Durante o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL) havia um grupo de médios e grandes empresários que faziam parte do seu círculo íntimo de líderes. Qual foi o papel desses empresários nos atos terroristas de 8 de janeiro? Na ocasião, bolsonaristas radicalizados quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no Congresso e no Supremo Tribunal Federal (STF), localizados na Praça dos Três Poderes, em Brasília (DF). No dia seguinte foram presas preventivamente 1.028 pessoas, sendo 637 homens, que estão no Complexo da Papuda, e 391 mulheres, na Penitenciária Feminina. O que já existe com 100% de certeza entre os agentes da Polícia Federal (PF) que investigam o caso é que essas pessoas foram financiadas. As investigações vão esclarecer se esses empresários bolsonaristas estão entre os financiadores. É sobre isso que vamos conversar.
Esse grupo de empresário não é anônimo. Os seus nomes e os de suas empresas estão em centenas de matérias que publicamos nos últimos quatro anos. Eles orbitavam ao redor de Bolsonaro no auge do seu prestígio político. Logo nos primeiro embates entre o então presidente e os ministros do STF, em especial Alexandre de Moraes, esses apoiadores recuaram para as sombras do governo federal. Mas continuaram apoiando. O episódio que marcou esse recuo foi a tentativa de golpe de estado pelo então presidente no Dia da Independência, 7 de setembro de 2022. Antes de seguir a nossa conversa, vou dar uma explicação que considero importante para o leitor, em especial para os meus jovens colegas repórteres que trabalham fazendo a cobertura do dia a dia nas redações. Não citei o nome de nenhum empresário desse grupo por dois motivos: primeiro, que a Constituição assegura a todos o direito de apoiar politicamente quem bem entender, seguindo a legislação. Isso significa que pelo fato deles andarem na ocasião abraçados com Bolsonaro não é uma prova que tenham financiado os atos. E, por último, os acontecimentos de Brasília foram atos terroristas, um crime muito sério. Portanto, é necessário esperar que a investigação policial aponte os nomes dos envolvidos. Claro que sempre existe a possibilidade de um fato inédito ser descoberto por um jornalista e a polícia saber dele pelas manchetes dos jornais. Já aconteceu comigo. Descobri no lixo do esconderijo de uma quadrilha um mapa de um aeroporto, em Osório, no Litoral Norte do Rio Grande do Sul, que detalhava um assalto que seria feito a uma aeronave de transporte de dinheiro. Voltando a nossa conversa.
Lembro os meus colegas que antes do primeiro turno das eleições presidenciais publicamos listas de empresas e empresários que estavam forçando os seus funcionários a votar em Bolsonaro, que concorria à reeleição. Logo depois da vitória de Luiz Inácio Lula da Silva no segundo turno começaram a se consolidar ao redor dos quartéis acampamentos de bolsonaristas que pediam aos militares que apoiassem um golpe de estado. O maior e mais bem organizado desses acampamentos foi feito na área do Quartel-General do Exército (QG), em Brasília. Reunia acampados procedentes de todos os cantos do país. A manutenção desse acampamento foi cara e paga com dinheiro vivo. Os agentes da PF estão seguindo o rastro deixado por esse dinheiro. Mas não é fácil chegar às fontes pagadora porque elas sabem que os policiais estão no seu percalço e tomaram providenciais para ludibriar a investigação, colocando laranjas (testa de ferro) na operação. Agora, o fato de estarem usando essa estratégia é um indício de que tem gente grande envolvida, qualquer policial em início de carreira sabe disso. Essa estratégia usada pelos financiadores dos atos terroristas está conseguindo dificultar o trabalho dos agentes. Mas o esclarecimento dos fatos vem sendo feito. Esse é o recado que as operações semanais da PF passa aos envolvidos com o financiamento dos atos terroristas. Em entrevistas, o ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, tem demonstrado que a apuração dos acontecimentos de 8 de janeiro está sob controle. Alerto os meus colegas que o resultado dessa investigação será um documento importante para a história do Brasil, porque, pela primeira vez, vamos ter acesso aos detalhes de como foram articulados atos terroristas em Brasília. Livros serão escritos, documentários serão feitos e pesquisadores publicarão trabalhos inéditos sobre o assunto.
Uma surpresa que pode surgir nessa investigação policial é, em algum momento, os atos terroristas de Brasília se cruzarem com os acontecimentos da área dos índios yanomami. Por quê? A política ambiental do governo Bolsonaro facilitou a invasão dos garimpeiros na terra yanomami, uma extensa reserva no estado de Roraima, na fronteira com a Venezuela. A invasão levou a fome às aldeias, que reduziu homens, mulheres e crianças a osso e pele – há matérias na internet. A PF está rastreando o caminho percorrido pelo ouro retirado ilegalmente da área indígena. O que já se sabe é que tinha gente da área do garimpo no acampamento de Brasília. Agora, se o dinheiro do ouro ajudou a financiar os atos terroristas é outra história que a investigação irá contar. Para arrematar a nossa conversa. Trabalho com investigação jornalística há uns 40 anos. Existe uma diferença fundamental entre a investigação jornalística e a policial. Os agentes, autorizados pela Justiça, têm acesso a informações bancárias, telefônicas e o que for necessário para esclarecer um caso. Nós jornalistas não temos esses direitos. Mas temos outros caminhos para conseguir informações, como vasculhar o lixo dos investigados e outros meios dentro da lei. Foi na lida diária da reportagem investigativa que aprendi que tanto faz uma investigação ser jornalística ou policial, é a complexidade dos fatos investigados que determina a velocidade da apuração. Os americanos levaram dois anos para esclarecer a invasão do Capitólio (Congresso), em 6 de janeiro de 2021, pelos seguidores do ex-presidente Donald Trump (republicano). A investigação dos atos terroristas em Brasília vai completar dois meses agora em março. Tem muita água para passar debaixo da ponte.