Sunday, 22 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Disparada do dólar foi o round final ou apenas mais um na luta Lula versus Campos Neto?

No final do ano acaba o mandato do presidente do BC, qual será o seu destino? (Foto: Gerd Altmann por Pixabay)

Se o ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL), 69 anos, tivesse que indicar agora (julho de 2024) o seu substituto para concorrer à eleição presidencial contra o atual presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), 78 anos, certamente estaria na sua lista o nome de Roberto Campos Neto, 55 anos, presidente do Banco Central do Brasil (BC). Graças à visibilidade pública que ganhou por ter sido apontado por Lula como um enclave bolsonarista no governo que mantém os juros elevados, em 10,5%, para prejudicar a economia nacional. As acusações do presidente da República nas duas últimas semanas do mês de junho provocaram a disparada na cotação do dólar comercial, que pulou de R$ 5,44 (19/6) para R$ 5,70, na terça-feira (2/7), mantendo por vários dias os nomes de Campos Netos e Lula nas manchetes dos jornais, sites e noticiários de rádio e TV.

Em outras ocasiões em que houve a disparada do dólar, o BC fez intervenções para baixar a cotação. Desta vez deixou rolar. Lula interpretou a situação como um ataque especulativo ao real. Este não é o primeiro ataque que Lula faz ao presidente do BC, que foi indicado por Bolsonaro para ser o primeiro a ocupar o cargo no Banco Central autônomo. Mas é o mais intenso, por ter envolvido o questionamento do futuro da autonomia do banco – há matérias na internet. Antes de seguir a nossa conversa vou contextualizar a história, como manda o manual do bom jornalismo. A atual bronca do presidente da República com Campos Neto nasceu na reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do dia 19 de junho. Na ocasião, por unanimidade, os nove diretores do BC suspenderam uma série de sete quedas na taxa de juros (a Selic) e a mantiveram em 10,5%. Um dia antes dessa reunião, em entrevista à Rádio CBN, da Rede Globo, o presidente disse, entre outras coisas, que Campos Neto tem lado na disputa política, portanto suas decisões são comprometidas. As declarações de Lula foram por conta de que dias antes da reunião do Copom, em 10 de junho, o presidente do BC foi a um jantar no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, oferecido pelo governador Tarcísio de Freitas (Republicanos), 49 anos, que foi ministro de Bolsonaro. Falei sobre o assunto em 21 de junho no post Sobre os juros do BC: Lula não pode demitir o presidente do BC. Mas pode reclamar. Bolsonaro vai indicar um substituto seu para as eleições presidenciais de 2026 porque foi considerado inelegível por oito anos pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Terminada a contextualização, vamos continuar com a história. Por ser inelegível, o ex-presidente tem uma fila de candidatos à espera da sua indicação para concorrer em 2026. Cito dois: o governador Tarcísio e o seu colega de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), 74 anos.

Nos quatro anos em que governou o Brasil, nós repórteres aprendemos que Bolsonaro não é um político tradicional que toma decisões negociadas. Ele decide as coisas na hora e leva em consideração o contexto político daquele momento. Daí a minha afirmação de que se as eleições fossem agora, em julho, ele colocaria na sua lista de candidatos que merecem o seu apoio o presidente do BC. Por quê? A visibilidade que Campos Neto está tendo por estar incomodando Lula. Entre a maioria dos bolsonaristas que fizeram parte do círculo de líderes que orbitavam ao redor de Bolsonaro, Campos Neto é o único citado pelo presidente da República como um enclave no seu governo. Vamos olhar a bronca de Lula contra o presidente do BC como se fosse uma luta de boxe. Devemos vasculhar nos cantos escuros desse confronto para descobrir se o episódio que provocou a disparada do dólar foi mais um round dessa luta ou o seu final. A minha aposta é que seja o final porque o mandato do presidente do BC acaba no final do ano. Portanto, já está procurando um novo emprego. Lula foi aconselhado pelos seus ministros, em especial o da Fazenda, Fernando Haddad, 61 anos, a baixar o tom em relação ao presidente do BC. O maior argumento usado pelos ministros para convencer o presidente da República “a baixar a bola” são os danos que a disparada do dólar causa à economia nacional. Lula tirou as luvas de boxe e o dólar começou a baixar – há matérias na internet. Campos Neto tirou férias e está na Europa. No seu lugar, na quinta-feira (4) assumiu interinamente a presidência do BC Gabriel Galípolo, atual diretor de política monetária do BC. Ele foi indicado por Lula para a diretoria do banco e poderá ser o substituto de Campos Neto a partir do próximo ano. O grande articulador da pacificação foi o ministro Haddad.

O que restou de concreto deste round na luta entre Lula e Campo Neto? Um prejuízo à economia nacional com a disparada do dólar que será conhecido nas próximas semanas. E um lucro para os especuladores do mercado financeiro que nunca vamos conhecer. Para Campos Neto, uma visibilidade pública imensa que pode se transformar em capital político que garantirá o seu próximo emprego. Ou simplesmente desaparecer no ar. Em sua defesa, ele tem dito que as suas decisões no BC são técnicas e não políticas. Como se fosse possível determinar onde uma acaba e a outra começa. Para o presidente da República, significou uma trégua nas pautas de costume que os parlamentares bolsonaristas estavam usando para conduzir a opinião pública, como o projeto de lei 1904, o deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), que propõe, entre outras coisas, a punição com a pena de homicídio para uma menina estuprada que abortar. A discussão em torno desse projeto, que ficou conhecido como PL do estuprador, ocupou as manchetes dos jornais durante semanas – há matérias na internet. Estes são os fatos públicos desta história. Ainda restam as articulações que ocorreram nos bastidores à espera de serem descobertas pelos repórteres.

Texto publicado originalmente em “Histórias Mal Contadas”.

***

Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.