A aprovação no Senado da indicação de Flávio Dino para ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) pode ser o início do processo de implosão do bolsonarismo de extrema direita e significará uma oportunidade para a direita voltar ao jogo político. Em 2018, a direita, acreditando que poderia dominar a extrema direita, apostou no então candidato à Presidência da República Jair Bolsonaro (PL). Não conseguiu dominar Bolsonaro. Quem não saiu do governo foi demitido, e os que ficaram tiveram que jogar com as cartas da extrema direita. Atualmente, o símbolo da oposição ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) é o ex-presidente, mesmo depois que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) o tornou inelegível por oito anos por estar respondendo a dezenas de processos e investigações, como a tentativa de golpe de 8 de janeiro, quando bolsonaristas radicalizados quebraram tudo que encontraram pela frente no Palácio do Planalto, no STF e no Congresso, em Brasília.
Desde o início do governo Lula, Dino ocupa o Ministério da Justiça e Segurança Pública. Foi indicado ao STF na semana passada e sua audiência na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado foi marcada para o próximo dia 13, uma quarta-feira. Também na semana passada o procurador federal Paulo Gonet foi indicado para ocupar a Procuradoria-Geral da República. Gonet não deverá ter problemas para a sua aprovação. A bronca da oposição bolsonarista é com Dino. Vão tentar derrubar a indicação para o STF batendo em duas teclas. A primeira é que ele é comunista, portanto, contra os princípios cristãos, como acusou a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro. A segunda é que teria sido um péssimo ministro da Justiça e Segurança Pública. No primeiro caso, ser comunista não é crime no Brasil. No segundo, a bronca deve-se ao fato de Dino ter sido um dos que articularam a reação do governo contra os golpistas de 8 de janeiro, que resultou na prisão de 1,2 mil pessoas, entre elas manifestantes, financiadores do golpe e autoridades que conspiraram contra a democracia. As investigações estão sendo conduzidas pela Polícia Federal (PF), que é vinculada ao Ministério da Justiça, através da Operação Lesa Pátria, já em sua 17ª edição. Lembremos o seguinte: é um direito do presidente da República indicar os ministros do STF. E tem sido tradição do Senado aprovar a indicação sem grandes problemas, mesmo nos tempos em que a polarização da disputa política era entre o PT e o PSDB. Por que o rolo agora? Foi o que restou para a oposição bolsonarista. Enquanto isso, o governo está envolvido com grandes projetos econômicos, políticos e com uma pauta internacional que dá visibilidade ao país e resulta em bons negócios. Usando palavras que viraram moda na imprensa política do Brasil. É simples assim.
A direita já tentou e falhou em se livrar do bolsonarismo. Foi nas eleições presidenciais de 2022. Na ocasião, apostou em consolidar um candidato a quem chamaram de terceira via, com a intenção de quebrar a polarização entre Lula e Bolsonaro. Fracassou e continua refém dos bolsonaristas. Aliás, nos dias atuais até o ex-presidente se declara uma pessoa de direita para fugir da imagem de extremista que ganhou devido as manifestações golpistas de 8 de janeiro e das 700 mil mortes de brasileiros ocorridas durante a pandemia de Covid, que têm a digital do seu governo, como demonstram as 1,3 mil páginas do relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito do Senado da Covid-19, a CPI da Covid. Existe um cálculo do governo que Dino fará no plenário do Senado 62 votos dos 81 senadores, o que seria uma senhora derrota para a oposição bolsonarista. Se Dino ganhar, implodirá a extrema direita bolsonarista? Não acredito e vou explicar a razão. Analisando tudo que temos publicado sobre o assunto e o conhecimento que adquirimos sobre como funcionam as coisas entre as quatro paredes do bolsonarismo, vejo que a maior aposta deles não é barrar a indicação de Dino. Mas aproveitar o espaço que ganharam na grande imprensa com o estardalhaço que estão fazendo sobre a indicação. É assim que as coisas funcionam. Lembremos que no próximo ano haverá eleições municipais, nas quais o prestígio político do ex-presidente será testado.
Essa maneira de agir de Bolsonaro vem desde os tempos que ocupou por três décadas o mandato de deputado federal pelo Rio de Janeiro. Na época, ele era conhecido como um deputado do baixo clero, termo usado pelos jornalistas para designar parlamentares de pouca relevância, mas que costumava atrair a atenção dos jornalistas defendendo teses exóticas. E nas muitas vezes que conseguia virar manchete de capa lembrava aos seus colegas que o importante era os jornais falarem sobre ele, não importando se falassem bem ou mal. O ex-presidente não mentiu para a direita sobre as suas intenções caso fosse eleito. Disse que liberaria geral o acesso à Floresta Amazônica e aos seus povos originais, que defenderia a compra e o uso de armas e que trabalharia por um golpe de estado. Tentou tudo o que prometeu, basta dar uma olhada nos processos que tramitam na Justiça. Se acontecer um milagre e os bolsonaristas de extrema direita conseguirem barrar a aprovação de Dino para o STF eles ganham prestígio e a direita do Brasil continuará sua refém por um bom tempo. Caso contrário, terá uma chance de descer do trem da extrema direita, como dizem os moradores do interior de Minas Gerais.
Reportagem originalmente publicada em “Histórias Mal Contadas”
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Carlos Wagner é repórter, graduado em Comunicação Social — habilitação em Jornalismo, pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul — Ufrgs. Trabalhou como repórter investigativo no jornal Zero Hora (RS, Brasil) de 1983 a 2014. Recebeu 38 prêmios de Jornalismo, entre eles, sete Prêmios Esso regionais. Tem 17 livros publicados, como “País Bandido”. Aos 67 anos, foi homenageado no 12º encontro da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (ABRAJI), em 2017, SP.