Thursday, 21 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Escolas públicas paulistas em perigo?

(Foto: educacao.sp.gov.br)

Isso me assusta! Depois de Bolsonaro ter se empenhado na destruição do cinema, e não só do cinema, mas da cultura brasileira, existe uma sequência? Sim, e muito mais grave! Depois do escândalo das joias, esse foi o tema mais debatido na imprensa e nas redes sociais paulistas.

O sucessor regional de Bolsonaro no estado de São Paulo, Tarcísio de Freitas, nomeou um secretário da Educação interessado, ao que tudo indica, em acabar com a escola pública, seja terceirizando ou privatizando, além de destiná-las à formação prática de robôs prontos para atenderem à necessidade das empresas.

Os erros denunciados pela imprensa, seja em história brasileira, matemática ou português, nos novos livros digitalizados para serem utilizados online, mesmo se muitas escolas não dispõem de wifi, são sem interesse. A nova escola primária, ginasial ou colegial não está interessada nessas bobagens de Lei Áurea ou nas casmurrices do Jânio Quadros proibindo biquíni nas praias paulistas ou paulistanas! Literatura, filosofia, história, artes? Ciências sociais? Quem se interessar que pague professor particular, se inscreva numa escola particular ou se informe pela Internet.

A escola deve ser para formar bons operários, que não encham a cabeça com besteiras e acabem criando problemas para os grandes grupos industriais encarregados de manter viva a sociedade de consumo. Uma boa escola cria robôs dóceis que, na vida profissional não fazem greves, votam com o governo, prestam obediência e vão à igreja orar por seus patrões.

Melhor ainda a nova escola militarizada, criada por Bolsonaro e mantida ainda em alguns Estados, na qual marchar, cantar hinos patrióticos, usar uniforme militar e bater continência formam bons cidadãos conscientes de qual é seu lugar dentro da sociedade!

Deve ser esse o credo do novo secretário da Educação de São Paulo, Renato Feder, empresário, cujo sucesso está muito ligado ao do sócio criador da Multilaser, Alexandre Ostrowiecki, neto de judeus presos em campo de concentração durante o nazismo de Hitler, chegados ao Brasil em 1950 sem dinheiro. Uma bela história contada para a jornalista Ivana Traversim, da revista Exame. Os avós de Feder tiveram experiência parecida e o fato de ser judeu havia criado resistências entre os olavistas, militares e evangélicos, como Silas Malafaia, quando Renato Feder havia sido indicado por Bolsonaro, em 2020, ao posto de ministro da Educação. A imprensa na época só noticiou o apoio de Carla Zambelli, de empresários e financistas. Após essa fritura, tinha sido retirada a indicação de Feder.

Logo depois de assumir o cargo de secretário, Feder conseguiu, em pouco tempo, reunir contra si a maioria dos professores e dos órgãos ligados ao ensino público, por sua opção ideológica privatista contra o setor público. Ele vem de uma gestão considerada pelos professores como negativa no Estado do Paraná, onde exercia o mesmo cargo de secretário da Educação.

Autor do livro “Carregando o Elefante”, Feder pergunta se a melhor forma de se administrar o ensino é a de deixá-lo nas mãos do setor público, contratando e pagando os professores, escolhendo o material didático e cuidando da manutenção das escolas, ou deveria ficar nas mãos da iniciativa privada mais eficiente em tantas outras coisas? Nesse mesmo livro, se manifestava pelo fechamento do MEC.

O privatismo de Feder não fica aí; ele defende também a privatização de todos os hospitais e postos de saúde do governo, como um opositor ao SUS, o Sistema Único De Saúde, que era também visado pelo governo bolsonarista.

De acordo com a professora e pesquisadora Márcia Jacomini, da Unifesp, a tentativa de Feder de acabar com os livros nos ginásios é praticamente única no mundo, tendo sido testada na Suécia, mas está sendo considerada prejudicial à experiência do uso apenas digital nas escolas. Feder é contra o atual fornecimento gratuito de livros a todas as escolas, elaborados por especialistas e submetidos a rigoroso controle. Empresário e co-proprietário da Multilaser, talvez ele queira apostar na digitalização do ensino, esquecendo-se da realidade econômica e social da grande maioria dos alunos, muitos ainda sem acesso à Internet, o que privilegiaria os estudantes da classe média, enquanto prejudicaria e impediria o acesso dos alunos pobres às escolas.

Privatização, militarização, digitalização do ensino, padronização das aulas no formato de slides, fim da pluralidade de concepções pedagógicas, desrespeito à Constituição, controle do currículo padronizado e controle dos professores, considerados supérfluos, assim se acumulam as acusações ao empresário secretário da Educação, tido como bolsonarista de carteirinha, empenhado por ideologia (difícil de imaginar com seu passado familiar, defender ou pertencer à extrema direita brasileira bolsonarista de conotações fascistas) ou por interesse próprio empresarial em acabar com as estruturas do ensino público paulista, em nome de uma modernização, que acabaria penalizando as crianças mais pobres e favorecendo ainda mais as crianças das classes superiores, aumentando as desigualdades sociais. É de questionar se o secretário regula bem da cabeça ao afirmar que irá incluir Educação Financeira no currículo das escolas, sabendo-se que a maioria das famílias com filhos nas escolas públicas vive do salário-mínimo!

Pesquisas feitas junto ao ensino remoto, durante a pandemia, mostraram que as crianças não acessavam as fontes de ensino. Chega a ser ridículo pretender dar ensino digital em escolas, como dizem alguns professores nas redes sociais, onde não há nem água corrente, nem papel higiênico e muito menos impressoras. Entende-se que a Suécia tenha feito essa experiência por ser país do primeiro mundo, mas as conclusões foram negativas.

Enfim, haveria só o interesse de modernização na rejeição de centenas de milhares de livros destinados a todo o país, escritos por especialistas do Ministério da Educação e Cultura? Ou o interesse do secretário por outros meios digitais, preparados por sua equipe, tem outros objetivos como os de criar novos conceitos sociais? Nesses novos compêndios escolares digitais escritos pela equipe bolsonarista de Feder-Tarcísio de Freitas, além dos conceitos práticos exigidos pelas empresas e indústrias, haverá algumas contribuições sobre aborto, homossexualidade, criacionismo, direito divino, misoginia, feminismo, ateísmo etc., discretamente incluídas pelos religiosos de plantão?

Nada a ver a semelhança facial de Feder com o político francês Jules Ferry, responsável pelas leis que criaram na França a gratuidade nas escolas primárias. O secretário, que afirma ter visitado outros países antes de querer implantar seus planos educacionais tão contestados, deveria ter se inspirado no educador Pestalozzi e no ensino gratuito suíço.

Em 1934, a educação primária gratuita foi reconhecida como direito de todos no Brasil, mas retrocedeu durante a ditadura de Vargas e voltou a valer na Constituição de 1946. Com a ditadura militar, a questão da gratuidade voltou a ser questionada. Só em 1988, o artigo 208 da nova Constituição garantiu o ensino fundamental obrigatório e gratuito, complementada, em 1996, com a nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.

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Rui Martins é jornalista, escritor, ex-CBN e ex-Estadão, exilado durante a ditadura. Criador do primeiro movimento internacional dos emigrantes, Brasileirinhos Apátridas, que levou à recuperação da nacionalidade brasileira nata dos filhos dos emigrantes com a Emenda Constitucional 54/07. Escreveu Dinheiro sujo da corrupção, sobre as contas suíças de Maluf, e o primeiro livro sobre Roberto Carlos, A rebelião romântica da Jovem Guarda, em 1966. Foi colaborador do Pasquim. Estudou no IRFED, l’Institut International de Recherche et de Formation Éducation et Développement, fez mestrado no Institut Français de Presse, em Paris, e Direito na USP. Vive na Suíça, correspondente do Expresso de Lisboa, Correio do Brasil e RFI.