Alimentado por fake news e teorias da conspiração, dois meses e algumas semanas depois da posse de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) na Presidência da República continua viva e forte em Roraima e em bolsões nos estados vizinhos a ideia de que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) tem chance de voltar ao poder. Essa história é forte entre o enorme contingente de garimpeiros que invadiu as terras dos índios yanomami, uma área de 9,2 milhões de hectares na fronteira de Roraima com a Venezuela. A invasão provocou a fome entre os indígenas. As imagens de homens, mulheres e crianças reduzidos a pele e ossos transformaram-se em notícias que circularam o mundo. Essa narrativa de que a disputa pela Presidência continua é alimentada todos os dias pelos noticiários das rádios locais, o principal veículo de comunicação da região. Os donos dos garimpos e seus financiadores se encarregaram de consolidar essa narrativa. O governo do presidente Lula fez o que tinha fazer. Enviou para resolver o problema causado pela invasão dos garimpeiros cestas básicas, médicos, remédios, tropas federais, Polícia Federal (PF) e fiscais do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). E iniciou um plano para rastrear o dinheiro que financia o garimpo ilegal e a venda dos minerais: ouro, cassiterita e diamantes.
Mas são muito frágeis as iniciativas do governo federal em se contrapor a narrativas nutridas pelas fake news e teorias da conspiração, na opinião de lideranças de movimentos sociais da região. Conheço a região e tenho fontes confiáveis que lá vivem. O que acontece é que a maioria dessas emissoras de rádio depende economicamente de parlamentares estaduais, federais e municipais que defendem o garimpo ilegal e a derrubada da Floresta Amazônica por madeireiros clandestinos. São pequenas as chances de alguém se eleger na região sendo contra o saque dos bens e dos povos originais da Amazônia. Lideranças populares da região não estão defendendo a ideia de que o governo federal monte uma operação de mídia para lutar pelos corações e mentes da população. Defendem que seja montado um plano especial que mande autoridades do governo federal circularem pelas principais cidades, visitando os meios de comunicação para conversar sobre o que realmente está acontecendo. Colocando em pratos limpos coisas do tipo: as eleições acabaram e Lula foi legalmente eleito e empossado. A única maneira do ex-presidente voltar ao poder é ganhar as próximas eleições presidenciais, que acontecem em 2026. Os atos terroristas ocorridos em 8 de janeiro em Brasília (DF) não foram realizados por petistas infiltrados. Mas, como mostram investigações da PF e processos em andamento na Justiça Federal, por bolsonaristas radicalizados que foram presos na ocasião: 1.028 pessoas, sendo 637 homens encaminhados para o Complexo Penitenciário da Papuda e 391 mulheres enviadas para a Penitenciária Feminina.
Na opinião das lideranças dos movimentos sociais com quem conversei, não adianta o governo federal enviar relises, vídeos e áudios para as emissoras de rádio da região. É preciso mandar para lá gente do governo para bater na porta das rádios e contar o que realmente está acontecendo. Eu conheço a realidade da imprensa local. Já estive várias vezes trabalhando pela região e tenho boas fontes por lá. Não há exagero dessas lideranças em pedir que o governo federal faça um investimento para explicar a realidade do que está acontecendo no país. A maioria da população daquela região nasceu e cresceu dentro de uma cultura de saque dos recursos da Floresta Amazônica. A lista de mártires que foram mortos por defenderem o meio ambiente é longa. Lembro que, no final da década 80, o sindicalista, seringueiro e ambientalista Chico Mendes foi tocaiado e morto na porta da sua casa em Xapuri, cidadezinha no meio da floresta, no Acre. Em fevereiro de 2005, a irmã Dorothy Stang, defensora do meio ambiente e da reforma agrária, foi assassinada em Anapu, cidade no interior do Pará. E por aí vai a longa lista de mortos. Saqueador da floresta é uma profissão na Amazônia. O governo federal precisa explicar para a população local que a situação mudou. A preservação da floresta e dos seus povos originais é fundamental para a existência do mundo que conhecemos. Essa é a conclusão a que cientistas de várias países chegaram. Em consequência disso, o Brasil tem uma grande oportunidade de obter grandes financiamentos internacionais para solucionar vários problemas das populações daquela região.
Já falei, escrevi e conversei durante palestras para repórteres sobre o que vou dizer. Comecei a trabalhar em jornal na década de 70, no departamento de circulação, responsável por colocar o jornal nas mãos dos jornaleiros que gritavam as manchetes nas esquinas e nas bancas. Na época, todos os grandes jornais limitavam o grosso da sua circulação às capitais e regiões metropolitanas situadas no Leste do território nacional (litoral). O restante do país recebia pequenas quantidades de jornais enviadas por avião, ônibus e correio. Os noticiários das rádios e TVs davam alguma notícia sobre as cidades do Centro-Oeste e do Norte, quando algo de muito grave acontecia por lá. Era assim e continua sendo assim nos dias atuais. Essa é uma das razões do bolsonarismo ter crescido tanto na região. Até hoje, nunca um governo federal se preocupou em enviar alguém para a Amazônia com a tarefa de bater nas portas dos meios de comunicação para colocar a realidade dos fatos. Acrescento o seguinte. Muitos dos acampamentos de agricultores gaúchos e seus descendentes erguidos no final da década de 70 à beira da BR-153, rodovia que liga Cuiabá (MT) a Santarém (PA), hoje são cidades de porte médio, como Sorriso (MT), que tem uma população de mais de 150 mil habitantes e uma economia muito forte baseada no plantio de grãos como a soja. Mas, apesar do progresso, cidades como Sorriso continuam sendo tratadas pelo governo federal como se fossem acampamentos à beira da estrada. Há centenas de jornalistas trabalhando no governo federal. Eles conhecem a situação que descrevi. E sabem da urgência de alguém levar as informações corretas para os moradores daquela região.
Texto publicado originalmente por Histórias Mal Contadas
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.