Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Brasil passou no vestibular da ONU?

Com as más notas tiradas nos últimos quatro anos, o Brasil seria certamente reprovado nesse vestibular da ONU com as piores notas! Porém, os exames ou sabatinas pelas quais passaram os representantes do Brasil na ONU, em Genebra, não são eliminatórios. O objetivo da ONU, sabendo onde o aluno Brasil é fraco, indisciplinado e repetente, é o de questionar quais medidas estão sendo adotadas para melhorar suas notas.

O momento é propício, pois a vitória da oposição contra o governo de extrema-direita, reincidente a cada ano nos erros condenados pela comunidade internacional, abre perspectivas de mudanças. Em todo caso, uma boa avaliação do cumprimento pelo Brasil do Pacto Internacional sobre os Direitos Econômicos, Sociais e Culturais pelo governo Lula só será possível nesta mesma época, no último ano do seu mandato. Os resultados das atuais avaliações feitas, em Genebra, nos dias 27 e 28 de setembro por 18 peritos internacionais da ONU, durante as quais não faltaram duras críticas às precárias situações ainda existentes em setores diversos do Brasil, só serão conhecidos mais tarde.

Entretanto, e isso deve ter impressionado os examinadores, a delegação brasileira chefiada pela secretária-executiva do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, Rita Oliveira, acompanhada de associações e ativistas, chegou corrigindo e rabiscando os posicionamentos do governo Bolsonaro e mostrando os novos rumos fixados pelo presidente Lula. Porém, nem tudo que foi pedido o Brasil poderá solucionar até fins de 2026.

As exigências dos examinadores

O exame ao qual foram submetidos os representantes do novo governo brasileiro, após nove meses de mandato do presidente Lula, mereceu um atento resumo, publicado pelo Comitê dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU.

Foram bem recebidas as primeiras iniciativas planificadas pelo novo governo e a criação de novas instâncias dedicadas às mulheres e à população negra.

As críticas vieram logo a seguir sobre o desmatamento da Amazônia, a exploração mineira ilegal e a violação dos direitos à terra dos povos autóctones que ali vivem. Durante o governo Bolsonaro houve assassinatos de índios e centenas de invasões de áreas indígenas e a desativação da FUNAI.

Os técnicos da ONU criticaram a insegurança jurídica em que vivem os indígenas, diante do avanço de grileiros, garimpeiros e dos agropecuaristas armados. Foi mesmo lembrado o assassinato de Maria Bernardete Pacífico, líder do quilombo Pitanga dos Palmares, na Bahia, agora cobiçado por agentes imobiliários.

Foram mencionados também os assassinatos, ataques e ameaças aos defensores dos direitos humanos, ocorridos já no primeiro semestre do governo Lula.

A seguir, vieram as críticas ligadas ao vasto setor de exploração do trabalho informal, já constituindo 40% do mercado de emprego brasileiro. Enquanto choviam críticas sobre discriminação salarial, persistência da pobreza, das desigualdades econômicas e sobre os dez milhões de jovens sem emprego. Alguém da equipe do Comitê aliviou a tensão existente durante os questionamentos e críticas, ao lembrar que o atual governo quer reverter as políticas regressivas adotadas por seus antecessores de 2016 a 2022.

Michael Windfuhr, relator do grupo de trabalho a cujo exame o Brasil foi submetido, enfatizou que a comunidade negra é também alvo de ataques nas terras ou quilombos que lhes pertencem. Por isso a necessidade de uma rápida entrega de títulos de propriedade às comunidades quilombolas.

Foi lembrado o retorno do Brasil ao “Mapa da fome” do Programa Mundial de Alimentação, do qual tinha saído em 2014, havendo atualmente cerca de 64 milhões de pessoas vivendo em insegurança alimentar.

Outra técnica da ONU acentuou a existência, em certas regiões brasileiras, de uma precariedade nas infraestruturas escolares e indagou sobre o valor dos salários dos professores e sobre o total dos meios financeiros dedicados ao ensino.

Foram também mostradas preocupações com a população LGBT+, alvo de discriminação e violências, assim como o grande número de descendentes negros vivendo na miséria, inclusive mulheres sem acesso à saúde.

Outro tema levantado nessa sabatina foi a do uso de produtos químicos contra pragas e de fertilizantes na agricultura, lançados do alto por drones. Segundo denúncia apresentada, muitos cereais exportados para a Europa só são utilizados na alimentação de suínos, embora esses mesmos cereais sejam comercializados, sem qualquer controle, para o consumo pela população sem controle no Brasil.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.