Thursday, 26 de December de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1319

Em nome do agronegócio, deputado Lupion obstrui os trabalhos na Câmara

(Foto: Mapa)

Embora insinue que fale, o deputado federal Pedro Lupion (PP-PR) não fala pelo agronegócio brasileiro. Essa sua insinuação ajuda os concorrentes dos produtos agrícolas do Brasil nos mercados internacionais, em especial os Estados Unidos e os países europeus. Pujante e diversificado, formado por agroindústrias e produtores rurais de pequeno, médio e grande porte, o agronegócio não tem um comando central, muito menos regional. E nesse vazio surgem pessoas que falam em nome do segmento e passam a ser tratados pelos jornalistas como se fossem seus representantes. Em junho (2023) fiz o post Bancada ruralista deu na bandeja a cabeça do agronegócio aos concorrentes estrangeiros. Falava sobre a aprovação, naquele mês, pela Câmara dos Deputados, por 283 votos a 155, do Projeto de Lei 490/07 (PL do marco regulatório das terras indígenas). O texto foi então para o Senado, onde se transformou no PL 2.903/23, aprovado na última semana de setembro, por 43 votos contra 21, e seguirá agora para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Tudo indica que Lula vetará o projeto, porque os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitaram, por 9 votos contra 2, o marco temporal, que só permite serem reconhecidas como áreas indígenas as terras que ocupavam até 8 de outubro de 1988, data da promulgação da Constituição. Vamos a nossa conversa.

Faz parte do jogo da disputa política formar alianças para encurralar um adversário. É justamente isso que foi feito pelos partidos PL e Novo, que se articularam com 22 frentes parlamentares na Câmara dos Deputados pela obstrução dos trabalhos legislativos em protesto contra a interferência dos ministros do STF em temas que consideram da competência dos parlamentares, como drogas, aborto e direito à propriedade. Assuntos que estão na pauta do STF. Lupion é líder da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), que faz parte da obstrução por considerar a decisão sobre o marco regulatório do STF uma intromissão indevida dos ministros nos assuntos legislativos. Antes de seguir a nossa conversa vou dar uma explicação que considero necessária. A bancada ruralista integra as chamadas “bancadas temáticas”, que foram formadas na época da Constituinte (1988). A FPA é composta por um grupo maior de deputados com tendências políticas mais diversificadas. Lupion faz parte das duas. Como se diz no interior do Rio Grande do Sul, a história da obstrução foi um cavalo encilhado que passou na porta do deputado e ele aproveitou e saiu galopando. Por conta disso, tem aparecido dando entrevistas em espaços nobres dos noticiários. A primeira vez que ouvi o nome do deputado Lupion lembrei-me de uma noite em que estava em Capanema, cidade agrícola do Paraná, na fronteira com a Argentina, investigando um conflito agrário na região, uma das minhas especialidades. Estava ali porque tinha lido o livro A Revolta dos Posseiros, da professora e pesquisadora Iria Zanini Gomes. Resumindo o assunto do livro: colonos e posseiros gaúchos e seus descendentes foram levados por uma colonizadora para ocupar uma gleba de terras no sudoeste do Paraná. Grileiros contrataram pistoleiros para expulsá-los. E os governos federal e estadual foram omissos. Em 10 de outubro de 1957, colonos e posseiros pegaram em armas e tomaram várias cidades da região. O governador paranaense da época era Moisés Lupion, bisavó do deputado.

Esse episódio de A Revolta dos Posseiros, que na próxima semana completa 66 anos, é um elo perdido na saga do povoamento das fronteiras agrícolas do Brasil que deram origem ao que hoje chamamos de agronegócio. Como sei disso? Acompanhei a ocupação e o desenvolvimento das fronteiras agrícolas escrevendo reportagens e livros, entre eles O Brasil de Bombachas (1996), O Brasil de Bombachas –As novas fronteiras da saga gaúcha (2011), De Pai para Filho na Migração Gaúcha (2019), Brasiguaios: Homens sem pátri(1990) e Saga do João Sem Terra (1989). Uma explicação que julgo necessária, em especial para os meus jovens colegas repórteres que estão na correria da cobertura diária dos noticiários. Dei esse carteiraço porque a história que deu origem ao agronegócio brasileiro ainda não faz parte dos currículos escolares. Ela está dispersa em livros e trabalhos acadêmicos e na memória de velhos agricultores e indígenas. E por esse conhecimento não estar nos currículos escolares ele é substituído por versões, na sua maioria da extrema direita, que abrem as portas das redações dos jornais para que qualquer um entre e diga que representa o agronegócio vire notícia. Voltando a nossa conversa. Por todos os cantos do mundo, nos dias atuais, os consumidores querem saber se os produtos que compram são feitos respeitando os direitos dos povos originários, das minorias e do meio ambiente. Mais ainda: os fundos de investimento, os maiores financiadores de negócios do mundo, seguem a mesma cartilha. Lembro que no governo do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) espalhou-se uma versão de que o mundo era obrigado a comprar os produtos do agronegócio brasileiro por não haver outro fornecedor. Conversa fiada para justificar a destruição da fiscalização federal ambiental feita para facilitar o garimpo ilegal nas terras indígenas, que matou dezenas de índios, como os yanomami, e a derrubada criminosa da Floresta Amazônica.

Claro que não vamos colocar uma tese depois de vírgula toda vez que alguém disser representar o agronegócio. Mas podemos inserir uma frase dando para o leitor a ideia do que falamos. É o caso do deputado Lupion. Ele está falando por sua conta e risco. Quem o tornou representante do agronegócio foi a imprensa. Faço uma sugestão para os colegas. Procurem nas matérias que publicamos nas últimas duas décadas as pessoas que falaram pelo agronegócio e verifiquem o que estão fazendo hoje, especialmente aqueles que seguiram a carreira política. Essa é uma história que precisa ser contada. Podem apostar.

Reportagem originalmente publicada em “Histórias Mal Contadas”

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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.