu em Brasília no domingo repercutiu ao redor do mundo. E vários presidentes, como Biden, se solidarizaram com o governo do Brasil. Se a ideia dos parlamentares americanos de expulsar o ex-presidente do território americano prosperar, vai ser uma humilhação para ele e uma ajuda para Mourão ocupar espaço na base eleitoral de Bolsonaro.

Esse é um lado dessa moeda chamada jogo político, onde não existem espaços vazios. Sempre que um líder cai, outro ocupa o espaço. Esse é o jogo. O que aconteceu em Brasília no domingo tem um enorme potencial de causar um dano eleitoral considerável para Bolsonaro. É exatamente essa a aposta de Mourão. Lembro que o fato de vários bolsonaristas raiz terem sido presos coloca um fim na imagem de impunidade que desfrutavam quando o ex-presidente ocupava o cargo. Essa situação também tem um potencial considerável de beneficiar a imagem internacional do ex-presidente do Brasil na extrema direita. Hoje ele é uma figura de destaque na extrema direita, que está em ascensão em vários cantos do mundo. O fato é o seguinte: o ex-presidente está usando a sua estada no território americano para conspirar contra a democracia brasileira. É simples assim, como dizia o seu ministro da Saúde, o general da ativa (na época) do Exército Eduardo Pazuello.

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.